O alerta chileno no Brasil, por Gustavo Tapioca

O alerta chileno no Brasil 

por Gustavo Tapioca

O dia 14 de dezembro de 2025 entra para a história política da América Latina como um marco de alerta máximo. O Chile confirmou nas urnas aquilo que as pesquisas já indicavam: José Antonio Kast, herdeiro ideológico do pinochetismo, venceu Jeannette Jara, candidata do campo progressista. Não se trata apenas de uma derrota eleitoral da esquerda chilena. Trata-se da confirmação empírica de uma estratégia continental da direita, que agora se apresenta como modelo exportável — e cujo alvo prioritário é o Brasil de 2026. 

O Chile deixou de ser apenas um país vizinho. Tornou-se laboratório. E o resultado é inequívoco: quando a direita fragmenta no primeiro turno e se unifica no segundo em torno do ódio de classe, do medo social e do anticomunismo, ela vence. 

O Brasil precisa entender isso agora. 

A estratégia chilena: dividir para somar, unir para derrotar a esquerda 

A vitória de Kast não foi improvisada. Foi engenharia política. No primeiro turno, a direita chilena apresentou várias candidaturas: liberais, conservadores tradicionais, direita empresarial, setores autoritários explícitos. Cada um falou para seu público, ocupou seu nicho, disputou território social. A fragmentação foi tática, não fraqueza. 

No segundo turno, o teatro acabou. Toda a direita se alinhou disciplinadamente em torno de Kast. Do centro-direita “civilizado” ao reacionarismo puro, todos fecharam questão contra a esquerda. A pluralidade inicial converteu-se em bloco compacto de poder. 

Essa é a lição central do Chile: 
a direita pode se odiar no primeiro turno, mas sempre se reconhece no segundo. 

José Antonio Kast: o extremista funcional 

Kast não venceu apesar de ser extremista. Venceu porque é extremista — mas funcional ao sistema. Seu discurso autoritário, anticomunista, anti-direitos humanos e hostil às políticas de memória serviu como eixo de unificação para todo o campo conservador. 

A direita liberal engoliu o radicalismo. 
O empresariado fechou os olhos para o pinochetismo. 
O centro-direita esqueceu seus pudores democráticos. 

O pacto é claro: a extrema direita mobiliza; a direita tradicional legitima

Esse é o novo autoritarismo latino-americano. 

Kast e Pinochet: herança política, não retórica 

Não há ambiguidade aqui. Kast é pinochetista. Sempre foi. Nunca escondeu. Defendeu abertamente o ditador Augusto Pinochet, relativizou crimes da ditadura e atacou políticas de verdade e justiça. 

Essa posição tem raízes familiares e históricas. A família Kast prosperou no Chile da ditadura. Seu pai, Michael Kast, imigrante alemão, esteve ligado aos círculos econômicos e administrativos do regime pinochetista, num contexto marcado por simpatias nazistas e colaboração com regimes anticomunistas no Cone Sul. 

O que venceu no Chile não foi apenas um candidato. 
Foi a reabilitação eleitoral do pinochetismo

A pinochetização como método: a tese se confirma 

O ensaísta João Cezar de Castro Rocha vem alertando para a “pinochetização do Brasil” — não como repetição literal da ditadura chilena, mas como método político: criminalização da esquerda, culto à ordem, deslegitimação das instituições quando não servem, naturalização da violência e do autoritarismo. 

O Chile confirmou essa tese com brutal clareza. 

O pinochetismo retorna pelo voto, não pelos tanques. 
Chega de terno, não de farda. 
Promete ordem, não repressão — mas entrega o mesmo projeto. 

É esse método que agora é exportado

Breno Altman estava certo: o Chile é o espelho do Brasil 

A leitura de Breno Altman se impõe como uma das mais lúcidas do período. O que ocorreu no Chile antecipa o que está sendo preparado no Brasil. 

Aqui também a direita planeja partir fragmentada no primeiro turno de 2026: Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Caiado, Ratinho, União Brasil, PSD, MDB, Republicanos, sobras do PSDB. Cada qual testando discurso, ocupando público, simulando alternativas. 

Mas o segundo turno será outra história. 

Assim como no Chile, a direita brasileira tende a se unificar integralmente contra Lula. A fragmentação inicial não é pluralismo: é cálculo. 

Flávio Bolsonaro é a fumaça.

Gustavo Tapioca é jornalista formado pela UFBa e MA pela Universidade de Wisconsin. Ex-diretor de Redação do Jornal da Bahia. Assessor de Comunicação da Telebrás, Oficial de Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do IICA/OEA. Autor de Meninos do Rio Vermelho, publicado pela Fundação Jorge Amado.

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