Pulverização de agrotóxicos em plantação de algodão, em Balsas (MA). Foto: Thomas Bauer

Por [Novo Nome] e [Novo Nome]*

Este artigo, dividido em duas partes, aborda a economia agrária contemporânea do Brasil tendo em vista o processo mais geral de condicionamento do sistema econômico como um todo pelas tendências de reprimarização da economia, fortemente observáveis em seu comércio exterior. Esse processo afeta também a indústria, que tende a declinar de peso econômico ou a se limitar a funções coadjuvantes da chamada “economia do agronegócio”.

O tema da reprimarização da economia requer esclarecimentos, principalmente sobre suas implicações ocultas, visto que no tratamento midiático e ideológico do sistema agrário hegemônico todo esse processo é vendido como uma espécie de sucesso incontroverso de uma entidade mágica – o “agronegócio”.

A abordagem do texto está dividida em dois tópicos principais, que ao final se encontram numa seção de síntese a título de conclusão. A seção inicial trata de fazer certa dissecação temporal dessa economia reprimarizada, tomando por referência o início dos anos 2000, quando se (re)articulam os mecanismos de política econômica e social tendentes a converter as exportações de commodities agrícolas e minerais em espécie de carro chefe do comércio exterior brasileiro.

Esse processo de especialização primário-exportadora afeta negativamente as estratégias alternativas de desenvolvimento rural baseadas na sustentabilidade agroecológica e no combate às desigualdades socioeconômicas. Nas Considerações Finais, reservamos algumas reflexões sobre a necessidade de mudança de rumos desse sistema de especialização primário exportador antiecológico, predatório, produtor de desigualdades e gerador de dependência econômica externa.

Commodities, comércio exterior, financeirização: uma revisão crítica

Nas duas últimas décadas, as transformações econômicas, sociais e políticas na paisagem agrária nacional foram particularmente marcantes, especialmente quando vistas a partir de uma perspectiva mais ampla. Ao lado de conquistas importantes, em particular durante a década de 2000 – como a criação de um conjunto inovador de políticas agrárias e alimentares diferenciadas e a redução das desigualdades sociais e da fome (indicadores que seriam rapidamente revertidos a partir de 2016) -, também assistimos a um conjunto de processos que aprofundaram as contradições estruturais da sociedade brasileira e caracterizaram um forte viés regressivo no meio rural, ainda pautado pela alta desigualdade do acesso à terra.

Figura 1 – principais setores exportadores e os respectivos valores das exportações brasileiras em 2020 – em us$ bilhões fob

Fonte: ComexStat (2020). Apud Flexor et al. (2022: 13)
Fonte: ComexStat (2020). Apud Flexor et al. (2022: 13)

O aumento dos preços das commodities e sua capacidade de geração de divisas levaram Maristela Svampa a caracterizar o período como o “Consenso das Commodities”, em contraste com o “Consenso de Washington”, cunhado para retratar o ajustamento estrutural das economias latino-americanas. Esse ciclo impactou diretamente o uso de recursos naturais, em particular a terra, pressionando seus custos, assim como áreas destinadas à preservação do meio ambiente e aquelas objeto da posse de populações originárias, em particular nos biomas da Amazônia e do cerrado, abrindo espaço para novas disputas territoriais fartamente noticiadas pela imprensa.

*[Novo Nome] é pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e membro da Direção Colegiada da Associação Brasileira de Reforma Agrária. [Novo Nome] é professor Titular do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Referências:

[1] Sobre uma discussão mais aprofundada a respeito do emprego e do significado do termo “agronegócio”, ver [Novo Autor]. 2012. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Ed. UFRGS, 142 p.; e [Novo Autor]. 2010. Sociedade e economia do agronegócio no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 25 (74): 159-196.

[2] Ver [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], 2019. Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: IBGE.

[3] FLEXOR, G.; KATO, K.; LEITE, S.P. 2022. Transformações na agricultura brasileira e os desafios para a segurança alimentar e nutricional no século XXI. Textos para Discussão, 82. Rio de Janeiro: Fiocruz. (Projeto Saúde Amanhã).

[4] Cf. FLEXOR, G. et al., 2022. Op. cit.

[5] SVAMPA, M. 2013. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en America Latina. Nueva Sociedad, no. 244 (30:46), mar/abr.

[6] REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (Rede PENSSAN). 2022. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid 19 no Brasil – II VIGISAN: Relatório Final. São Paulo, SP: Fundação Friedrich Ebert, Rede PENSSAN.

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Última Atualização: 22/07/2024