Com a entrada de jornalistas na Faixa de Gaza severamente restrita pelos israelenses, a fonte de dados sobre o número de vítimas da guerra costuma ser o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas – e Israel sempre rejeitou esses números, alegando que eles seriam exagerados. Agora, um estudo independente mostra que a contagem real de mortos é provavelmente ainda maior que os números oficiais.
Uma pesquisa conduzida pelo economista Michael Spagat, do Royal Holloway College, da Universidade de Londres, estimou que, até o início de janeiro deste ano, mais de 80 mil palestinos haviam sido mortos na guerra de Israel em Gaza, 65% a mais do que os nomes que constam nas listas do Ministério da Saúde local.
Para Spagat, especializado em guerras contemporâneas e na contagem de vítimas de conflitos, um dos aspectos importantes do seu trabalho é “lembrar-se de cada vítima”. Que os nomes dos mortos estejam pelo menos escritos em listas, como o Ministério da Saúde de Gaza faz atualmente.
Ele considera as listas oficiais “amplamente corretas” – mesmo que o ministério seja controlado pelo Hamas, classificado como uma organização terrorista pela União Europeia, pelos Estados Unidos e outros países.
“O Ministério da Saúde de Gaza lista os nomes dos mortos com seu número de identificação, idade e sexo. Isso pode ser facilmente verificado”, afirma.
Isso já foi feito: em fevereiro, pesquisadores publicaram um estudo na revista científica The Lancet que comparou obituários publicados em redes sociais com as listas do Ministério da Saúde palestino, e chegaram à conclusão que alguns nomes não haviam sido adicionados à lista oficial – ou seja, havia nomes faltando. E concluiu que o número de mortos era provavelmente maior do que o divulgado.
Pesquisadores em campo em Gaza
Agora, pela primeira vez, foi apresentado um estudo realizado de forma independente sobre as listas de mortos publicadas pelo Ministério da Saúde em Gaza. Os pesquisadores, liderados por Spagat, perguntaram aos moradores do território palestino sobre os membros falecidos de suas famílias.
Para fazer isso, eles estabeleceram uma colaboração com colegas do Centro Palestino para Políticas e Pesquisas de Opinião (PCPSR), uma organização independente de pesquisa, liderada pelo cientista político Khalil Shikaki, financiada por fundações privadas e pela UE, entre outros. Ela é sediada em Ramallah, na Cisjordânia, mas também conta com uma equipe experiente na Faixa de Gaza.
“Não precisamos ser autorizados a entrar em Gaza. Já estávamos lá”, diz Spagat, explicando como os dados foram coletados na zona de guerra, onde – com exceção de algumas organizações humanitárias – a autoridade israelense responsável dificilmente permite a entrada de alguém. Israel vem proibindo a entrada de jornalistas internacionais desde o início da guerra. “Felizmente, nenhum de nossos pesquisadores em campo foi morto até agora. Todos os funcionários do estudo estão vivos.”
Os pesquisadores em campo conversaram com uma amostra de 2 mil famílias, representativa da população de Gaza antes do ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro de 2023, que levou à guerra conduzida por Israel.
Eles não puderam entrar em áreas isoladas pelo Exército israelense como zonas de combate. No entanto, como grande parte da população de Gaza foi deslocada, os pesquisadores puderam conversar com pessoas em locais como o acampamento de Al-Mawasi, onde estão ex-moradores do norte da Faixa de Gaza ou de Rafah.
O estudo concluiu que, de 7 de outubro de 2023 a 5 de janeiro de 2025, o número de mortes diretas pela guerra foi de cerca de 75.200. No mesmo período, o número de mortos segundo o Ministério da Saúde de Gaza foi de 45.650. A pesquisa indica, portanto, que o número real de mortes é 65% maior do que o registrado nas listas oficiais.
Isso significa que cerca de uma em cada 25 pessoas foi morta na Faixa de Guerra, que tinha uma população de cerca de 2,3 milhões de habitantes no início da guerra.
Mortes por desnutrição e doenças
A isso se soma o número das chamadas “mortes indiretas da guerra”, ou seja, todas as pessoas que morreram em consequência da desnutrição ou de doenças provocadas pelas circunstâncias da guerra – menos o número de pessoas que teriam morrido de velhice ou doença independentemente da guerra. Os pesquisadores estimam que as mortes indiretas da guerra somam 8.540 para o período mencionado.
Esse número é significativamente menor do que o anteriormente estimado. Um estudo publicado na revista The Lancet em julho de 2024 havia projetado que, para cada morte contabilizada, quatro mortes indiretas adicionais da guerra teriam que ser adicionadas. As organizações humanitárias vêm alertando há meses que os civis em Gaza podem morrer de desnutrição e doenças – falou-se em dezenas de milhares de mortes indiretas da guerra.
Spagat atribui o número mais baixo de “mortes indiretas” ao fato da população de Gaza ser, em média, jovem e, antes da guerra, em grande parte bastante saudável, devido a um bom sistema de saúde e à alta taxa de vacinação “graças à ONU e a muitas organizações humanitárias”.
Esse número não é baixo em comparação com outras zonas de guerra. “Nossos números mostram que as organizações humanitárias têm feito um ótimo trabalho em manter a população viva até agora”, afirma.
Ele ressalta que o estudo foi realizado antes do bloqueio total de onze semanas imposto por Israel às entregas de ajuda humanitária a Gaza. “A população de Gaza está desnutrida. Quando surgem doenças, as coisas podem acontecer muito rapidamente. Mesmo que houvesse um cessar-fogo na próxima semana e ele fosse mantido, o número de mortes indiretas cresceria novamente. Nossos números não são definitivos.”
O estudo ainda não foi revisado de forma independente por pesquisadores que não estiveram envolvidos nele. Trata-se de uma pré-impressão. Por esse motivo, os números também não podem ser considerados definitivos. Mas as conclusões coincidem com o estudo publicado anteriormente na Lancet, que verificou a lista de nomes fornecida pelo Ministério da Saúde de Gaza.
Mais de 30% das mortes diretas são de crianças e adolescentes
A equipe de pesquisa de Spagat e Shikaki utilizou métodos diferentes, mas tinha um objetivo semelhante. Eles queriam verificar se a instituição que conta diariamente as novas mortes na Faixa de Gaza pode ser usada como referência confiável.
“Mostramos claramente que eles não estão exagerando o número de mortos. O estudo também indica que eles fornecem um quadro realista da demografia das vítimas fatais. A porcentagem de mulheres, crianças e idosos que calculamos corresponde com bastante precisão aos números do Ministério da Saúde em Gaza.”
De acordo com o estudo, mais de 30% das mortes diretas são de crianças e adolescentes menores de 18 anos. Outros 22% são mulheres e cerca de 4% são pessoas com mais de 65 anos. A maioria dos mortos são homens de 15 a 49 anos. Isso significa que os combatentes foram realmente alvos?
“Não”, responde Spagat. “Nas guerras, os jovens são sempre os mais propensos a serem mortos.” Assim como o Ministério da Saúde de Gaza, o estudo não faz distinção entre combatentes e civis.
“Teríamos colocado nossos pesquisadores de campo em risco se eles tivessem perguntado se havia membros do Hamas morando na casa.” Eles poderiam ser considerados suspeitos de serem agentes do serviço secreto israelense, de acordo com Spagat. Portanto, esses dados não foram coletados.
100 mil mortos até hoje – um número difícil de imaginar
Ele enfatiza: “Temos um número muito grande de crianças pequenas mortas, o que é fora do comum”. Ele hesita em fazer comparações, mas “em Gaza, 4% da população foi morta. Não vimos isso em nenhuma outra guerra no século 21”.
Se extrapolarmos os números do estudo de Spagat e Shikaki para os dias de hoje, chegaríamos rapidamente a 100 mil mortos. Um número difícil de imaginar, por trás do qual estão os nomes e as histórias de pessoas.
Conhecemos algumas delas, como a família al-Najjar. As crianças Yahya, Rakan, Ruslan, Jubran, Eve, Rivan, Saydeen, Luqman e Sidra foram mortas em 23 de maio em um ataque aéreo israelense em Khan Yunis. Sua mãe sobreviveu porque estava de plantão no hospital como médica. O único sobrevivente do ataque foi seu filho Adam, de onze anos. O pai das crianças, o também médico Hamdi al-Najjar, morreu alguns dias depois.