Nuclear: problema ou solução?
Por Beatriz Junqueira Fabrino, Caio Vinicius Higa, Giovanni Ferreira Marques, Sophia Helena de Freitas Macedo, Vitor Mathias Bertoldo
O Brasil ainda não definiu sua política para a energia nuclear. Angra 3 está em análise. Outros países, como China e França estão apostando pesadamente em ampliação do seu parque de usinas nucleares. Enquanto a Alemanha saiu definitivamente do nuclear, a União Europeia considera nuclear como energia limpa.
Introdução
A energia nuclear para uso pacífico, como meio de produção de eletricidade, passou por altos e baixos. Após a euforia na década de 1950, houve um esfriamento seguido por uma visão negativa por muitos cientistas e ambientalistas devido às questões ambientais e de segurança que envolvem esse tipo de obtenção de energia. Esse debate seu deu de forma muito diferenciada nos vários países, mas fato é que a opção nuclear ficou marginalizada nas discussões energéticas durante muitos anos no âmbito global. Porém, recentemente, a energia nuclear voltou a ser alvo do olhar internacional, agora como uma das alternativas para diminuir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Ao longo dos anos, o uso da energia atômica causou controvérsias por sua utilização bélica histórica e pelos acidentes de grande impacto de Three Mile Island (EUA, 1979), Chernobyl (Ucrânia/URSS, 1986) e Fukushima (Japão, 2011). Tais desastres fizeram com que a energia nuclear perdesse espaço nas discussões relacionadas às matrizes energéticas principais nos últimos anos. Além disso, em alguns países, com destaque para a Alemanha, houve, desde a década de 1970, grandes mobilizações populares que resultaram em posicionamentos totalmente contrários a essa modalidade energética.
Entretanto, a energia nuclear parece estar recuperando espaço agora ao ser apresentada como uma forma de obtenção de energia que não gera emissões de carbono. Emblemática para esse novo movimento é a decisão da União Europeia, em 2022, que definiu a energia nuclear como energia verde. E, em dezembro de 2023, na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), em Dubai, 23 países firmaram o compromisso de triplicar a capacidade global de energia nuclear, dentre os quais estão Estados Unidos e França, dois dos principais produtores mundiais. Ainda na COP28, pela primeira vez a energia nuclear foi incluída no documento final como parte da solução para frear o aquecimento global.
Em alguns países, além da preocupação com as emissões de GEE, a guerra na Ucrânia também foi importante para iniciar um novo ciclo de investimentos porque mostrou a necessidade de apostar a uma diversificação das fontes de energia. Mas o quadro está longe de ser uniforme. Na Alemanha, a guerra provocou um adiamento do fechamento das últimas usinas nucleares, mas não a sua anulação. Um ponto importante também nas discussões atuais é que, além da energia nuclear ser considerada uma forma mais “limpa” de energia ao não contribuir para o efeito estufa, essa modalidade também possui vantagens em relação às outras energias limpas por não sofrer do problema de intermitência. Diferentemente das energias eólica e solar, as usinas nucleares garantem fornecimento de energia contínua (exceto nas paradas programadas para manutenção).
Entretanto, mesmo com os novos investimentos em países como China e França, a energia nuclear ainda assim é um tipo de geração de eletricidade que possui muitos entraves, riscos e polêmicas, já que a questão da segurança sempre será um ponto extremamente relevante, aliado também aos questionamentos ambientais quanto ao descarte dos lixos radioativos gerados – que ainda não é claro – e os altos custos para a construção de usinas e obtenção da energia.
Muitos especialistas afirmam que os acidentes ocorridos no passado serviram de lição e que os níveis de segurança das usinas nucleares subiram muito. Entretanto, mesmo assim permanece o desafio de conquistar a confiança. Continua de pé o ceticismo com relação à capacidade de contribuírem para a transição energética e alcance das metas internacionais de net zero.
Vantagens e desvantagens
Durante a 28ª reunião anual das Nações Unidas sobre o clima, em Dubai, 2023, (COP28), 22 países assinaram uma declaração indicando a necessidade de triplicar até 2050 o uso da energia nuclear com o intuito de cumprir as metas de zero emissão líquida de carbono.
O argumento principal para o uso da energia nuclear é o fato de que sua geração – a partir da fissão nuclear-, não emite GEE. Além disso, por possuir uma alta densidade energética, seu uso a torna ainda mais interessante se comparada ao uso de outras fontes não renováveis. Segundo estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega, entre as fontes não renováveis para a geração de energia elétrica, a energia nuclear foi considerada a mais eficiente. Além da não emissão de CO2 e da alta eficiência energética, a produção de eletricidade a partir da energia nuclear, diferentemente das fontes renováveis, não possui intermitências na geração, bastando o acionamento das usinas para que a rede seja abastecida.
Os pontos elencados acima corroboram a declaração firmada na COP28 sobre a necessidade de triplicar até 2050 o uso dessa matriz energética. Entretanto, este aumento acarreta, invariavelmente, na maior produção de resíduos radioativos e na necessidade de se planejar o descomissionamento e o desmantelamento das usinas.
Segundo estimativa da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), desde o início da operação das primeiras usinas nucleares, o volume de resíduos radioativos produzidos até o final de 2016 era de cerca de 7 milhões de m³. Esse volume corresponde aos quatro tipos de resíduos existentes, os resíduos de nível muito baixo de radioatividade (VLLW), de nível baixo (LLW), de nível intermediário (ILW) e de nível alto (HLW). Ainda segundo a AEIA, apesar da necessidade de controle e gestão adequada de todos os tipos de resíduos, os de nível alto (HLW) são os que necessitam de maior atenção e uma destinação mais complexa. Entretanto, ainda que mais perigoso, o volume deste tipo de resíduo corresponde a aproximadamente 29 mil m³, cerca de 0,4% do total de resíduos gerados. Segundo a Associação Nuclear Mundial (WNA), esse volume equivale a altura de um prédio de 3 pavimentos, distribuído na área de um campo de futebol. Sendo assim, mesmo com o cumprimento da meta de triplicar o uso da energia nuclear até 2050, o volume de lixo nuclear gerado não é a questão mais relevante. Trata-se muito mais de um problema de planejamento e orçamento do que de espaço para alocar esse material.
Do ponto de vista da independência energética, a geração de energia a partir de usinas nucleares traz outras importantes vantagens. A necessidade de criar mecanismos de independência faz com que os países busquem maior autonomia no desenvolvimento de seus programas nucleares. Dominar todo o ciclo do combustível nuclear, desde a mineração do urânio até a produção de energia, é condição imprescindível para que a geração de energia, a partir das usinas nucleares, garantam independência, desenvolvimento científico e tecnológico e, por consequência, uma cadeia produtiva mais qualificada, aumentando a demanda por profissionais mais especializados. Entretanto, tais condições são possíveis apenas para poucos países, o que acaba se tornando uma desvantagem para a maioria das nações.
Ainda que sejam óbvias as vantagens em possuir reservas de urânio, a história das relações internacionais comprova que a divisão internacional das atividades produtivas oferece aos países periféricos poucas opções sobre o controle de suas reservas. Assim como as intervenções e sanções a países como Líbia, Iraque e Venezuela, por conta do petróleo, as jazidas de urânio também podem impactar na dinâmica política (externa e interna) dos países com grandes reservas do minério.
Apesar de a dinâmica internacional comumente afetar a periferia do sistema capitalista, justamente pela força econômica e militar dos países centrais, as desvantagens nem sempre serão restritas às nações do Sul Global. O caso francês é exemplo deste cenário. Cerca de 64% da energia elétrica da França é obtida a partir de usinas nucleares. Ao todo, são 56 usinas em operação que geraram aproximadamente 320 TWh em 2023. Entretanto, mesmo com o alto desenvolvimento tecnológico na área, das 8.232 toneladas de urânio necessárias para o funcionamento de sua indústria nuclear em 2024, nem um grama é produzido no país. Segundo a WNA, a França não produz nada desde 2016, não obstante o fato que o país detinha o controle de toda a cadeia produtiva da indústria nuclear. Mas essa situação se alterou com a deposição de governos alinhados ao ocidente em países da África Ocidental, em especial do Níger, dotado da 7ª maior reserva de urânio do mundo e maior fornecedor do minério para a França.
É claro que o controle de toda a cadeia produtiva da indústria nuclear é uma grande vantagem. Entretanto, ter este controle é algo que exige mais do que possuir reservas de urânio, ter a capacidade do beneficiamento do combustível e da produção da energia nuclear. Em 2013 a produção mundial de urânio correspondia a 91% da demanda. Em 2022 esse valor passou para a casa dos 74%. Estes dados reforçam que a busca por novas reservas nem sempre se dará via pesquisa e desenvolvimento técnico-científico, sendo provável que as estratégias geopolíticas ganhem cada vez mais espaço na “prospecção” por novas fontes de recursos naturais e no controle das cadeias produtivas globais.
Na escolha entre várias fontes, os países precisam considerar não somente o impacto ambiental, segurança e disponibilidade de recursos, mas também o custo, no caso da construção de novas usinas nucleares. Para a grande maioria dos países o alto custo para sua instalação é um obstáculo.
No imaginário popular, talvez um dos maiores temores e, por consequência, desvantagem seja a questão dos acidentes nucleares. Chernobyl (1986) e Fukushima (2011) são tragédias que tiveram um impacto bastante negativo na aceitação da energia nuclear como uma matriz confiável. Entretanto, apesar da reverberação dos acidentes, é possível dizer que a raridade dos eventos não justifica tal temor. Os níveis rígidos de controle exercidos pela AEIA e os avanços tecnológicos conferem à indústria nuclear um padrão de segurança na produção de energia superior aos padrões observados em outras matrizes energéticas.
Por fim, outra desvantagem que pode ser elencada é a questão da proliferação nuclear, que será abordada mais à frente em um tópico específico.
Quadro internacional
De acordo com levantamento do World Nuclear Association, 60 usinas estão em desenvolvimento em 17 países e planos para outras 110 já foram anunciados. A estimativa é que os novos projetos em construção gerem mais de 70 GWh de energia elétrica. Esse montante vai se juntar aos 400 GWh já gerados anualmente pelas mais de 410 usinas em operação, responsáveis, segundo a AIE (Agência Internacional de Energia), por 10% de toda energia elétrica global. Diante dos problemas geopolíticos, com destaque para a guerra na Ucrânia, o “renascimento” da energia nuclear deve ganhar ainda mais força nos próximos anos.
Analisando a produção de energia nuclear ao redor do mundo, com base nos dados do Energy Institute, nota-se que, em 2023, aconteceu a concentração nos países do Norte Global, especialmente da América do Norte, com 33,5% da produção mundial, e da Europa Ocidental, com 26,9% da produção. A exceção se encontra na China, país do Sul Global que possui 15,9% da produção do mundo. O gráfico abaixo ilustra esse cenário, mostrando os principais países produtores de energia nuclear no mundo:
Terceira maior produtora de energia nuclear no mundo, a França anunciou que vai acelerar sua expansão energética, concluindo as 6 usinas nucleares que já estão em construção e planejando construir mais 8 usinas. Essa medida faz parte do programa de expansão nuclear francês do presidente Emmanuel Macron. De acordo com a ministra da Transição Energética, Agnes Pannier-Runahcer, além das seis usinas já em andamento, serão mais oito usinas, com 13 GW de capacidade instalada. O objetivo é reduzir de 60% para 40% a participação dos combustíveis fósseis na matriz até 2035. O plano de expansão não deve sofrer alteração com os recentes turbulências na política francesa porque continua contando com o apoio de uma maioria no Parlamento francês.
A China, segunda maior produtora mundial, aumentou em 180% sua capacidade instalada para geração nuclear nos últimos dez anos. Em 2014, o país asiático conseguiu produzir 19 GW por meio de seus reatores. Em 2024, a potência para geração de energia nuclear alcançou 53,2 GW. Atualmente, a China possui 55 reatores nucleares em operação e outros 23 estão em construção. Segundo a AIE, os novos reatores devem adicionar cerca de 23,7 GW de potência nuclear na próxima década. Os EUA ainda têm a maior quantidade de reatores nucleares, 94, mas o país demorou 40 anos para adicionar a mesma capacidade instalada que a China alcançou em dez anos. Ainda nesse âmbito, a China leva em média sete anos para construir um reator nuclear, possuindo um ritmo mais rápido de construção em comparação com outras nações. A estratégia chinesa de rápida implementação de usinas nucleares modernas resulta em economias de escala e aprendizados significativos, sugerindo que as empresas da China terão uma vantagem na questão de inovações no setor nuclear.
A China também vem ganhando destaque no desenvolvimento de tecnologias para pequenos reatores nucleares. Em 2023, na província de Hainan, o módulo central do Linglong One, o primeiro reator comercial modular pequeno (SMR) do mundo, foi instalado com sucesso. Esse reator foi desenvolvido pela Corporação Nacional de Energia Nuclear da China e se tornou um feito notável na busca por fontes de energias renováveis. O destaque da estrutura modular do reator se encontra na capacidade de agilizar o processo de fabricação, reduzindo custos, ampliando a segurança operacional e possibilitando uma implementação flexível. Com capacidade de gerar 125 MW, quando totalmente em operação poderá produzir 1 bilhão de quilowatt-hora de eletricidade anualmente, atendendo às necessidades energéticas de aproximadamente 526 mil lares.
Em dezembro de 2023, o país asiático se destacou ao inaugurar o 1º reator nuclear de 4ª geração do mundo em Shidao Bay, um projeto que desenvolveu mais de 2200 conjuntos de equipamentos inovadores, com 93,4% dos materiais produzidos localmente. No comparativo com as gerações anteriores, os reatores nucleares de 4ª geração possuem maior eficiência, sendo capazes de operar em temperaturas muito altas e de permitir novas aplicações, como a produção de hidrogênio. Além disso, esses reatores têm maior segurança, com sistemas intrínsecos que não dependem de intervenção externa, e maior sustentabilidade, possibilitando a redução de resíduos e utilizando uma gama mais ampla de matérias-primas.
Os Estados Unidos ainda se mantém como principal produtor de energia nuclear no mundo. Entretanto, desde 1996, apenas três reatores foram concluídos no país e duas grandes plantas no estado da Geórgia, em 2023 e 2024, excederam o orçamento em bilhões de dólares e sofreram atrasos significativos. Hoje, não há novas usinas em construção no país e um projeto de ponta foi cancelado em 2023. Desse modo, o maior obstáculo enfrentado pelos estadunidenses para aumentar a capacidade de energia nuclear, neste momento, é o custo. Em comparação, se falta investimento nos EUA, na China os bancos estatais oferecem empréstimos com taxas de juros baixas, facilitando o avanço da indústria nuclear nacional.
Embora ainda possua a maior produção de energia nuclear no mundo, os Estados Unidos têm sua liderança ameaçada pela falta de investimento e pelo crescimento chinês. De acordo com as previsões futuras da Agência Internacional de Energia (AIE), a Ásia deve ultrapassar a América do Norte como a região com maior capacidade nuclear instalada até o fim de 2026, em virtude do forte investimento e desenvolvimento da Coreia do Sul, da Índia e, em especial, da China em energia nuclear. Na escala mundial, entre 2024 e 2026, é provável que 29 GW de nova capacidade nuclear entrem em operação no mundo e, já em 2025, a geração de energia nuclear mundial deve bater recorde.
Segurança
A expansão da energia nuclear levanta debates sobre segurança, prevenção de acidentes e adequação das normas. O mundo ainda não esqueceu os acidentes ocorridos nas usinas de Chernobyl e Fukushima, que resultaram em contaminação ambiental, mortes e exposição à radiação com consequências de longo prazo para a saúde humana e o meio ambiente. Assim, na última década a preocupação com a manutenção de altos padrões de segurança que impeçam acidentes nucleares aumentou expressivamente.
Apesar da grande repercussão dos acidentes de Chernobyl e Fukushima, quando comparamos as taxas de mortalidade causadas pela energia nuclear com outras fontes, vemos que é uma das mais seguras. O número de mortes causadas por acidentes nucleares é muito pequeno em comparação com os milhões que morrem todos os anos devido à poluição do ar causada por combustíveis fósseis.
Estudos comparativos conduzidos pela cientista de dados Hannah Ritchie estimam mortes diretas e indiretas ocasionadas pela produção de um terawatt-hora de energia (o suficiente para abastecer por 1 ano uma cidade de 150 mil habitantes). A taxa de mortalidade das usinas a carvão, as mais comuns do mundo, é de 24,6 mortes por terawatt-hora. No caso da energia nuclear, mesmo considerando mortes diretas e indiretas de Chernobyl e Fukushima, a taxa é de 0,03.
Ademais, cabe pontuar que os sistemas atuais de controle passaram por revisões e melhoramentos à vista dos acontecimentos citados, os avanços tecnológicos contribuíram para a instauração de inspeções mais rigorosas.
Riscos de proliferação
Outra preocupação global é a proliferação nuclear. A tecnologia nuclear também pode ser usada para desenvolver armas. Portanto, um controle rigoroso e eficaz é necessário para evitar a insegurança militar. O sistema de salvaguardas da AIEA e os controles de exportação multilaterais são fundamentais nesse cenário, uma vez que a introdução de novos tipos de reatores e combustíveis apresentará novos desafios.
O grande esforço global para exercer o uso pacífico da energia nuclear se dá através do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que entrou em vigor em 1970 e tem como objetivo impedir a disseminação de armas nucleares, promover a cooperação no uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos e promover o objetivo de alcançar o desarmamento. Até agora, 191 países-membros se comprometeram com o acordo, incluindo os cinco Estados que possuem armas nucleares, tornando o TNP o tratado multilateral de desarmamento com o maior número de adesões.
Entretanto, o progresso tem sido lento e limitado, com os Estados possuidores de armas nucleares frequentemente modernizando seus arsenais em vez de reduzi-los. Além disso, o artigo 10 do TNP permite que os países se retirem do tratado se considerarem que eventos extraordinários ameaçam seus interesses supremos. A Coreia do Norte usou esta cláusula para se retirar e desenvolver armas nucleares.
Assim, em março de 2024, o secretário-geral da ONU, António Guterres, ao participar de debate aberto à respeito da segurança nuclear, afirmou que os dias atuais representam o ponto em que as tensões geopolíticas e a desconfiança “aumentaram o risco de guerra nuclear ao seu ponto mais alto em décadas”
A busca por segurança energética não deve comprometer a segurança militar. No entanto, países que renunciaram às armas nucleares e cumpriram com os acordos de salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não devem ser privados dos benefícios da tecnologia nuclear.
E o Brasil?
A retomada do uso de energia nuclear nos últimos anos tem como pano de fundo a busca pela transição energética e a descarbonização das matrizes energéticas e os grandes avanços da energia nuclear em relação à segurança nas últimas décadas.
Também observamos um grande aumento na produção de energia nuclear por parte da China, que possui sua produção de energia majoritariamente apoiada no carvão e busca alternativas viáveis para atingir suas metas de descarbonização. Por outro lado, os Estados Unidos continuam com a primeira posição na produção de energia nuclear, mas o país não expandiu o setor nos últimos anos, tampouco possui projetos em andamento. A expectativa ainda assim é de um aumento na produção de energia nuclear, dado os compromissos feitos na COP 28. Mesmo com os grandes avanços tecnológicos contribuindo para um contexto de maior segurança na produção da energia, ainda é necessário enfrentar os desafios dos resíduos radioativos e superar uma forte desconfiança de um parcela da opinião pública em vários países.
No caso do Brasil, observamos um contexto diferente em relação às tendências atuais referentes à energia nuclear. Mesmo com a presença de projetos como a utilização de reatores de pequena escala (SMRs) na Amazônia e o estudo de viabilidade econômica para a retomada de Angra 3, não se observa uma grande mobilização a favor de expandir a produção de energia nuclear no país. No caso da Angra 3, mesmo com um alto custo para a finalização de mais de R$ 20 bilhões, o abandono no projeto pode ter um custo de R$ 14 bilhões, segundo afirmou o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo. Ele reforçou que parte do custo financiado será pago com o próprio funcionamento da usina nuclear, destacando que o tempo de funcionamento da usina é estipulado em quatro vezes, se comparado ao prazo de pagamento das dívidas.
No que diz respeito à segurança, nota-se a abertura das principais atividades do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON) em março de 2024. Pode-se ressaltar também a atuação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), agência reguladora responsável pela segurança nuclear no Brasil, que estabelece normas e regulamentos rígidos e minuciosos para a operação de instalações nucleares, incluindo usinas, laboratórios e centros de pesquisa. A CNEN também realiza inspeções regulares e avalia a conformidade com os padrões de segurança.
A energia nuclear, ao ser comparada com outras fontes, não possui grande competitividade econômica no nosso país. Mesmo com a presença de reservas de urânio com baixo custo de exploração (inferiores a 80 US$/kg) no território nacional, os custos de enriquecimento e de infraestrutura são consideráveis: R$ 22mil-R$29,4mil por kW de Capex (despesa com capital de investimento) contra 3,8mil-5,5mil para eólica em terra por kW e 6mil a 11mil para uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) por kW, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) referente a dados de 2021.
Porém, é necessário destacar o aumento da demanda energética no país nos próximos anos. A EPE – Empresa de Pesquisa Energética destacou um aumento de 2,4% no consumo de energia ao ano, entre 2022 e 2032, e um aumento ainda maior na demanda de energia elétrica – 3,4% ao ano, no mesmo período. Sendo assim, é necessário planejar o investimento na expansão de produção de energia limpa no momento atual, para assegurar a oferta de energia nos próximos anos, tendo em mente que são obras de longo prazo para sua conclusão.
Desta forma, as diferenças circunstanciais entre os territórios colocam outras opções mais viáveis economicamente para o Brasil explorar no momento atual, diferentemente de outros países, que retomam a pauta da energia nuclear dada a falta de alternativas viáveis. Mas também é necessário pensar na demanda crescente de energia e no investimento a longo prazo em fontes limpas e estáveis. Dado o aumento de segurança, a presença de reservas de urânio em território nacional e a capacidade de financiamento brasileiro, a energia nuclear não deve ser descartada como uma das alternativas. A finalização de Angra3 seria um primeiro passo e precisa entrar urgentemente no debate público. Sua anulação significaria uma opção pelo congelamento da participação nuclear (hoje menos de 2%) na linha da experiência alemã. A sua conclusão, de outro lado, significa manter a capacidade tecnológica atualizada sem necessariamente optar por uma ampliação massiva como a França ou a China.
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