Por: Debora Raymundo Melecchi
De acordo com o Observatório Segurança e Saúde no Trabalho (Smartlab) em 2024, foram registrados 3,5 milhões de pedidos de licença no INSS motivados por diversas doenças. Desses, 472 mil foram concedidos por problemas de saúde mental. No ano anterior (2023), esse número era de 283 mil, evidenciando um crescimento alarmante.
As normas regulamentadoras
As Normas Regulamentadoras, conhecidas no Brasil como NRs, regulamentam e fornecem orientações sobre procedimentos obrigatórios relacionados à segurança e saúde do trabalhador. Essas normas são citadas no Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Foram aprovadas pela Portaria N.° 3.214, no dia 8 de junho de 1978, são de observância obrigatória por todas as empresas brasileiras regidas pela CLT e são periodicamente revisadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social.
As Normas Regulamentadoras (NR) são extremamente importantes para garantir a segurança e saúde no ambiente de trabalho, prevenindo acidentes e doenças ocupacionais. Elas estabelecem obrigações, direitos e deveres para empregadores e trabalhadores, visando um ambiente laboral mais seguro e saudável. O cumprimento das NR é essencial para proteger a integridade física e mental dos funcionários, além de evitar prejuízos para a empresa.
O Decreto nº 7.602 de 7 de novembro de 2011 instituiu a PNSST com os objetivos a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho. Para ser implementada exige articulação contínua das ações de governo no campo das relações de trabalho, produção, consumo, ambiente e saúde, com a participação dos sindicatos.
Em 2012, foi publicada Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012, que estabeleceu a PNSTT, um marco importante para o campo da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, inclusive por contemplar no seu nome a questão de gênero e realçar a importância das mulheres em suas diretrizes, uma grande conquista política. Definindo os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observadas nos três níveis de gestão do SUS (federal, estadual e municipal) e estabelece as ações necessárias para a atenção integral à saúde do trabalhador e da trabalhadora, com ênfase na vigilância, na promoção e proteção à saúde e redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos (DIESAT, 2021).
São responsáveis pela implementação e execução da PNSST os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde e da Previdência Social, sem prejuízo da participação de outros órgãos e instituições que atuem na área. Muito pelo contrário, a articulação interministerial é estratégico para a articulação de políticas públicas de modo resultar ações concretas de transformação da realidade.
Para tanto é fundamental a articulação entre os ministérios do trabalho, da saúde e previdência social.
Já a Vigilância em Saúde é parte essencial do SUS, responsável por produzir informações e analisar a situação de saúde, a fim de orientar as ações que reduzam os riscos e promovam a saúde da população. Para isso, deve considerar os contextos econômicos, ambientais, políticos, sociais e biológicos que determinam o nível e a qualidade de vida da população, articulando diferentes saberes e práticas para compreender e intervir na realidade de vida da população, sempre considerando as particularidades dos territórios (DIESAT, 2021).
A PNVS é uma política (Resolução CNS nº 588/2018) aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, norteadora do planejamento das ações de vigilância em saúde nas três esferas de gestão do SUS, caracterizado pela definição das responsabilidades, princípios, diretrizes e estratégias dessa vigilância.
A pauta da saúde e segurança das trabalhadoras e dos trabalhadores como estratégica para o desenvolvimento do Estado e respeito às vidas dessas pessoas que produzem as riquezas do país. E a compreensão que defender a saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS) perpassa pelo cuidado e valorização da classe trabalhadora. Nesta perspectiva, compomos conselhos de saúde e respectivas comissões intersetoriais de saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores (CISTT). Dentre outras instâncias, como conselhos gestores dos CERESTs. Somada a outras representações como .Comissão Tripartite Paritária Permanente.
NR1
O texto da NR1 é resultado de amplo e longo debate no âmbito da Comissão Tripartite, que, desde 2015, se debruça sobre o tema. A última atualização da NR1 é uma conquista significativa, ao assegurar a inclusão dos riscos psicossociais na NR-1. Segundo ele, a medida reforça a proteção à saúde dos trabalhadores, previne interpretações equivocadas e práticas no mercado, além de garantir um período educativo para que as empresas possam se adequar.
A NR-1, que foi atualizada pela Portaria MTE nº 1.419/2024, traz uma nova perspectiva sobre a prevenção de riscos no trabalho, incluindo a identificação, avaliação e controle de riscos psicossociais como estresse ocupacional, assédio moral, burnout e sobrecarga de trabalho.
Um passo significativo foi dado, no sentido da melhoria normativa de prevenção, à medida que passará a ser exigida a elaboração de um PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) englobando todas as fontes com potencial de causar lesões ou agravos à saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores no ambiente laboral, expandindo-se além dos riscos químicos, físicos e biológicos, englobando também, riscos ergonômicos e de acidentes.
- NR 17:
A NR 17, que trata de ergonomia, complementa a NR 1, fornecendo orientações específicas sobre como identificar e controlar os riscos ergonômicos, além de estabelecer parâmetros para adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores.
Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) e Análise Ergonômica do Trabalho (AET): A NR 1 recomenda a realização da AEP e, em casos mais complexos, da AET, para identificar e avaliar os riscos ergonômicos no ambiente de trabalho.
Ou seja, atualização da NR-1, que passa a exigir a identificação e o gerenciamento dos riscos psicossociais no ambiente corporativo. No entanto, as empresas terão um período de transição de 12 meses antes de serem multadas.
Em suma, o objetivo é garantir que as organizações implementem práticas que protejam a saúde mental no trabalho, sem transformar o ambiente em um fator adoecedor
Entenda o que muda com a atualização da NR-1
Publicada originalmente em 1978, a NR-1 já passou por diversas atualizações. Em 2022, incorporou a necessidade de prevenir e combater o assédio sexual e outras formas de violência no trabalho. Agora, a partir de 2025, a norma exige também a gestão dos riscos psicossociais, por meio do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO).
A NR-01 exige que as empresas elaborem e mantenham documentos de gestão de riscos e programas de gerenciamento de riscos à disposição para fiscalização;
Esses documentos devem ser elaborados e estar disponíveis para a fiscalização quando solicitados, seja pela Inspeção do Trabalho, seja pela representação dos trabalhadores ou outros atores que atuam na fiscalização de segurança do trabalho.
Como aplicar a NR-1 e cuidar da saúde mental no trabalho
O primeiro passo é entender o que são riscos psicossociais no contexto profissional.
Segundo a organização Internacional do Trabalho (OIT) os fatores psicossociais no trabalho são: às interações entre ambiente de trabalho, conteúdo do trabalho, condições organizacionais, capacidades, necessidades e cultura do trabalhador, além de considerações pessoais extra-laborais que podem, por meio de percepção e experiência, influenciar a saúde, o desempenho e a satisfação no trabalho.
Conforme o Guia publicado pelo Ministério do Trabalho, eles incluem situações como:
Assédio de qualquer natureza;
Má gestão de mudanças organizacionais;
Baixa clareza sobre funções e responsabilidades;
Falta de suporte no ambiente de trabalho;
Ausência de autonomia;
Vivência de eventos violentos ou traumáticos;
Excesso ou falta de demandas de trabalho.
Passos das empresas
Passo 1: Identificação Risco
Passo 2: Análise de risco.
Passo 3: Avaliação do risco
Passo 4: Tratamento do Risco
Passo 5 – Implementar medidas de prevenção, de acordo com a classificação de risco e na ordem de prioridade.
Passo 6 – acompanhar o controle dos riscos ocupacionais.
Já foi publicado um manual com orientações técnicas detalhadas sobre os procedimentos e aspectos regulamentados. O objetivo é esclarecer eventuais dúvidas e coibir a atuação de profissionais que possam se aproveitar da desinformação.
O guia orienta que as intervenções se concentrem na modificação das condições organizacionais do trabalho. Todo o processo deve ser documentado de forma adequada no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) ou na AEP, conforme as exigências da NR-1, incluindo a caracterização dos processos, a identificação dos riscos, a avaliação dos perigos e a descrição das medidas preventivas adotadas. Vale ressaltar que o foco do guia é nos fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho, e não na avaliação da saúde mental individual dos trabalhadores.
Desafios:
- Implementação Eficaz:
A mera atualização da NR1 não garante a promoção da saúde mental. As empresas precisam investir em treinamentos, recursos e programas de apoio para que as mudanças sejam efetivas. - Os processos de negociação devem pautar a constituição de comissão entre os sindicatos para o monitoramento e ações em prol da saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores.
- Subjetividade dos Riscos Psicossociais:
A identificação e avaliação dos riscos psicossociais podem ser subjetivas, exigindo ferramentas e métodos adequados para garantir a precisão e a justiça nas medidas tomadas. - Impacto direto para a compreensão, desta identificação, pelo profissional que irá elaborar o PGR.
- Mudança Cultural:
A promoção da saúde mental no ambiente de trabalho exige uma mudança cultural nas empresas, com foco na valorização dos trabalhadores e na promoção de um ambiente de trabalho saudável e sustentável. - Desafios para Pequenas Empresas:
As pequenas e médias empresas podem enfrentar dificuldades na implementação da NR1 devido à falta de recursos e profissionais especializados.
Mas o panorama comprova a necessidade na implementação da atualização na NR 1 como medida para que as empresas, de fato, assumam sua responsabilidade na prevenção desses riscos, mas essencialmente por questão de justiça social, de ambientes de trabalho mais saudáveis e seguros; e de respeito aos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Precisamos aproveitar a realização da conferência que promove a participação das pessoas, e a simbologia do tema central: “Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano” o que significa colocar nas mãos de muitos o poder de decidir o seu futuro que remete, essencialmente, para o desenvolvimento soberano e sustentável do país.
Mais do que cumprir uma obrigação legal, a adoção dessas práticas é uma oportunidade de promover um ambiente mais acolhedor e saudável.