O governo do presidente Lula agiu com altivez ao determinar, no fim de semana, a retirada de algemas e correntes dos brasileiros que foram deportados pelos Estados Unidos. A decisão partiu do princípio de que era uma ofensa à soberania nacional e flagrante desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros que chegaram a Manaus em condições humilhantes e foram transportados, depois, para o aeroporto de Confins, em um avião da Força Aérea Brasileira, por determinação do presidente da República.
Os brasileiros sentiram na pele o preconceito do atual governo estadunidense. O segundo mandato do presidente Donald Trump, com sua agenda xenófaba e negacionista, vai provocar enormes problemas para toda a América Latina. Foram 78 revogações e ordens executivas assinadas por ele em seu primeiro dia de governo do segundo mandato, abrangendo retrocessos abissais nas políticas migratória, ambiental, de direitos humanos e civis, entre outras áreas.
Todo país tem direito a controlar as suas fronteiras, mas isso não significa violar convenções internacionais, inclusive impingindo o uso de algemas e corrente. Filho de uma mãe que migrou para os EUA, Trump resolveu que equiparar os imigrantes a bandidos e terroristas, elegendo-os como inimigos centrais do país.
Basta lembrar que os migrantes latino-americanos aportam no PIB dos EUA cerca de US$ 3,6 trilhões anualmente, segundo a diretora da Latino Donor Collaborative, Ana Teresa Ramires. Isso significa que esses migrantes, se estivessem num país isoladamente, estariam entre as cinco maiores economias do mundo, só atrás dos Estados Unidos (no total), da China, do Japão e da Alemanha.
A exceção de países governados pela extrema direita, como Argentina e o Equador é provável que a maioria dos países da América Latina passe a enfrentar uma turbulência nas relações com a Casa Branca de Trump e seu entorno têm uma visão preconceituosa dos latinos-americanos. Usou nossa região como mote de campanha, destacando a imigração ilegal, a criminalidade (associada por ele à imigração), o tráfico de drogas, o contrabando, a perda de empregos para cidadãos estadunidenses etc.
Ele esquece que os EUA são o maior mercado mundial de drogas e que 70% das armas que chegam às organizações criminosas do México são provenientes dos EUA. Preferiu fechar a fronteira com o México e voltar a investir na construção do famoso muro, além de ameaçar, tacitamente, invadir aquele país, ao qualificar grupos de narcotráfico como organizações terroristas.
A ordem internacional, já bastante tumultuada, pode sofrer uma turbulência de consequências imprevisíveis se Trump efetivar o que promete. A começar pelo impacto negativo na própria economia dos EUA, a maior do mundo. Especialistas preveem que o PIB norte-americano pode cair 80%, inclusive em decorrência da perda de mão de obra de milhões de imigrantes.
Os ataques aos constantes ao México e ao Canadá, incluindo ameaças de sobretaxação de impostos, são um exemplo da falta de racionalidade de Trump e sua entourage. As cadeias produtivas dos três países foram inextricavelmente interligadas nos últimos 30 anos por meio da criação do Nafta, que a partir de 2018 se tornou T-MEC.
Voltando aos imigrantes, é inadmissível que os EUA violem a convenção de refugiados, que obriga os governos a analisar os pedidos de refúgio e acolher os potenciais beneficiários até que o processo seja concluído. Os processos foram interrompidos por Trump. Acrescenta-se que tratamento degradante e desumano viola dispositivos de várias convenções mundiais sobre direitos humanos, inclusive a que existe no âmbito interamericano. Caberia levar a questão à Corte de San José. Os países latino-americanos têm se articulado para reagir à barbárie defendia por Trump.
E o governo brasileiro analisa as consequências da política trompista nas relações bilaterais e no âmbito latino-americano. Como disse a presidenta do México, Cláudia Sheinbaum, é preciso defender a soberania e a independência, mas ter calma e “cabeça fria”. O diálogo é o melhor caminho para aparar as diferenças entre as nações e pavimentar o caminho para um mundo de paz, justo e com respeito ao meio ambiente e aos direitos sociais e econômicos e de todos os povos. Sem bravatas, mas com racionalidade.
Reginaldo Lopes é deputado federal pelo PT-MG
Publicado no jornal O Tempo