
Por Ana Clara Velozo Duete*
O boneco Labubu, com seus dentes serrilhados, olhos grandes e corpo minúsculo, parece à primeira vista um erro de design. É justamente essa estranheza que o torna um fenômeno global, símbolo do que poderíamos chamar de “luxo bizarro”. O brinquedo inverte a lógica do ultra-realismo dos bebês reborn, transformando o grotesco em objeto de desejo.
Criado pelo artista Kasing Lung a partir dos livros infantis da série “The Monsters”, o Labubu virou febre global ao ser transformado em boneco colecionável pela empresa chinesa Pop Mart. Desde 2019, quando passou a ser vendido em blind boxes — caixas-surpresa que só revelam o conteúdo após abertas — o monstrinho de aparência “feia-fofa” conquistou espaço entre influenciadores digitais.
O mais curioso é como o Labubu desbancou os bebês reborn. A estética delicada e quase clínica dessas réplicas hiper-realistas deu lugar a criaturas deformadas, personalizáveis, vendidas como artigos de luxo.
O feio virou valioso
Enquanto os bebês reborn apostam na reprodução obsessiva de recém-nascidos, reforçando um apego emocional mercantilizado, o boneco celebra o absurdo como status. Vendido entre US$ 13,50 e US$ 28 nas lojas da Pop Mart, o monstrinho “feio-fofo” ganhou corpo no consumo acelerado: são mais de 300 versões, das pequenas e mais baratas a modelos gigantes que já alcançaram até US$ 170 mil num leilão em junho de 2025.
O frisson não se limita ao Brasil, embora aqui as vendas tenham subido 300 % em seis meses no AliExpress. No exterior, filas se formam para as edições limitadas.
Influenciadoras brasileiras como Virginia Fonseca têm destaque fundamental na popularização do brinquedo por meio das redes. Em abril, durante uma viagem à Ásia, ela publicou stories e fotos no Instagram segurando um exemplar do boneco, pendurado em sua bolsa enquanto circulava por Tóquio.
A atriz global Marina Ruy Barbosa apareceu recentemente com seu Labubu como adorno em bolsas durante viagem à China. Acompanhar esse uso “no dia a dia” dá ao boneco status de item de moda, não apenas de colecionador.
Além disso, no TikTok e no Instagram proliferam conteúdos de unboxing (gravar vídeos abrindo um produto novo) da influenciadora Blogueirinha, que compartilha versões originais e fakes (“Lafufu”), mostrando as diferenças entre os bonecos. “Mais uma vez sendo influenciada pela Virgínia com esses Labubu”, diz uma usuária do X em post fazendo um unboxing.
E mais uma vez sendo influenciada pela Virgínia com esses Labubu 😮💨🥹🤏🏻
Achei aqui… https://t.co/V1eumGcIvO pic.twitter.com/vFFkdDq4ml
— Drica ✨ (@Achadodadricabr) April 26, 2025
O mesmo fenômeno, novas roupagens
Esse culto ao estranho reflete o drama do consumismo contemporâneo: busca por pertencimento, excitação e identificação autorizada. Mas não é só no mundo dos brinquedos que isso acontece.
As roupas “destruídas” da grife Balenciaga reproduzem a mesma lógica. Peças com rasgos deliberados, puídos meticulosos e aspecto de segunda mão ostentam status, apesar de preços que chegam a milhares de reais.
Em 2022, a Balenciaga lançou o Paris Sneaker, um tênis com aparência desgastada e rasgada. O item era comercializado a R$ 10 mil.

Das blind boxes aos armários furados
Tanto o Labubu quanto a Balenciaga exploram a exclusividade construída, a narrativa estética do “anti”, o status de quem veste — ou exibe — o inesperado com naturalidade. Parece até revolucionário. O problema é que quem faz isso são grandes empresas, que cobram uma fortuna por suas mercadorias, tentando transmitir a ideia de que é bonito ser feio.
O blind box cria um jogo compulsivo: a chance de conseguir uma versão rara, a necessidade de reinvenção constante do acervo. Essa dinâmica movimenta bolhas especulativas; a Pop Mart chegou a valer mais que a mineradora Vale.
O caso Balenciaga segue o mesmo padrão: destruir peças cariadas é reafirmar um discurso de rebeldia, onde o “feio” e o “gastado” significam status — e o comprador está disposto a pagar caro por isso.
Bônus: armadilhas e efeitos colaterais
O sucesso alimenta réplicas precárias — os “Lafufu” — e sites fraudulentos para roubar dados financeiros. No Reino Unido, houve até brigas em lojas Pop Mart, o que levou à suspensão de vendas presenciais.
Na China, o governo já regula a venda de blind boxes para crianças menores de oito anos, e ações da Pop Mart já sofreram quedas de até 5 % após alertas sobre compulsão.
Mesmo com alguns resfriamentos e quedas no preço de revendas, o fenômeno segue firme. Continua se expandindo globalmente, construindo uma cultura que entende o feio e o “inacabado” como luxo e distinção.
*Ana Clara Velozo Duete é pesquisadora, formada em Biblioteconomia e Ciência da Informação, com atuação na área de inteligência de mercado