Nota sobre tarifas e o prejuízo de quem atira no pé

por Maria Luiza Falcão Silva

A partir de 1º de agosto de 2025, entrará em vigor nos Estados Unidos uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros como café, carne bovina, suco de laranja, frutas tropicais, aeronaves da Embraer dentre outros. A medida foi anunciada por Donald Trump em junho e é vista, nos meios diplomáticos e econômicos, como uma retaliação política disfarçada de ação comercial. O pretexto é a “falta de reciprocidade” e a “defesa da indústria americana”. Mas, ao analisarmos as bases econômicas dessa decisão, uma velha máxima da teoria do comércio internacional ressurge: às vezes, quem impõe tarifas sai mais prejudicado do que o país alvo.

Teoria econômica: o peso morto da tarifa

Desde os clássicos Adam Smith e David Ricardo, passando por Paul Krugman (Nobel de Economia) e Jagdish Bhagwati (economista indiano, conhecido pela sua defesa do livre comércio frente às críticas contra a globalização), a teoria econômica tem mostrado que tarifas comerciais reduzem o bem-estar do país que as impõe, exceto em casos muito específicos. Quando um país ergue barreiras à importação, ele encarece produtos para seus consumidores, reduz a variedade disponível, distorce os incentivos à inovação e protege ineficiências locais. O Estado até arrecada mais no curto prazo, mas o custo social, ou “peso morto” é maior do que o ganho fiscal.

Paul Krugman, sintetizou essa ideia dizendo que “o protecionismo é uma forma de impor sanções ao próprio país”. Já Joseph Stiglitz, também laureado com o Nobel, defende que “as tarifas são armas de curto alcance que frequentemente falham em proteger os empregos e agravam as desigualdades”.

A lógica de ganhos mútuos do comércio parte do princípio da vantagem comparativa: cada país se especializa no que faz melhor, todos saem ganhando. Quando se rompe essa lógica por razões políticas, o prejuízo tende a ser generalizado.

Tarifa ótima? Só na teoria e este não é o caso

Alguns teóricos como Harry Johnson e Robert Torrens já tentaram argumentar que países grandes podem usar tarifas para melhorar seus termos de troca: pagar menos por importações e receber mais por exportações. É a chamada “tarifa ótima”. Mas o caso atual não se encaixa nesse modelo. Primeiro, porque os EUA têm superávit comercial com o Brasil, ou seja, vendem mais do que compram. Segundo, porque os bens tarifados – café, suco de laranja, carne bovina – não têm substitutos locais em escala suficiente, o que encarecerá a vida do consumidor americano.

Como destacou o Financial Times em editorial publicado este mês, o tarifaço de Trump “parece mais um gesto de campanha do que uma estratégia comercial séria” e “vai gerar custos reais para as famílias americanas ao aumentar os preços do café da manhã” (FT, 25/07/2025).

Prejuízos bilaterais e riscos geopolíticos

O Atlantic Council, em análise publicada logo após o anúncio, foi direto: “Trump está ameaçando o Brasil com uma tarifa de 50%. Como Lula vai responder?” O think tank aponta que o ataque tarifário não visa equilibrar comércio, mas punir o governo Lula pelo julgamento de Bolsonaro e pelas novas regulações sobre plataformas digitais, vistas por Trump como censura aos aliados da extrema-direita internacional.

Na prática, os setores brasileiros de exportação agrícola e aeroespacial serão duramente afetados, especialmente no curto prazo. O impacto pode ser significativo sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Mas o efeito nos EUA também será sensível. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que “mais tarifas sobre o Brasil podem significar uma desaceleração mais acentuada da atividade nos EUA” (Reuters, 29/07/2025).

Além disso, há o risco de retaliação do Brasil ou, pior ainda, de alinhamento com novos blocos comerciais fora da órbita americana, como o BRICS+, Mercosul, Europa e a China, o que reduziria a influência de Washington na América do Sul.

Um jogo de perdas

Tarifas elevadas, quando aplicadas sem critério técnico, funcionam como boomerangs econômicos. A história mostra isso. O exemplo mais famoso foi a tarifa Smoot-Hawley de 1930, que levou à queda do comércio mundial e agravou a Grande Depressão. O atual tarifaço de Trump se inscreve na mesma lógica: é uma arma política que fere mais quem a empunha do que quem a recebe.

Trump talvez esteja mirando no Brasil, mas acerta também o consumidor americano, o agro dos dois países, a diplomacia hemisférica e a lógica básica da economia moderna. Em tempos de eleição, ele parece esquecer que até tarifas têm teoria e que quem atira no comércio global pode acabar atingindo o próprio bolso.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 30/07/2025