Nota pública da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE) ao Supremo Tribunal de Justiça, sobre a criminalização do aborto legal

Em pleno século XXI, com os avanços da ciência, dos direitos humanos e de uma ética centrada no cuidado, causa preocupação observar que setores do movimento espírita brasileiro têm se posicionado de forma a contrariar os fundamentos progressistas do pensamento de Allan Kardec.

A recente aproximação entre a Federação Espírita Brasileira (FEB) e a Associação Brasileira de Magistrados Espíritas (ABRAME), em torno de temas como a criminalização do aborto legal, revela uma visão de mundo alinhada a perspectivas religiosas reacionárias e moralistas, distantes da proposta kardequiana de respeito ao livre-arbítrio, à razão e à justiça como expressões da caridade.

Lamentamos que tais posições acabem por respaldar, ainda que indiretamente, uma visão que silencia a dor das vítimas de violência sexual e desconsidera a complexidade das situações vividas por tantas mulheres brasileiras.

Para o espiritismo, defender o Estado laico e o direito de escolha das mulheres não é apenas uma posição política legítima — é, sobretudo, um compromisso com a ética do cuidado, com a liberdade de consciência e com a caridade, que Kardec apresenta como a mais elevada das virtudes.

Nesse sentido, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE) manifesta sua solidariedade às mulheres brasileiras, especialmente àquelas que se sentiram desrespeitadas ou invisibilizadas por posicionamentos que não representam a totalidade do pensamento espírita no país.

Reafirmamos: a FEB e a ABRAME não falam em nome de todo o espiritismo brasileiro. Representam um segmento arcaico que está em desacordo com muitos princípios fundamentais do próprio espiritismo, como o progresso moral, a liberdade de consciência, o alinhamento com a ciência e o primado da razão.

A ABPE, junto a diversas outras entidades e coletivos, atua na construção de um movimento espírita comprometido com os valores democráticos, os direitos humanos e a justiça social — coerente com o legado precioso de Allan Kardec e atento aos desafios do nosso tempo.

Por isso, apelamos ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao considerar os debates públicos sobre temas sensíveis como a descriminalização do aborto legal, leve em conta a pluralidade existente dentro do espiritismo brasileiro, ouvindo também as vozes dos grupos progressistas que há décadas constroem, com ética e responsabilidade, um diálogo respeitoso entre espiritualidade, ciência e justiça social.

São Paulo, 27 de junho de 2025.

Em nome da ABPE, assinam:

Dora Incontri
Marcio Sales Saraiva
Mauricio Zanolini

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Last Update: 04/07/2025