Na última sexta-feira (13), o Estado artificial de “Israel” atacou a República Islâmica do Irã com apoio de todo o imperialismo de conjunto. Muitos foram os setores que se solidarizaram com o Irã, mas grande parte da esquerda pequeno-burguesa no Brasil resolveu se calar.
Uma outra parte, porém, apesar de se solidarizar na aparência, no fundo, manteve a posição do imperialismo em relação à nação persa. É o caso do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que publicou uma nota com o título Nota de solidariedade ao povo iraniano diante da nova escalada imperialista. A nota se inicia da seguinte forma:
“O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e a União da Juventude Comunista (UJC) manifestam sua firme solidariedade ao povo iraniano, em especial às e aos camaradas do Partido Tudeh do Irã e da Juventude Tudeh, diante da nova escalada de agressões por parte do regime sionista de Israel, com o apoio direto do imperialismo estadunidense. A ofensiva militar sionista, que resultou na morte de quadros iranianos e acirrou o risco de uma guerra aberta na região, representa mais um capítulo da barbárie promovida pela aliança imperialista-sionista, que ameaça a paz mundial e coloca em risco a vida e o futuro da juventude e da classe trabalhadora não apenas no Irã, mas em todo o mundo.”
Um leitor menos atento poderia interpretar o parágrafo acima como um simples posicionamento de apoio ao Irã. Porém, aqueles que leram com mais atenção conseguem perceber algumas colocações cuidadosas para que o apoio ao “povo” não fosse confundido com o apoio ao governo iraniano. A leitura do restante do documento, entretanto, não deixa dúvidas que é disso que se trata.
O parágrafo também menciona o partido Tudeh, um partido que se reivindica como comunista, mas que sequer tem atuação real no Irã hoje e que, diante da ofensiva israelense, clama pela paz e o cesse de hostilidades, como é possível ver nesta matéria.
Isso, diante de um inimigo que vem bombardeando diariamente vários países da região desde o dia sete de outubro de 2023, mas que causa terror em toda a população do Oriente Médio desde as primeiras décadas do século XX.
Ou seja, enquanto o PCBR se solidariza especialmente com um partido que não propõe enfrentar o regime sionista, ataca na mesma nota de “solidariedade” o governo iraniano, que não só está neste momento bombardeando “Israel”, para delírio de todos os povos do Oriente Médio e do mundo, como vem armando e organizando toda a resistência na região há décadas, vide a atuação do Hesbolá, das milícias iraquianas e do Ansar Alá no Iêmen.
Os argumentos, é claro, têm a ver com o identitarismo que o imperialismo impregnou em parte da esquerda brasileira, que acredita que o correto a se fazer é manter postura neutra diante do Irã pois o país, segundo a imprensa imperialista, seria hostil aos LGBT e às mulheres. Analisemos o restante da nota:
“O ataque à embaixada iraniana na Síria e os bombardeios sucessivos sobre estruturas e lideranças políticas e militares no Irã são parte de uma estratégia belicista que visa consolidar a dominação do bloco imperialista hegemonizado pelos Estados Unidos sobre o Oriente Médio, desestabilizando países e promovendo o caos como método de controle. Essa escalada não é isolada: insere-se em uma conjuntura de agravamento da crise do capitalismo, que, em seu estágio imperialista atual, recorre cada vez mais à guerra, à repressão e ao autoritarismo como ferramentas para manter sua hegemonia global em declínio.”
É interessante notar como o PCBR não faz ideia do que está acontecendo no Oriente Médio e no mundo. Segundo o parágrafo acima, os ataques ao Irã visam consolidar o controle do imperialismo na região. No entanto, a crise se dá porque o que o Hamas e o restante da resistência palestina fizeram no dia sete de outubro iniciou uma revolução que desestabilizou completamente o imperialismo, colocando em xeque o domínio sobre o Oriente Médio.
Ou seja, não há nenhuma luta pela consolidação do poder do imperialismo, mas uma tentativa desesperada de impedir que “Israel” caia diante de uma revolução, o que colocaria abaixo praticamente todos os governos da região e abriria uma crise ainda maior em todo o planeta. Na sequência, o texto entra naquilo que o partido realmente quer dizer com a nota:
“Mas é preciso ser claro: os principais atingidos por essa política de guerra não são os governos, mas os povos. São os trabalhadores iranianos, as mulheres, os jovens, os aposentados — já profundamente explorados por um regime autocrático e capitalista — que arcam com o custo da guerra e da instabilidade. A escalada militar, combinada à brutal repressão interna e à desigualdade social extrema, aprofunda o sofrimento do povo iraniano e evidencia que nenhuma libertação popular virá por meio de regimes que exploram sua própria classe trabalhadora enquanto usam o discurso ‘anti-imperialista’ como verniz de legitimação.”
O problema, portanto, seria que, além do imperialismo, o governo do Irã e outros governos da região – os governos que são aliados de “Israel” nunca são citados nominalmente – atacam e oprimem suas populações internas, o que é pura propaganda israelense.
Se cabe um conselho aos militantes e simpatizantes do PCBR é que parem de assistir à Globo News. Ao contrário do que é dito na imprensa imperialista, o Irã forma em suas universidades muitas mulheres, muito mais do que o Brasil em termos percentuais, inclusive com ênfase em profissões tidas por aqui como masculinas, como é o caso da engenharia.
Além disso, após os ataques, vários vídeos circularam pela internet mostrando a vida em Teerã, com muitos deles fazendo cair por terra a calúnia de que as mulheres são obrigadas a usar véu nas ruas. Em outro vídeo que se tornou famoso, enquanto “Israel” bombardeava os prédios de rádio e televisão no Irã, uma jornalista que apresentava um telejornal estava no ar, mostrando que a propaganda de que as mulheres não podem frequentar os mesmos ambientes que os homens é completamente falsa.
“Reafirmamos nosso compromisso com uma concepção consequente de anti-imperialismo, que não se confunde com retórica estatal nem com apoio acrítico a governos autoritários e burgueses. O verdadeiro anti-imperialismo é inseparável da luta pelo socialismo, pela liberdade, pela autodeterminação dos povos e pela emancipação da classe trabalhadora. Nesse sentido, nos solidarizamos com os esforços das forças progressistas e comunistas do Irã — como o Tudeh e sua Juventude — que, mesmo sob duríssima repressão, organizam a resistência popular e lutam por uma alternativa democrática, laica, socialista e enraizada nas demandas reais do povo iraniano.”
A concepção de anti-imperialismo do PCBR também é falsa. Quem é contra o imperialismo apoia todos os que se insurgem contra o imperialismo, independente de ser um governo, um partido, um grupo ou um indivíduo.
A terceira internacional, antes da morte de Lênin, por exemplo, propunha que os partidos comunistas apoiassem todos os que se insurgissem contra o imperialismo, inclusive apoiando os governos burgueses dos países atrasados.
No entanto, por conta de um purismo infantil, o PCBR ataca o governo do Irã com as mentiras contadas pelo imperialismo, se colocando em uma posição que diverge de toda a tradição marxista.
“A luta contra a guerra é uma tarefa internacionalista. Ela exige que nos posicionemos de forma ativa contra toda e qualquer agressão imperialista — seja promovida por Washington, Tel Aviv ou qualquer outro centro de dominação —, ao mesmo tempo em que denunciamos os regimes que instrumentalizam essa oposição para manter a exploração, a miséria e o autoritarismo em seus próprios países.”
A posição no parágrafo acima serve somente para atacar o governo do Irã. É como se a classe operária iraniana estivesse a ponto de tomar o Estado, não que o que está acontecendo é que a classe que controla o Estado hoje está entrando em guerra com o próprio imperialismo.
A posição é também interessante se lembrarmos que foi a mesma de Jones Manoel quando o imperialismo deu um golpe de Estado no Brasil em 2016, em que o líder do PCBR se negou a defender o governo de Dilma por motivos semelhantes aos que impedem seu partido hoje de defender o governo iraniano.
Também é interessante a ideia de que o Irã instrumentaliza a oposição para manter a exploração. Por que, então, o Irã arma a guerrilha no Iraque? Por que o Irã armou e treinou o Hesbolá e o Ansar Alá? O que quer o Irã é instrumentalizar a luta para poder dominar a população de todo o Oriente Médio? Ainda assim, mesmo que fosse essa a intenção, não seria melhor do que a presença do imperialismo e a existência de “Israel”?
Com esse parágrafo se encerraram as críticas ao Irã e, no próximo, há um pouco de crítica a “Israel”. Repare o leitor que a nota ataca muito mais o governo iraniano do que os israelenses.
“Ademais, esse episódio escancara, mais uma vez, o tipo de Estado com o qual o Brasil mantém relações diplomáticas, militares e comerciais. Um Estado que assassina civis, ataca a ajuda humanitária e comete crimes de guerra sistemáticos. Por isso, é urgente que o governo brasileiro rompa imediatamente todas as relações com Israel — políticas, econômicas e militares. Não basta discurso: é hora de ações concretas em solidariedade ao povo palestino e também ao povo iraniano. Seguiremos pressionando e mobilizando para que esse rompimento se torne realidade.”
A colocação se torna completamente confusa. Não é o Estado brasileiro um Estado controlado pelos capitalistas? Aqui no Brasil, a polícia não mata a própria população? Se é assim, por que o PCBR propõe que o governo brasileiro rompa relações com “Israel”, mas se nega a defender o governo iraniano vença o conflito com o mesmo Estado de “Israel”? Qual seria a diferença substancial que permitiria o apoio ao Brasil em caso de rompimento de relações, mas que impediria o apoio ao Irã no caso em que o governo, de armas na mão, enfrenta os sionistas?
“Chamamos todos os setores anti-imperialistas, comunistas e progressistas do Brasil e do mundo a cercar de solidariedade internacionalista a luta do povo iraniano, a defender a paz e a autodeterminação dos povos, e a fortalecer a luta unificada contra o imperialismo e o capitalismo em crise. A construção de uma nova ordem internacional, baseada na soberania dos povos, na justiça social e na emancipação da classe trabalhadora, só será possível com organização, unidade e luta internacionalista.”
A mesma pergunta de antes. Para que chamar todas as forças, se nem todas as forças são comunistas? Não seria estranho chamar todas as forças à luta, pois, em alguns casos, o que pode acontecer é que alguma dessas forças seja apenas um grupo que deseja instrumentalizar a luta em benefício próprio.
O PCBR até agora não apoiou o Hamas e a resistência armada palestina. Não o fez porque, assim como se nega a ficar ao lado da República Islâmica do Irã, que é fruto de uma revolução real, contra o imperialismo, também se negaria a pegar em armas para defender os interesses do operariado no Brasil se fosse preciso. Notas de solidariedade com quem não luta, com quem sequer está no Irã para defender seu povo do imperialismo é fácil.