Nota de Repúdio: Contra o apagamento judicial e o despejo do Quilombo Rio Preto
“Florescemos em meio às terras arenosas do Cerrado.
Descobrimos nos animais as experiências das histórias
contadas e as certezas de estratégias montadas”
(SILVA, Claudiana Matos da, apud MUMBUCA,
Ana Claudia Matos da Silva, 2019, p. 92)
O Movimento Negro Tocantinense, as Comunidades Quilombolas e as Organizações de Defesa dos Direitos Humanos e Socioambientais vêm a público manifestar seu mais profundo REPÚDIO à sentença proferida em 15 de dezembro de 2025 pela Juíza Federal Carolynne Souza de Macedo Oliveira, titular da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Tocantins. A decisão, tomada no âmbito do Processo nº 1013274-44.2023.4.01.4300, decreta a reintegração de posse do Lote 173 em favor da empresa LAGOA DOURADA PARTICIPACOES E SERVICOS SC LTDA, empresa que atenta violentamente contra as famílias quilombolas, ordenando o despejo de famílias que compõem o Quilombo Rio Preto, uma comunidade tradicional quilombola com mais de cem anos de existência.
1. A invisibilização da Territorialidade Quilombola
Sob o aspecto técnico, a sentença apresenta graves equívocos que ferem o ordenamento jurídico brasileiro e os tratados internacionais. Ao condicionar a proteção do território à conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) pelo INCRA, o Juízo converte um direito fundamental originário em mera expectativa administrativa. O Supremo Tribunal Federal (ADI 3.239) já consolidou que o direito territorial quilombola é autoaplicável e o Estado apenas o reconhece, não o cria. A decisão ignora que a posse quilombola é coletiva e ancestral. Ao desconsiderar a certidão da Fundação Cultural Palmares, a sentença aplica uma lógica civilista inadequada para conflitos que envolvem comunidades quilombolas.
A magistrada em sua sentença cheia de contradições, indeferiu pedido de provas, não chamou nenhuma audiência, ficou por dois anos sem despachar nenhuma decisão, mesmo com as várias informações de graves violências no território, e ainda profere o indeferimento da perícia antropológica e da inspeção judicial in loco que impediu a reconstrução fiel da realidade histórica e social da comunidade que vive no território há mais de cem anos, com direito a titulação assegurado na Constituição Federal, todavia, a decisão priorizou uma análise meramente documental e favorável ao título de propriedade recente do autor.
2. O silenciamento diante da violência e dos atentados
Politicamente, esta decisão é um prêmio à violência e um combustível para o agravamento de conflitos agrários e contra as comunidades quilombolas. Dados sistematizados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), em parceria com a organização Terra de Direitos, indicam que a violência letal contra quilombolas permanece em patamares alarmantes, com ao menos trinta e dois assassinatos registrados entre os anos de 2018 e 2022, número que representa praticamente o dobro da média anual, verificada na década anterior. Grande parte dessas mortes ocorreu em situações diretamente relacionadas a conflitos fundiários, disputas territoriais e à atuação de agentes privados ou grupos armados em áreas marcadas pela ausência de proteção estatal efetiva, recaindo, de forma recorrente, sobre lideranças comunitárias e pessoas envolvidas na defesa do território tradicional.
A sentença ignora que a comunidade já é alvo de atentados, incluindo incêndios criminosos em residências, fechamento da Escola e da Casa de Farinha da comunidade, com intervenção de fazendeiros junto ao erário municipal e ameaças graves noticiadas nos autos pelo MPF e pela Fundação Cultural Palmares. Despejar a comunidade, neste contexto, é expor lideranças e famílias a um risco iminente de morte.
3. Racismo ambiental e seletividade jurídica
Proferir tal ordem a apenas cinco dias do recesso forense, estabelecendo um prazo de 45 dias para a desocupação após intimação, asfixia o direito de defesa e ignora a impossibilidade de reassentamento digno de famílias que possuem raízes seculares na terra.
A fragmentação artificial do território (separando os lotes 172 e 173) privilegia a acumulação de terras por empresas/latifúndios em detrimento da sobrevivência física e cultural da comunidade quilombola e desconsidera o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, que reconhece o direito à propriedade definitiva e coletiva das terras ocupadas por Comunidades Quilombolas.
4. Nossa luta é por vida e território
O Movimento Negro Tocantinense, as frentes de Direitos Humanos, Socioambientais e as Organizações Quilombolas não aceitarão passivamente essa agressão que barbariza os direitos dos povos tradicionais. O RACISMO ESTRUTURAL não passará em pune e será denúnciado, pois o sistema de justiça precisa fazer justiça e não ser promotora da injustiça contra o povo negro.
Não aceitaremos passivamente que a caneta do Judiciário tente apagar um século de resistência, suor e sangue! O que está em jogo não é apenas um título de posse; é o direito à existência.
O território quilombola Rio Preto existe antes do próprio estado do Tocantins, berço da ancestralidade negra e o escudo que protege a vida, a cultura e soberania alimentar de várias famílias contra a ganância do agronegócio e a omissão estatal.
Basta de morosidade institucional! O tempo da justiça para o Estado não é o tempo da fome de quem luta. A terra é quilombola por direito, por história e por destino.
Exigimos a suspensão imediata dos efeitos desta sentença e a celeridade do INCRA na conclusão do processo de titulação do território do Quilombo Rio Preto.
Pela vida, pela ancestralidade e pelo território: Nenhum passo atrás! Justiça para o Rio Preto! Território Quilombola é Direito Constitucional!
Palmas – TO, 17 de dezembro de 2025.
ASSINAM ESTA NOTA:
- COLETIVO ENEGRECER TOCANTINS
- COLETIVO FEMINISTA DE MULHERES NEGRAS DO TOCANTINS, AJUNTA PRETA
- COORDENAÇÃO ESTADUAL DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO TOCANTINS- COEQTO
- IERÊ – Núcleo de Igualdade Étnico-Racial e Educação da UFT
- GRUPO DE CONSCIÊNCIA NEGRA DO TOCANTINS- GRUCONTO
- INSTITUTO ART’ AFRO E DIREITOS HUMANOS DE MIRACEMA
- Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
- Paróquia Anglicana do Bom Pastor – Salvador -Bahia
- Coletivo de Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade – MUPPS
- DIVERSIFICA: inclusão e diversidade – grupo de ensino, pesquisa e extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
- Marcha Mundial das Mulheres- Núcleo Lélia Gonzalez
- Batalha das Mil / Cerrado Rap
- MOVIMENTO KIZOMBA
- Coletivo Julho das Pretas Karen Luz
- Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CEPIR/ TO
- Movimento Negro Unificado – MNU TO
- Articulação Tocantinense de Agroecologia – ATA
- Alternativas Para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO
- Comissão Pastoral da Terra – Regional Araguaia Tocantins
- Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática
- Universidade Federal do Tocantins (UFT)
- ADINKRA- Grupo de Estudos de Mulheres Negras
- Movimento de direitos humanos do Tocantins MEDH – TO
- Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Palmas – COMPIR
- Núcleo de Pesquisa e Extensão em Saberes e Práticas Agroecológica
- SINTET- Regional de Palmas
- Brcidades núcleo Tocantins
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