POSICIONAMENTO ABRASCO

Nota de posicionamento sobre a Lei de Alienação Parental e suas repercussões na Saúde Coletiva

Por Abrasco

A Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/ 2010) tem impactos significativos em dinâmicas sociais, com repercussões na Saúde Coletiva.

Em quase 15 anos de vigência, restou demonstrado que a legislação não alcançou seu objetivo declarado de proteger as crianças em situações de conflito familiar, tendo se consolidado como um obstáculo à ruptura do ciclo de violência e ao acesso a direitos.

Longe de representar um “mau uso” da lei, a defesa de acusados de abuso físico e sexual está no cerne do conceito de Alienação Parental, que carece de embasamento técnico-científico, direcionando o olhar dos profissionais de Saúde para minimizar relatos de violência física e sexual contra crianças.

É importante contextualizar a gênese do conceito “alienação parental”, cunhado pelo psiquiatra Richard Gardner em obras auto publicadas, sem revisão por pares, que naturalizavam o contato sexual entre crianças e adultos e desqualificavam mulheres mães como “histéricas” ao denunciar abusos.

A Lei 12.318/ 2010 foi introduzida no Brasil em resposta à Lei Maria da Penha, sob forte comoção liderada por grupos de pais separados, sem discussão com conselhos profissionais de Saúde, a rede de proteção à infância e aos direitos fundamentais.

A urgência da revogação é consenso entre as entidades de Saúde, incluindo os conselhos de fiscalização do exercício profissional. Tentativa de reformar a lei não apenas falhou em mitigar seu impacto no sistema de proteção à infância e às vítimas de violência doméstica, mas também ampliou os conflitos judiciais, como já alertava o Conselho Nacional de Saúde na Recomendação CNS 3/2022.

A Lei da Alienação Parental dificulta o diálogo e a superação de conflitos, tendo levado a uma escalada de disputas judiciais, mesmo nos casos em que não há suspeita de violência, sobrecarregando psicólogos e assistentes sociais peritos das Varas de Família.

A tentativa de contornar a multiplicação de conflitos com perícias ad hoc, custeada pelas partes, drena recursos emocionais e financeiros da unidade familiar e aumenta as inequidades no acesso ao judiciário.

Audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal em 5 de maio de 2025 reiterou o amplo consenso das entidades da área de Saúde e de Direitos Fundamentais quanto à urgência de sua revogação, por seus efeitos deletérios, incluindo violação dos direitos das crianças e seu reconhecido viés de gênero.

As próprias manifestações em defesa da Lei da Alienação Parental citaram reiteradamente “excessos” da Lei Maria da Penha. Esse lobby masculinista, que tem entre seus porta-vozes condenados por violência doméstica, tem resultado em ameaças que levaram, inclusive, à inclusão de Maria de Penha no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Ceará.

Aspectos jurídicos: por quais razões a Lei da Alienação Parental é incompatível com compromissos assumidos pelo Brasil

Considerando que a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelece que “[a] saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”, os efeitos da Lei da Alienação Parental sobre o exercício deste direito;

Considerando que o art. 226, §5º da CF de 1988, prevê que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher e o §8º, que dispõe que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações;

Considerando que o art. 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que elevaram crianças e adolescentes à condição de sujeitos de direitos especiais e autônomos, com a finalidade de garantir o melhor interesse, a proteção integral e a absoluta prioridade;

Considerando a Lei 14.344/2022, que reforça a proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar;

Considerando o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, que reconhece o viés da legislação e seu uso para promoção de violência de gênero;

Considerando o Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, que promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança;

Considerando o Decreto nº 1.973, de 01 de agosto de 1996, que promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará);

Considerando o Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, que promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW);

Considerando a Recomendação 3/2022 do Conselho Nacional de Saúde, de rejeição ao PL nº 7.352/2017, bem como a adoção de medidas de proibição do uso de termos sem reconhecimento científico, como síndrome de alienação parental, entre outros;

Considerando a nota técnica 4/2022 do Conselho Federal de Psicologia, sobre os impactos da Lei nº 12.318 na atuação das psicólogas e dos psicólogos;

Considerando nota técnica do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) “O Trabalho de Assistentes Sociais e a Lei de Alienação Parental (12.318)”, que recomenda recomendada “a não utilização do termo ‘alienação parental’, nem utilizar de seus argumentos pseudocientíficos”;

A Abrasco recomenda a revogação imediata da Lei de Alienação Parental, com reconhecimento de sua inadequação à realidade social, ao conjunto do arcabouço legal brasileiro e o acúmulo do debate expresso nas diversas notas e posições de importantes entidades nacionais de saúde, direitos humanos, assistência social e outras.

Rio de Janeiro,16 de maio de 2025

Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco

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Last Update: 17/05/2025