“Nós Ainda Estamos Aqui: O Carnaval da Resistência”

por Rute Bevilaqua

Às vésperas do Carnaval de 2025, o samba “Nós ainda estamos aqui” ecoa como um grito de resistência. A canção, lançada em meio a um relatório da Polícia Federal que aponta o ex-presidente Bolsonaro como mentor de um plano de golpe de Estado, nos transporta para o Carnaval de 2020, o último antes da pandemia.

Naquele ano, enquanto as escolas de samba desfilavam, jamais imaginaríamos a Quarta-Feira de Cinzas prolongada que se aproximava, com a chegada da Covid-19. O Carnaval de 2021 foi cancelado, e o de 2022 ocorreu de forma atípica em São Paulo, sob a incerteza de sua realização.

A poucos meses do Carnaval de 2022, pairava a dúvida se a festa aconteceria. A possibilidade de um novo cancelamento, como em 2021, ou algo ainda pior, era real. Seria uma grande perda, pois o Carnaval é a celebração da democracia e da liberdade de expressão.

Recordo que o presidente da Liesa, na época, chegou a cogitar censurar escolas de samba e convidar Bolsonaro para desfilar na Sapucaí. Enquanto isso, o país contabilizava 650 mil mortes por Covid-19, e a CPI investigava os crimes do governo contra a vida.

A tragédia só não foi maior graças ao milagre da vacina, que, mesmo tardiamente, chegou ao Brasil. Enquanto isso, Bolsonaro seguia em campanha pela reeleição, tentando desacreditar a CPI e acumulando crimes de responsabilidade e discursos golpistas. Eram tempos de desespero e desilusão.

Escândalos de corrupção, a liquidação da soberania do Brasil em privatizações, a destruição de direitos humanos e trabalhistas, a juventude que sonhava em deixar o país, a inflação em alta, a violência policial, a fome, a falta de absorventes para meninas e mulheres, vírus mutantes e vítimas indefesas: eram muitas as mazelas que nos assombravam.

Hoje, vemos as dificuldades de Lula para governar e cumprir suas promessas, diante da herança maldita deixada por Bolsonaro, que, antes de ser eleito, declarou que “não estava vindo para construir, e sim para destruir”.

Mas para não falar apenas de desgraças, o Carnaval de 2020, que ecoa em “Nós ainda estamos aqui”, nos permite ter esperança na mudança desse cenário de trevas que assola o Brasil desde o impeachment de Dilma em 2016.

O Carnaval de 2020 foi uma das mais belas manifestações pela liberdade no mundo. Ficou claro que a união entre o governo autoritário de Bolsonaro e o povo que o elegeu não estava dando certo. Após a aparente aceitação das medidas contra os pobres, a voz das ruas se fez ouvir.

As multidões que tomaram as ruas do país expressaram a importância da liberdade e defenderam sua resistência. Dançando e cantando, apresentaram suas demandas, que esbarravam na necessidade de liberdade para serem atendidas. A palavra liberdade, explícita ou implicitamente, ecoava em seus sambas.

A Águia de Ouro, de São Paulo, cantou sobre a importância de “recriar a vida, desafiar e surpreender”, algo que só é possível com liberdade. Seu samba “Vou desenhando o meu destino, o futuro começou; meu coração faz o sonho acontecer” mostrou que a esperança ainda existia.

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Os sambas de 2020, realistas, denunciavam a retirada de direitos dos trabalhadores, a crise na saúde e na educação, a perseguição religiosa, a violência da desigualdade, o racismo, o preconceito, a exploração dos indígenas e quilombolas.

As letras abordavam o crescimento caótico das cidades, a corrupção generalizada e homenageavam as mulheres lutadoras e feministas. A Unidos do Viradouro, por exemplo, contou a história das “primeiras feministas brasileiras”, mulheres negras que ensinaram a “lutar como uma mulher pela liberdade”.

Os enredos falavam sobre o aprendizado com a vida e o desejo de não repetir erros. Abordavam a importância da informação para a liberdade de escolha, exaltavam heróis populares e exigiam respeito. A Portela, no Rio de Janeiro, chegou a alertar que “Índio pede paz, mas é de guerra: nossa aldeia é sem partido ou facção, não tem bispo, nem se curva a capitão”.

Os sambas de 2020 traziam questões importantes que, se tivessem sido ouvidas, teriam evitado muito sofrimento. A São Clemente, por exemplo, já mostrava a importância de mudar de ideia ao se descobrir enganado: “o país inteiro caiu na Fake News, compartilhou, viralizou e nem viu”.

Agora, precisamos enfrentar as sequelas da pandemia e da política que teima em persistir. As mutações da Covid-19 são um desafio para a ciência, enquanto os “Bolsonaros” do mundo continuam a sabotar as vacinas. No Brasil, o desafio é lidar com a herança do golpe de 2016.

O Brasil é o país com o maior número de reclamações trabalhistas no mundo. O povo ainda não se conformou com a destruição de seus direitos.

Agradeço ao pessoal de “Nós ainda estamos aqui” por me lembrar que eu também quero estar aqui com eles.

Para quem não ouviu o samba-enredo, confira aqui:

Rute Bevilaqua, Física pela USP e aposentada pelo INPE

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Last Update: 19/02/2025