Nas duas primeiras décadas do século 21, o Nordeste viveu transformações silenciosas, mas consistentes. O estudo de Abimael Francisco de Souza, do Instituto de Economia da Unicamp, mostra que a região expandiu sua rede de parceiros comerciais, aumentou o volume exportado e fortaleceu seus próprios mercados internos — um movimento que, embora gradual, abre espaço para uma nova fase de dinamização econômica.
Entre 2000 e 2019, o número de países para os quais o Nordeste exportou saltou de 130 para 191, e a China ultrapassou os Estados Unidos como principal destino. No mercado doméstico, a mudança é ainda mais reveladora: a dependência do Sudeste caiu, e as relações intrarregionais vêm crescendo de forma contínua.
Comércio intrarregional cresce e fortalece cadeias internas
A pesquisa mostra que o Nordeste passou a comprar menos do Sudeste e mais de si próprio. As vendas internas subiram de 43,5% para 44,4%, enquanto o peso do Sudeste nas compras caiu de 66,5% para 42,4%.
Trata-se de um movimento de reintegração regional, no qual novas cadeias produtivas — agrícolas, industriais e de serviços — começam a se consolidar dentro do próprio Nordeste, reduzindo gargalos históricos e aumentando a circulação de riqueza entre os estados.
Segundo Souza, esse processo não elimina as desigualdades estruturais, mas indica uma mudança de trajetória, ampliando a capacidade da região de gerar mercados internos e estimular investimentos.

Avanços agrícolas e industriais ampliam competitividade
Fenômenos como o Matopiba e a fruticultura irrigada do Vale do São Francisco consolidaram o Nordeste como exportador competitivo de grãos, frutas e fibras. No campo industrial, polos como Camaçari (BA), Suape (PE) e o polo de confecções do Agreste ampliaram encadeamentos produtivos e infraestrutura logística, gerando empregos e ampliando a base exportadora regional.
Essas iniciativas mostram que, apesar de ainda concentrada em produtos primários, a região já possui ilhas de diversificação capazes de sustentar um salto produtivo caso políticas industriais integradas sejam adotadas.
Crescimento sem transformação ainda é desafio
A pesquisa aponta, porém, que a ampliação dos mercados não veio acompanhada de uma mudança estrutural na pauta exportadora. Apenas 35% dos produtos apresentam vantagem comparativa, e o valor unitário segue inferior ao das exportações brasileiras e globais.
Ainda assim, Souza argumenta que existe hoje uma janela de oportunidade histórica, impulsionada pela nova Política Industrial, pelo PRDNE (Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste) e pela PNDR (Política Nacional de Desenvolvimento Regional), para transformar ganhos comerciais em transformação produtiva duradoura.
Políticas regionais articuladas podem acelerar virada histórica
Para avançar, o pesquisador defende políticas capazes de:
- Agregar valor à produção regional;
- Integrar grandes e pequenas empresas;
- Ampliar inovação e tecnologia local;
- Condicionar incentivos ao uso de insumos regionais;
- Fortalecer cadeias produtivas estratégicas.
Exemplos existentes provam que o caminho é viável. O Vale do São Francisco exporta mangas e uvas com certificação internacional e logística integrada; a Bahia atrai investimentos em energias renováveis e veículos elétricos; e Pernambuco fortalece sua base industrial por meio de Suape.
Para Souza, o Nordeste já possui os elementos-chave: mercado interno crescente, maior articulação regional e experiência bem-sucedida em setores dinâmicos. O próximo passo é transformar esses avanços em uma mudança estrutural duradoura, capaz de reduzir desigualdades históricas e consolidar um novo ciclo de desenvolvimento para a região.