Ao que parece, a política praticada por alguns parlamentares no Congresso Nacional assemelha-se ao comportamento de homens do período Paleolítico, época das cavernas. As violentas cenas protagonizadas pelos senadores Marcos Rogério (PL-RO), Omar Aziz (PSD-AM), e Plínio Valério (PSDB-AM) contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na manhã de ontem (27), durante audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, ficaram marcadas na história como um dos atos – senão o mais – grotesco da violência política de gênero e raça cometida contra uma mulher negra naquela Casa. Vale relembrar que o senador Valério, há dois meses, havia dito que sentia vontade de “enforcar” a ministra.
Tanto senadores quanto deputados ultraconservadores estão cada vez mais confortáveis para desrespeitar, agredir, ofender e minorizar suas pares que ocupam cargos eletivos, assim como eles. O fato de existir a lei 14.192/21, que criminaliza e tipifica a violência política de gênero e raça, parece não constrangê-los a ponto de impedir que exerçam atrocidades contra uma mulher. A misoginia segue solta nos corredores do Congresso Nacional.
Se cometem um crime contra uma ministra, no exercício de seu trabalho durante uma comissão no Senado, imagina o que uma vereadora não enfrenta nos rincões do país? Semanalmente, mulheres denunciam que foram vítimas de ataques violentos enquanto exercem seus mandatos. Tais episódios escancaram o quanto ainda enfrentamos uma cultura patriarcal que tenta, sistematicamente, deslegitimar, desqualificar e silenciar mulheres nos espaços de poder.
A quem interessa a sub-representação política das mulheres nos espaços de poder? Por que dificultar o acesso e a permanência das mulheres na política? Essas são perguntas que todas se fazem diariamente. O método da extrema direita está cada vez mais evidente. Ofender e humilhar as mulheres para que elas desistam de ocupar a política.
Recentemente, a ONU Mulheres revelou que o Brasil ocupa a 133ª posição no ranking global de representação parlamentar de mulheres. “Apenas 18,1% da Câmara dos Deputados é composta por mulheres, ou seja, 93 parlamentares. No Senado, elas são 19,8%, somando apenas 16 mulheres. Esses números colocam o país entre os piores desempenhos globais nesse quesito”, diz a organização.
Metodologia da violência política de gênero e raça
O grito, o silenciamento forçado, a exposição, a chacota são métodos e estratégias para constranger e intimidar vereadoras, deputadas estaduais, senadoras e, agora, ministras. Por exemplo, ontem ficou evidente que, ao desligar o microfone da ministra, o senador Marcos Rogério buscava silenciá-la, e desta forma, para ser ouvida, ela precisava falar mais alto, passando a impressão de estar descontrolada.
Além disso, Marina foi vítima de manterrupting, que consiste na ação de um homem interromper a fala de uma mulher de forma repetida. As interrupções frequentes de sua fala demonstraram uma nítida e constante agressão contra uma das maiores autoridades na defesa do meio ambiente.
Para a secretária nacional de mulheres do PT, Anne Moura, a cada episódio de violência política de gênero fica mais evidente que aqueles que a exercem estão cada vez mais confortáveis e seguros para agredir e diminuir as mulheres em suas funções.
“Essas atitudes configuram um verdadeiro ataque à democracia e às instituições, além dos próprios eleitores e eleitoras que votaram para que essas mulheres estejam onde estão. Marina Silva merece respeito. E todas as mulheres que estão na política, seja nas câmaras municipais e estaduais ou no Congresso Nacional, também. Deixo aqui um chamado para que todas as mulheres, independente do partido, se unam para enfrentar essa ode à misoginia e ao machismo que parece ter se instalado no ambiente político. Ano que vem teremos eleições, e precisamos estar atentas para que haja uma profunda renovação. Não podemos permitir que esses agressores sigam impunes. Não elegê-los é fundamental. Por isso, defendemos que a política precisa ser ocupada por mais mulheres”, argumentou Anne.
Manifestações de apoio à ministra
A Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, coordenada pela deputada Jack Rocha (PT-ES), emitiu nota de indignação e solidariedade à ministra Marina Silva. No texto, diz o colegiado, “o que ocorreu não foi apenas um desrespeito a um ministério de Estado, foi um ataque brutal à democracia, à dignidade das mulheres e, em especial, à história de uma mulher negra que construiu sua trajetória com coragem, sabedoria e compromisso com o Brasil.”
A Secretaria Nacional de Mulheres do PT e o Diretório Nacional do PT também manifestaram-se em apoio à ministra: “A postura firme da ministra, ao afirmar que jamais será uma mulher submissa, representa a coragem de tantas de nós que, diariamente, enfrentamos o machismo institucionalizado em todos os espaços da vida pública e privada. Marina não se calou, e nós também não nos calaremos.”
O Ministério das Mulheres emitiu uma nota oficial sobre o episódio: “Referência internacional na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos, Marina Silva foi desrespeitada enquanto ministra, mulher, negra e amazônida. O episódio reflete, mais uma vez, a persistência de uma estrutura de poder historicamente marcada pelo machismo, pelo racismo e pela negação da presença das mulheres — especialmente as mulheres negras e indígenas — nos espaços de decisão. Lamentavelmente, o que vimos hoje não se trata de um caso isolado”, afirmou a pasta.
Além da defesa por parte das mulheres do PT, o presidente Lula acolheu a ministra, e afirmou que ela agiu acertadamente ao se retirar da comissão. No X, a Ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, também se manifestou:
Inadmissível o comportamento do presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, Marcos Rogerio, e do senador Plinio Valério, na audiência de hoje com a ministra @MarinaSilva. Totalmente ofensivos e desrespeitosos com a ministra, a mulher e a cidadã. Manifestamos repúdio aos…
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) May 27, 2025
É urgente o cumprimento da lei 14.192/21
São incontáveis os casos de VPGR. Comentários e discursos ofensivos fazem parte de uma tecnologia opressora, que inclui piadas sexistas, ataques pessoais baseados em gênero e críticas que desvalorizam a capacidade das mulheres na política.
É urgente que haja uma mobilização nacional para cobrar das autoridades o cumprimento da aplicação da lei 14.192/21 nos casos de violência política cometidos contra as mulheres nos espaços de poder e decisão. O artigo 3º da legislação afirma que “considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.”
Além disso, o parágrafo único do artigo diz que “constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.”
Com a legislação da VPGR, alguns artigos da lei 4.737/1965 – Código Eleitoral – foram alterados, dentre eles o art. 327, que afirma que “as penas cominadas aumentam-se de 1/3 (um terço) até metade, se qualquer dos crimes é cometido com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.”
Ao falar para a ministra ‘se pôr em seu lugar’, o senador bolsonarista claramente preenche todos os requisitos que classificam essa, e as ações de seus pares, durante a comissão do Senado, como violência política de gênero. Vale destacar que a primeira condenação do crime no Brasil ocorreu após mobilização de companheiras petistas, e é um marco na luta pelos direitos políticos das mulheres.
Da Redação do Elas por Elas, com informações da ONU Mulheres e do MMulheres