Um processo seletivo demorado, recheado de etapas repetitivas, entrevistas que não avançam e retornos que nunca chegam. Para muitos brasileiros, esse ainda é o retrato da busca por uma vaga de emprego. Mas esse cenário pode estar começando a mudar. Com o uso de inteligência artificial, empresas estão encurtando o caminho entre o talento e a oportunidade — e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para uma força de trabalho mais diversa.
A tecnologia que há anos transforma indústrias e mercados agora começa a reorganizar o jeito de contratar e desenvolver pessoas. Além de automatizar tarefas, está ajudando a repensar a lógica das seleções, dando espaço a quem por muito tempo ficou à margem.
Novos tempos para o recrutamento
A digitalização do RH avança rapidamente. Em 2022, menos de 1% dos projetos da área usavam IA. Dois anos depois, esse número saltou para 10%, segundo a Think Work. Entre as empresas mais inovadoras do Brasil, 78% já usam inteligência artificial para contratar ou se comunicar com candidatos.
O impacto dessa mudança vai além da eficiência. A Vivo, por exemplo, implementou um sistema de autosserviço que permite que gestores conduzam processos seletivos com apoio de IA. Mais de 1.200 vagas foram preenchidas, com 51% delas ocupadas por pessoas de grupos diversos. O tempo médio de contratação caiu 73%.
“Não estamos apenas falando de automação de processos, mas de uma nova forma de pensar sobre talentos e oportunidades”, afirma Luciana Calegari, da Vagas For Business.
Menos barreiras, mais oportunidades
Por trás das estatísticas, há histórias que refletem uma mudança de postura. A inteligência artificial pode analisar currículos com base em competências, sem considerar nome, idade, gênero ou faculdade de origem. Com isso, profissionais que antes nem passavam da triagem inicial ganham novas chances.
É o que explica o resultado da Vivo. Ao remover filtros inconscientes, a tecnologia ajuda a compor equipes mais plurais — o que, no fim, também favorece o desempenho das empresas.
Essa capacidade de enxergar talentos fora dos grandes centros, ou fora dos perfis mais comuns, também muda o jogo para quem tenta ingressar em grandes empresas sem uma rede de contatos ou uma trajetória “padrão”. A IA consegue localizar perfis com potencial mesmo em trajetórias menos convencionais.
Eficiência com humanidade
O impacto da tecnologia no RH não se limita à contratação. A Unilever, por exemplo, automatizou 100% da gestão da folha de pagamentos de seus 11.400 funcionários. O índice de acerto chegou a 99,92%. Com isso, a equipe de recursos humanos passou a se dedicar mais a atividades estratégicas.
Outra empresa, a Ília, criou o projeto Marvin People AI, que une dados de desempenho, metas de carreira e formação. A solução já gerou 410 planos de desenvolvimento e aumentou em 15% as respostas às avaliações internas.
Além disso, sistemas baseados em IA podem manter os candidatos informados, oferecer retorno personalizado e sugerir caminhos de desenvolvimento — mesmo para quem não foi aprovado.
Previsão e cuidado no dia a dia
Com análise preditiva, a IA também permite entender padrões de comportamento no ambiente corporativo. É possível, por exemplo, prever quais funcionários têm mais chance de deixar a empresa, identificar potenciais líderes ou antecipar a necessidade de novas competências.
Essas informações ajudam a evitar desligamentos inesperados, orientar planos de carreira e preparar as equipes para o futuro. O RH deixa de atuar apenas quando há problemas e passa a desenhar estratégias baseadas em dados.
Cuidados e limites
Apesar dos avanços, os riscos existem. Uma pesquisa da Randstad mostra que 56% dos profissionais têm dificuldade para acompanhar as mudanças digitais. Além disso, 34% temem a perda do contato humano nos processos, e 32% se preocupam com o uso inadequado da tecnologia.
Algoritmos mal calibrados podem reforçar preconceitos existentes. É por isso que especialistas reforçam a necessidade de auditorias, transparência nos critérios e diversidade nas equipes que desenvolvem as ferramentas.
A proteção de dados também é um ponto sensível. Com a IA lidando com informações pessoais e profissionais, empresas precisam seguir rigorosamente normas como a LGPD.
Um novo papel para o RH
O avanço da inteligência artificial muda o papel das equipes de recursos humanos. Atividades operacionais dão lugar a funções mais analíticas e estratégicas. Para isso, os profissionais da área precisam desenvolver novas habilidades, como leitura de dados e entendimento de ferramentas digitais.
O trabalho técnico convive com a sensibilidade humana. A empatia, o olhar atento e a escuta continuam sendo fundamentais — e é justamente essa combinação entre tecnologia e humanidade que desenha o futuro das relações de trabalho.