Neste 6 de agosto de 2024, celebraríamos os 90 anos de dois gigantes da cena teatral brasileira: Flávio Rangel e Gianfrancesco Guarnieri. A intersecção de suas trajetórias artísticas encontrou um ponto culminante na peça “Gimba”, que se tornou um marco na história do teatro nacional e que representa a confluência de seus talentos e visões criativas, na busca pela identidade do teatro nacional.
Gimba, o Presidente dos Valentes, peça de Gianfrancesco Guarnieri é o primeiro grande sucesso de direção de Flávio Rangel, ao retratar a realidade dos morros cariocas. Foi um surpreendente êxito não apenas no Brasil como no exterior, quando da apresentação no Festival do Théâtre des Nations, em Paris, 1960.
Gimba é um bandido que ajuda a comunidade. Casado com Guiô, ele se mete em uma confusão e precisa fugir do morro e desaparece por três anos. Ao retornar, ele descobre que sua esposa está vivendo com outro homem. A partir daí, eles vivem um triângulo amoroso banhado por diversos conflitos.
Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi De Guarnieri foi uma figura monumental no teatro brasileiro. Nascido em Milão, Itália, em 1934, Guarnieri se tornou uma das maiores influências na cena teatral do Brasil, sendo ator, diretor, dramaturgo e poeta de renome.
Filho de músicos antifascistas, Guarnieri chegou ao Brasil em 1936 com seus pais, o maestro Edoardo Guarnieri e a harpista Elsa Martinenghi. Em São Paulo, começou a trilhar seu caminho artístico nos anos 1950, associando-se a Oduvaldo Vianna Filho e ao Teatro Paulista do Estudante. A parceria com o Teatro de Arena, fundado por José Renato, seria o palco para muitas de suas inovações.
Sua estreia como dramaturgo ocorreu em 1958 com a peça “Eles Não Usam Black-Tie”. Esta obra não apenas marcou a sua chegada ao cenário teatral, mas também se tornou um marco na renovação do teatro brasileiro. A peça abordava questões sociais e políticas com uma autenticidade e profundidade que ressoaram fortemente com o público, salvando o Teatro de Arena de uma crise financeira e garantindo a Guarnieri um lugar de destaque na história do teatro.
A trajetória de Guarnieri não se limitou ao teatro. Ele também teve uma presença marcante no cinema e na televisão, participando de produções icônicas e ajudando a moldar a arte no Brasil em múltiplas frentes.
Em 2006, foi homenageado na 18ª edição do Prêmio Shell de Teatro, uma prova do impacto duradouro de sua contribuição ao teatro brasileiro.
Guarnieri faleceu em 22 de julho de 2006, mas seu legado continua vivo através de suas obras e das gerações de artistas que ele inspirou.
Rangel e o TBC
Nascido em Tabapuã em 6 de agosto de 1934, Rangel foi um diretor teatral, cenógrafo, jornalista e tradutor de notável importância, cuja trajetória artística moldou a cena cultural do país.
A paixão de Rangel pelo teatro se acendeu em 1958, quando teve a chance de dirigir “Juventude sem dono” no Teatro Cultura Artística, um marco que o lançou ao estrelato. Em 1959, veio “Gimba” e o reconhecimento internacional.
O ponto de virada na carreira de Rangel veio quando foi contratado por Franco Zampari para dirigir o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), a companhia de teatro mais prestigiada do Brasil na época. Foi o primeiro brasileiro a assumir a direção do TBC, sucedendo uma série de renomados diretores estrangeiros. Sua estreia na companhia com “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes, solidificou seu status como um dos principais nomes do teatro nacional.
Nos anos seguintes, Flávio Rangel se estabeleceu como um dos maiores diretores teatrais do Brasil. Mudou-se para o Rio de Janeiro no início da década de 1960 e começou uma carreira independente que duraria três décadas. Durante esse período, assinou montagens importantes, como “Liberdade, Liberdade”, “A Escada”, “A Revolução dos Beatos”, “Édipo Rei”, “A Capital Federal”, “Esperando Godot” e “Piaf”.
Rangel dirigiu mais de 80 espetáculos, abrangendo peças teatrais, shows musicais, desfiles de carnaval e até desfiles de moda. Ele também fez história com o desfile de carnaval da Vila Isabel em 1976 e 1977.
Casado com a atriz Ariclê Perez, Rangel dedicou sua vida ao teatro e à arte, influenciando profundamente a cultura brasileira. Sua luta contra o câncer no pulmão, que o levou a falecer em 25 de outubro de 1988 aos 54 anos, foi um momento de perda para a cultura nacional.
Ambos, Guarnieri e Rangel, compartilharam uma visão de um teatro comprometido com a realidade social e política do país. Suas obras e direções não apenas entretiveram, mas educaram e mobilizaram plateias, incentivando o pensamento crítico e a busca por um Brasil mais justo e igualitário. Eles acreditavam no poder transformador da arte e usaram o palco como uma plataforma para desafiar o status quo e promover mudanças.
“Eles Não Usam Black-Tie” da Única Cia de Teatro retorna aos palcos, em uma homenagem aos 90 anos de nascimento de Guarnieri. Serão apenas quatro sessões, sempre às quintas-feiras, às 19h, de 8 a 29 de agosto, no Teatro Glauce Rocha, no Centro do Rio de Janeiro, com direção de João Velho e grande elenco. Os ingressos custam a partir de R$ 20 (meia-entrada) e estão disponíveis na plataforma Sympla.