“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho…” — já dizia Drummond. No Brasil, muita gente diria que essa pedra se chama SUS: filas, demora, estrutura precária, burocracia. Um sistema que, para alguns, parece mais atrapalhar do que ajudar. Mas será mesmo?
O SUS nasceu da luta do povo. Foi criado pela Constituição de 1988 como resposta à exclusão histórica do acesso à saúde. É um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, oferecendo, de forma gratuita, desde vacina até transplante de órgãos. Antes do SUS, só quem tinha carteira assinada tinha acesso à saúde pública, porém, mesmo com esse acesso mais amplo e inclusivo, muita gente ainda desconfia do sistema. Por quê?
Essa desconfiança tem raízes profundas. Por um lado, existe a ideia de que o que é privado é automaticamente melhor, mais eficiente. Por outro, há um problema real: o SUS vive com orçamento apertado. O subfinanciamento crônico se torna mais sério quando se compreende que, na prática, o sistema acaba sendo a única opção de acesso para os 75% da população que não têm condições de pagar para ter acesso ao atendimento à saúde.
No último 9 de junho, o Ministério da Saúde, reconhecendo o problema histórico das filas, decretou uma “Situação de Urgência em Saúde Pública”. A ideia é agilizar os atendimentos especializados — como exames e cirurgias — em regiões com maior demanda, principalmente em áreas como oncologia, ortopedia, cardiologia, ginecologia, entre outras.
Isso parece bom — e é urgente, especialmente após a pandemia de Covid-19, que aumentou a demanda por atendimento especializado. A grande preocupação está em como isso será feito. O governo lançou o programa “Agora Tem Especialistas”, que pretende contratar hospitais e clínicas privadas para atender a demanda reprimida do SUS. Para isso, os hospitais poderão abater dívidas com o governo em troca dos atendimentos. Em outras palavras: dinheiro público que poderia ser utilizado para serviços públicos sendo direcionado aos cofres do serviço privado.
O ministro Alexandre Padilha parece partir da ideia de que o povo quer é ser atendido — seja no público ou no privado. Mas, curiosamente, em um governo que deveria valorizar o diálogo com os movimentos sociais, os empresários da saúde foram ouvidos primeiro. Sanitaristas e defensores do SUS acenderam o alerta: esse modelo pode abrir caminho para a mercantilização da saúde, o que vai contra um dos princípios mais importantes do SUS — de que saúde não é mercadoria.
E pior: pouco se fala dos cortes no financiamento do SUS nos últimos anos. Pouco se discute como fortalecer a atenção básica — que é justamente o pilar para evitar que as filas nas especialidades fiquem tão longas. Além disso, cresce o número de unidades públicas entregues à gestão de empresas privadas (as chamadas Organizações Sociais), muitas vezes envolvidas em denúncias de corrupção, má gestão e precarização dos direitos dos trabalhadores da saúde. E hora ou outra circula-se a ideia de ofertar planos populares de saúde que, obviamente, estariam muito distante da integralidade do atendimento que o SUS oferece ao povo brasileiro.
A verdade é que, para milhões de brasileiros, o SUS não é uma pedra no caminho — é o único caminho. É motivo de orgulho. É o que nos diferencia de muitos países onde saúde é um privilégio e não um direito.
Mas o que a população precisa entender é que, sim, há uma pedra no caminho do SUS: o interesse constante do mercado, que vê no sistema público uma oportunidade de lucrar com a saúde do povo brasileiro. Cabe ao governo — especialmente aos que se dizem progressistas — não perder o horizonte: saúde é um direito, não um negócio.
Diminuir as filas é urgente, mas isso não pode virar desculpa para desmontar, aos poucos, um dos maiores patrimônios do povo brasileiro. A população precisa estar atenta e organizada para defender um projeto sanitário digno, com financiamento adequado, melhor gestão e valorização dos trabalhadores que, todos os dias, doam seu tempo e dedicação para fazer do SUS um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo.