“Queremos discutir a Rota da Seda com os chineses, vamos discutir. Não vamos fechar os olhos, vamos decidir o que tem para nós”, afirmou Lula na abertura de um seminário promovido por CartaCapital, na quarta-feira 14, em Brasília. Com a declaração, o presidente sinaliza que o Brasil pode aderir ao gigantesco projeto de infraestrutura articulado pela China, e formalmente batizado de “Iniciativa Cinturão e Rota”.
Os contratos da nova Rota da Seda alcançam a impressionante cifra de 2 trilhões de dólares. Ao todo, cerca de 150 países entraram formalmente na iniciativa ou manifestaram interesse de participar dela. O tema estará na pauta da visita que o líder chinês, Xi Jinping, fará ao Brasil em novembro.
A indicação de Lula sobre o megaprojeto de Pequim ocorreu durante o fórum “Um Projeto de Brasil”, novo ciclo de debates da série Diálogos Capitais, destinado a debater a integração nacional e sul-americana e os caminhos para uma transição energética justa e inclusiva. Realizado na sede da Confederação Nacional da Indústria, o evento também marca os 30 anos da revista CartaCapital, recém-completados no início de agosto.
As relações entre Brasil e China ocuparam posição de destaque no debate, por razões evidentes: em 2023, o comércio bilateral atingiu o patamar histórico de 157,5 bilhões de dólares. As exportações para o gigante asiático chegaram a 105,7 bilhões de dólares, alta de 16,5% em relação ao ano anterior. O valor é cerca de três vezes superior às vendas do Brasil para os EUA, nosso segundo maior parceiro comercial.
Ao defender as obras das Rotas de Integração Sul-Americana, previstas no novo Programa de Aceleração do Crescimento, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou ter o objetivo de facilitar a venda de produtos brasileiros e a compra de itens de vizinhos. Mas o plano, segundo ela, também passa por aproximar o Brasil da China por meio do Pacífico.
As cinco rotas abrangem diretamente os 11 estados que fazem fronteira com países da América do Sul. Elas envolvem cerca de 200 projetos, a incluir rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. “Quando falamos de acesso à China pelo Pacífico, podemos diminuir em até 10 mil quilômetros a distância”, afirmou Tebet no primeiro painel do evento. “Podemos executar esses projetos sem comprometer a tal responsabilidade fiscal. Todas as obras necessárias estão previstas no PAC.”
O avanço das rotas de integração coincide com o aniversário de 50 anos das relações diplomáticas sino-brasileiras, reatadas em 1974. Para Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Pequim é “um absorvedor imenso” da produção brasileira. “O grande desafio que temos é o da competitividade, de ter uma visão estratégica do que devem ser as nossas relações comerciais com a China.”
O processo de integração com outros países pode levar a uma “nova configuração do desenvolvimento nacional”, impulsionando a economia, sem descuidar da sustentabilidade e da inclusão social, avalia Luciana Serva, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, responsável por produzir estudos para subsidiar os projetos de integração regional.
O seminário discutiu a integração regional e caminhos para uma transição energética justa e inclusiva
Além dos recursos do Orçamento Federal, as obras de integração no território brasileiro poderão contar, pelos cálculos do governo, com financiamentos que somam 50 bilhões de reais, provenientes do BNDES, do Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Fonplata, este abastecido com recursos de cinco países: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Representante do BID no Brasil, Morgan Doyle observou que, além de participar do financiamento dos projetos, o banco deve contribuir com a expertise para estruturar as rotas comerciais. “Além da integração física, é importante destacar a promoção do comércio como fator central”, diz. “Essa região tem muito a oferecer aos mercados globais, que desejam não só energia, mas produtos ímpares que oferece, por exemplo, a Amazônia.”
A preservação da Floresta Amazônica e do meio ambiente em geral também foi destaque da mesa de encerramento, com um debate sobre os desafios para promover uma transição energética justa e inclusiva. Não há uma visão única a respeito do que significa a busca por fontes limpas de energia, nem mesmo no governo federal. Desde o ano passado, uma das principais discussões envolve o possível estudo de novos campos de petróleo na chamada Margem Equatorial, do Rio Grande do Norte ao Amapá.
Um dos principais defensores da exploração na região é o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enquanto ambientalistas apontam riscos ao ecossistema marinho e ao sensível bioma amazônico. O Ibama negou a primeira solicitação da Petrobras para perfurar um poço a cerca de 500 quilômetros da Foz do Rio Amazonas. A empresa apresentou um segundo pedido, ainda sob análise.
“Não podemos deixar de conhecer as nossas potencialidades da Margem Equatorial, respeitando dentro da mais rigorosa determinação da nossa legislação ambiental, mas sem extremismo ambiental ou ideológico”, opinou Silveira. “Com bom senso, sentando na mesa, buscando caminhos.”
O ministro acrescenta que, enquanto o mundo demanda combustíveis fósseis, o Brasil não pode abrir mão de explorar esse mercado, até para conseguir os vultosos recursos necessários para financiar os projetos do Plano de Transformação Ecológica. “Ninguém consegue dizer em quanto tempo a gente vai ficar livre dessa fonte energética”, resume. “A Petrobras não tem sequer um índice de acidente em exploração de águas profundas.”
No ano passado, o País produziu, em média, 3,4 milhões de barris de petróleo por dia, 12,57% a mais que em 2022. Segundo Viviana Coelho, gerente-executiva de Mudança Climática da Petrobras, o mundo consumirá menos petróleo, mas descobrir novas fronteiras é um passo necessário até para reduzir a produção. “Na ausência de investimento em fronteiras exploratórias, você terá um decréscimo da produção a zero após algumas décadas”, adverte. “O mundo vai consumir menos petróleo, mas hoje a Petrobras tem uma parte significativa da sua produção para exportação. Por que abriríamos mão dessa receita? Ou por que importaríamos esse recurso?”
Ramon Haddad, vice-presidente da State Grid Brazil Holding, disse haver dois motivos principais para focar na transição ecológica: ter uma energia mais limpa, sob o ponto de vista da descarbonização, e gerar uma energia renovável também para as próximas gerações. Atualmente, o grupo chinês controla 24 concessionárias de energia no País (são 19 próprias e cinco joint ventures).
Já Luiz de Mendonça, CEO da Acelen Renováveis, chamou atenção para a dificuldade internacional de encontrar matérias-primas para o processo de transição energética, o que coloca o Brasil em situação privilegiada. Uma das metas da empresa é entrar de vez no mercado de combustível renovável para aviação. “Produzir querosene sustentável de aviação é fácil, mas encontrar matéria-prima é difícil. Aí entra o Brasil, ninguém tem o que a gente tem”, observou Mendonça, a apostar no cultivo da macaúba, árvore frutífera nativa com grande potencial na produção de biocombustíveis. Controladora da antiga Refinaria Landulpho Alves, de Mataripe, a Acelen responde por 15% do parque de refino no País e pertence ao fundo global de gestão de ativos Mubadala Capital, com sede em Abu Dabi.
Com a discussão de temas fundamentais para o desenvolvimento brasileiro, CartaCapital celebra seus 30 anos e apresenta mais uma prova de seu compromisso com a democracia, o jornalismo de qualidade e o futuro do País. “Temos a confiança de que o Brasil será melhor amanhã do que hoje: mais próspero, mais justo, mais orgulhoso de si mesmo”, afirmou Manuela Carta,