Nísia Trindade durante evento da saúde. Foto: Divulgação

A socióloga e ex-ministra da Saúde Nísia Trindade declarou, em entrevista à Folha de S.Paulo, que sua saída do ministério, durante a reforma promovida pelo governo Lula, foi marcada por ações machistas com o objetivo de desqualificar seu trabalho.

Ex-presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ela também comentou os desafios enfrentados durante sua gestão, incluindo o avanço da epidemia de dengue no país e a falta de vacinas infantis em unidades de saúde.

A substituição de Nísia, anunciada em meio à pressão de partidos do Centrão, foi o primeiro movimento significativo da reforma ministerial promovida pelo presidente Lula (PT). Apesar da trajetória consolidada na saúde pública, ela enfrentou resistência política desde o início do mandato.

“A misoginia existe na sociedade e se manifesta até em imagens e expressões que sugerem fragilidade. Sofri tentativas de desqualificação, mas continuo consciente do meu papel e da minha competência”, afirmou.

Nísia Trindade voltou à vida acadêmica.

Assumiu a titularidade da Cátedra Olavo Setubal no Instituto de Estudos Avançados da USP, ao lado de nomes como Alemberg Quindins e Fernando José de Almeida. Ela coordena projetos sobre desigualdades sociais e saúde, além de integrar conselhos internacionais ligados ao combate à Aids e à pandemia.

Segundo Nísia, o estado do Ministério da Saúde ao final do governo Bolsonaro era de “descontinuidade total”, com perdas orçamentárias severas e programas sociais paralisados. Sua prioridade foi reconstruir a capacidade de coordenação do Sistema Único de Saúde (SUS) e restabelecer a confiança da população na vacinação.

“O Ministério estava desestruturado. Nosso foco foi retomar e acelerar programas que ficaram paralisados por anos. Essa reconstrução era urgente em um país tão desigual como o Brasil”, disse.

Durante sua gestão, a vacinação infantil foi retomada. Segundo dados citados por Nísia, 15 das 16 vacinas obrigatórias registraram aumento de cobertura — apesar do desabastecimento pontual em 60% dos municípios, como mostrou um estudo da CNM (Confederação Nacional dos Municípios). Ela minimiza o impacto desses episódios:

“Houve falhas pontuais causadas por problemas globais de produção, mas buscamos alternativas rapidamente. A resposta foi eficaz e os índices de cobertura mostram isso”, pontuou.

O crescimento exponencial dos casos de dengue em 2024, que bateram recordes históricos, foi uma das principais crises enfrentadas pela pasta. Nísia atribui o avanço da doença a fatores climáticos globais, como o aquecimento do planeta, que favorece a proliferação do mosquito Aedes aegypti.

“A dengue é um problema de quatro décadas. O que vemos agora é um novo estágio, impulsionado por mudanças ambientais. Todas as medidas cabíveis foram tomadas: reforço da vigilância, financiamento aos estados e uma nova vacina incorporada ao SUS”, garantiu.

Ela destaca que, ao final da gestão, firmou uma parceria com o Instituto Butantan para o desenvolvimento de uma vacina nacional contra a dengue.

Entre os projetos que gostaria de ter desenvolvido com mais tempo, Nísia cita a consolidação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, uma estratégia que levou ao G20 e que considera fundamental para garantir a soberania sanitária do Brasil.

Outro destaque foi o início do SUS Digital, que busca modernizar e integrar os sistemas de atendimento. “Levantamos os alicerces desse projeto, que certamente trará resultados em médio e longo prazo”, afirmou.

Questionada sobre a campanha de desvalorização que sofreu, Nísia evitou apontar nomes, mas reconheceu a presença de misoginia estrutural na política brasileira.

“Esse é um processo difuso. As mulheres em cargos de liderança ainda são alvo de críticas enviesadas, de julgamentos que não recaem sobre os homens. Mas mantenho minha convicção de que cumpri bem meu papel”, declarou.

Ela também comentou sobre a chegada de Alexandre Padilha ao ministério, que assumiu com foco em medidas populares, como a redução das filas no SUS: “São estilos diferentes. Ele tem condições de fazer uma boa gestão. Muitas ações anunciadas já estavam sendo preparadas e são continuidade do nosso trabalho”, afirmou, sem fazer críticas diretas.

Em visita recente à Assembleia Mundial da Saúde, da OMS, Nísia celebrou o novo acordo internacional para resposta a pandemias, mas alertou para a urgência de reduzir desigualdades no acesso a vacinas.

“Durante a Covid, 10% dos países concentraram 76% das doses. O novo acordo é um avanço, mas ainda precisamos garantir equidade e agilidade nas respostas futuras. A pandemia não pode ser tratada como passado”, concluiu.

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Last Update: 31/05/2025