O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, passou a comandar oficialmente um governo minoritário nesta quarta-feira (16), após a retirada dos dois principais partidos ultraortodoxos de sua coalizão. 

O partido Shas, com 11 cadeiras, anunciou sua saída do gabinete menos de 24 horas depois de o Judaísmo Unido da Torá (UTJ) formalizar a renúncia de seus representantes em comissões e ministérios. 

Com isso, a base governista caiu de 64 para 50 cadeiras no Knesset, o parlamento israelense, que tem 120 assentos. A ruptura acontece em meio à prolongada ofensiva militar contra Gaza e lança dúvidas sobre a sobrevivência política de Netanyahu. 

O estopim da crise foi o impasse em torno da isenção do alistamento militar obrigatório para estudantes de seminários ultra-ortodoxos — uma exigência histórica dos partidos haredi (religiosos), rejeitada por amplos setores da sociedade israelense. 

Sem acordo no parlamento e sob pressão de rabinos influentes, os dois partidos religiosos decidiram romper com o governo, embora tenham sinalizado que não pretendem apoiar sua derrubada imediata.

“Os representantes do Shas… constatam, com o coração pesado, que não podem permanecer no governo e ser parte dele”, disse o partido em nota oficial. 

Mesmo fora do gabinete, líderes do Shas indicaram que poderão votar com a coalizão em algumas matérias. Já os parlamentares da UTJ deram prazo de 48 horas para a saída entrar em vigor, deixando uma janela curta para Netanyahu tentar recompor sua base.

Coalizão entre fanatismo religioso e pressão por alistamento

O rompimento dos partidos ultraortodoxos ocorre após meses de tensão em torno da exigência de uma nova legislação que mantenha a isenção do alistamento militar obrigatório para estudantes de yeshivás (alunos de instituições de estudo judaicas, chamadas yeshivot, onde se dedicam ao estudo aprofundado da Torá, do Talmud e outras tradições rabínicas).

A Suprema Corte de Israel determinou no ano passado o fim dessas isenções, consideradas inconstitucionais, obrigando o governo a aprovar uma nova lei para manter o privilégio — o que não aconteceu até agora.

Líderes religiosos acusam o governo de traição. O ministro dos Serviços Religiosos, Michael Malkieli, do Shas, leu uma nota do Conselho dos Sábios da Torá acusando o Exército e a Procuradoria-Geral de promoverem uma “perseguição cruel e criminosa contra os estudantes de yeshivá”. 

Nos últimos dias, aumentaram as detenções de jovens ultraortodoxos acusados de se esquivar do serviço militar, o que inflamou protestos em bairros religiosos e aumentou a pressão sobre os partidos haredi.

A escalada das detenções ocorre em um momento de esgotamento das forças armadas israelenses, após 21 meses de guerra contínua contra Gaza. 

Com centenas de soldados mortos e a mobilização de reservistas no limite, setores do governo e do Exército intensificaram a cobrança por uma reforma do alistamento que inclua os jovens das comunidades ultraortodoxas. 

A exigência por “divisão igual do fardo” passou a ganhar apoio popular, enquanto os partidos haredi resistem, temendo que o serviço militar leve seus seguidores a abandonar a vida religiosa.

Com a coalizão fragilizada, Netanyahu enfrenta agora um impasse: manter os partidos religiosos no governo pode custar a aprovação de medidas exigidas pela extrema direita militarista. 

Por outro lado, ceder aos setores mais belicistas — que exigem o alistamento universal e a continuidade da guerra — pode afastar de vez os rabinos, minando o controle político do premiê.

O recesso parlamentar, que começa em 27 de julho e dura três meses, foi interpretado como uma manobra de Netanyahu para ganhar tempo. 

Durante esse período, não há sessões legislativas, moções de desconfiança ou votações relevantes, o que reduz temporariamente os riscos de queda. Ainda assim, a ameaça de dissolução do Knesset segue no horizonte, caso o impasse sobre a lei do alistamento persista até outubro.

Pressão por cessar-fogo amplia rachaduras entre aliados de extrema direita

Além da crise com Shas e o UTJ, Netanyahu enfrenta outros conflitos dentro de sua ala mais radical. 

Os ministros Bezalel Smotrich (Sionismo Religioso) e Itamar Ben-Gvir (Otzma Yehudit) ameaçam abandonar a coalizão caso o primeiro-ministro aceite os termos de um cessar-fogo com o Hamas. 

As negociações, mediadas no Catar, propõem uma trégua de 60 dias, a entrada de ajuda humanitária e a libertação parcial de reféns.

Mesmo sem o apoio da extrema direita, Netanyahu ainda teria votos suficientes no gabinete para aprovar o acordo. No entanto, teme perder sua base eleitoral e provocar o colapso total do governo. 

O dilema reflete a instabilidade da coalizão, formada por setores religiosos, militaristas e supremacistas, que pressionam por agendas contraditórias em meio a uma guerra prolongada e impopular.

A possível trégua ocorre num momento de exaustão social e desgaste interno. Com mais de 58 mil palestinos mortos segundo autoridades de saúde de Gaza, e cerca de 450 soldados israelenses mortos, cresce dentro de Israel a cobrança por uma solução negociada.

Ainda assim, Netanyahu resiste à desescalada, buscando equilibrar seus aliados e adiar decisões que possam comprometer sua permanência no poder.

Bombardeios à Síria coincidem com suspensão de audiência por corrupção

Enquanto sua base política ruía e as negociações por cessar-fogo avançavam, Netanyahu interrompeu seu depoimento no julgamento por corrupção nesta quarta-feira (16), alegando “razões de segurança” ligadas à ofensiva militar contra a Síria. 

Horas antes, aviões israelenses bombardearam alvos estratégicos em Damasco, incluindo o Ministério da Defesa e as imediações do Palácio Presidencial. Pelo menos uma pessoa morreu e 18 ficaram feridas, segundo a imprensa local.

A ação em território sírio marcou o terceiro bombardeio internacional realizado por Israel em apenas 24 horas — os outros dois foram no Líbano e na Faixa de Gaza. 

A justificativa oficial era uma resposta aos confrontos entre militantes drusos e o Exército sírio na região de Suwayda, mas analistas internacionais apontaram o “timing conveniente” da operação. 

Para muitos, trata-se de uma manobra calculada de Netanyahu para desviar a atenção do colapso de sua coalizão e da fragilidade de sua posição jurídica.

Em julgamento desde 2020, Netanyahu responde por suborno, fraude e abuso de confiança em três casos envolvendo empresários e favorecimento de grupos de mídia em troca de cobertura positiva. 

A interrupção do depoimento pela segunda vez consecutiva em meio a bombardeios fora do país alimentou acusações de uso político da guerra. “Ele está disposto a matar pessoas em qualquer lugar para conseguir o que quer”, criticou o acadêmico israelense-americano Shaiel Ben-Ephraim nas redes.

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Last Update: 17/07/2025