
Neoliberalismo: antítese da felicidade
por Francisco Fernandes Ladeira
A felicidade é um conceito complexo e individual. Muitos afirmam que é indefinível. Cada um tem sua própria ideia do que ela seja e do que precisa para estar feliz. É importante ressaltar que o uso do verbo “estar”, ao invés de “ser”, indica a felicidade não como algo perene, mas como um estado passageiro – algo imaginário, como já cantava o Barão Vermelho. “Tristeza não tem fim, felicidade sim”, já apontava Vinícius de Moraes. Para os filósofos, a felicidade seria um mero efeito colateral positivo da existência. Schopenhauer, por exemplo, defendia que a regra da vida é o sofrimento, sendo a felicidade uma exceção. Claro, ele não conheceu as redes sociais!
Embora exista todo esse imbróglio conceitual, a Organização das Nações Unidas (ONU) – em parceria com o instituto de pesquisa Gallup e a Universidade de Oxford – divulga anualmente um ranking mundial da felicidade. Para elaborá-lo, seis fatores-chave são levantados: PIB per capita, expectativa de vida saudável, apoio social, sensação de liberdade, generosidade e a percepção da corrupção.
Na última edição, as primeiras posições foram ocupadas, respectivamente, por Finlândia, Dinamarca, Islândia e Suécia. O Brasil ficou na 36ª posição.
Uma análise precipitada (e de complexo de vira-latas) poderia argumentar que os povos nórdicos são moralmente superiores a nós, brasileiros. Eles seriam racionais; nós, passionais. Eles, brancos e civilizados; nós, mestiços e selvagens. Eles, honestos. Nós, lembrando a famosa “Lei de Gerson”, só queremos levar vantagem em tudo. E por aí vai.
No entanto, a explicação para esses números é muito mais política do que “natural”. Tratam-se de sociedades focadas no coletivo em detrimento do individual. Os países nórdicos possuem baixos níveis de desigualdade de renda. Seus serviços públicos, caracterizados pela alta qualidade, são financiados por impostos elevados e abrangem saúde, educação, creches, licença parental e robusto apoio social.
A diferença entre os salários mais altos e os mais baixos é relativamente pequena. Isto porque, nesses países – com exceção da Islândia –, não há um salário mínimo nacional, mas sim fortes acordos coletivos de trabalho que estabelecem pisos salariais por setor e garantem condições equitativas. Em suma, são realidades em que as necessidades básicas de todos os indivíduos são plenamente garantidas.
Recorrendo a Hobbes, são países onde o chamado “contrato social” é de fato cumprido: o indivíduo pode renunciar ao seu direito natural de lutar sozinho pela sobrevivência, porque recebe as contrapartidas necessárias da organização política da qual faz parte.
Se, no Brasil, tais medidas fossem aplicadas – ou seja, mais Estado e menos mercado –, certamente os setores conservadores as rotulariam de “comunistas”. Também recorreriam aos seus lugares-comuns típicos: “imposto é roubo”, “máquina pública inchada”, “República sindical”, “Estado de Bem-Estar Social é inviável” e “o governo não incentiva a livre iniciativa”.
Como dito no início do texto, não há uma definição única ou absoluta de felicidade. No entanto, como demonstram os exemplos aqui mencionados, é possível afirmar que a sua antítese existe – e ela se materializa na racionalidade neoliberal.
Francisco Fernandes Ladeira é professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Autor do livro “A ideologia dos noticiários internacionais – volume 2” (Emó Editora).
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