
Nem mesmo o Supremo está acima da Constituição
por Elias Tavares
Ao longo das últimas semanas, tenho ouvido com frequência a pergunta: afinal, um ministro do Supremo Tribunal Federal pode ser alvo de impeachment? A dúvida é legítima, mas a resposta está, desde 1988, escrita de forma objetiva na Constituição: sim, pode.
O que me impressiona, no entanto, é como esse debate tem sido conduzido, por vezes, com um viés de idolatria ou demonização como se os ministros fossem intocáveis ou, por outro lado, alvos políticos permanentes. Nem uma coisa, nem outra. O que existe e precisa ser respeitado é o devido processo legal. E nesse ponto, vale a pena olhar com mais atenção para o que diz a própria Carta Magna e a legislação infraconstitucional.
O artigo 52, inciso II da Constituição Federal determina que cabe ao Senado Federal processar e julgar ministros do STF nos crimes de responsabilidade. Esse julgamento é de natureza política, sim, mas está submetido a um rito jurídico bem definido, que evita justamente que paixões momentâneas se sobreponham à institucionalidade.
A Lei 1.079/1950, que trata dos crimes de responsabilidade, especifica quais condutas podem configurar motivo para afastamento. O rol é claro: exercer atividade político-partidária, julgar causas em que seja suspeito, usar o cargo para benefício próprio ou de terceiros, alterar decisões fora dos meios legais, ou agir de forma incompatível com a dignidade da função.
Se qualquer cidadão pode apresentar uma denúncia ao Senado, é também o Senado quem analisa, com responsabilidade, a admissibilidade da acusação. E aqui entra um ponto-chave: não existe prazo para que o presidente do Senado aprecie esse tipo de denúncia. É o que, na prática, confere à Presidência da Casa um poder de blindagem ou de aceleração do processo e isso deve ser objeto permanente de escrutínio da sociedade civil e da imprensa.
Uma vez aceita, a denúncia segue para uma comissão especial. Se aprovada, vai ao plenário do Senado, onde uma maioria simples pode afastar cautelarmente o ministro do cargo. O julgamento final exige dois terços dos senadores 54 votos para a condenação definitiva e perda da função.
Vale lembrar que, desde a redemocratização, nenhum ministro do STF foi efetivamente processado até o final dentro desse rito. Mas isso não significa que o instrumento seja inócuo. Ele está previsto para ser usado quando necessário, e não quando conveniente. A Constituição não é uma carta de intenções é um pacto institucional.
O Supremo Tribunal Federal tem papel essencial na sustentação da democracia, mas seus membros não estão nem devem estar acima da Constituição. O sistema foi desenhado para equilibrar poderes, e não para criar castas inatingíveis.
Vitaliciedade não é impunidade. E autoridade não é autoritarismo.
Em tempos de polarização e discursos inflamados, é justamente na lei que devemos nos apoiar. Porque só o respeito às regras do jogo nos protege da tentação de rasgar o tabuleiro.
Elias Tavares é cientista político, com pós-graduação em marketing eleitoral e formação em gestão de partidos políticos.
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