A primeira viagem internacional de Donald Trump, em seu segundo mandato, foi carregada de simbolismo, a começar pela escolha dos destinos, três nações do Golfo Pérsico: Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos. A exclusão de Israel, principal aliado dos EUA no Oriente Médio, não passou despercebida e parece refletir o crescente desgaste na relação entre o presidente norte-americano e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Ainda assim, Trump tinha motivos de sobra para priorizar as três potências petrolíferas.
Na primeira parada, em Riad, Trump e o príncipe saudita Mohammed bin Salman ratificaram um acordo de vendas na área de defesa de 142 bilhões de dólares, “o maior da história”, envolvendo equipamentos de guerra de última geração, fornecidos por mais de uma dezena de empresas norte-americanas.
O pacote de investimentos é ainda mais ambicioso: ao todo, a Arábia Saudita deve injetar 600 bilhões de dólares na economia dos EUA. Em troca, um pequeno gesto de boa vontade. A pedido de Bin Salman e do presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, Trump anunciou a retirada das sanções impostas à Síria – hoje governada por Ahmad al-Sharaa, que ainda consta na lista de terroristas da própria Casa Branca. “Ah, o que eu faço pelo príncipe herdeiro!”, brincou o presidente norte-americano, durante um fórum com investidores sauditas.
“Trump é um presidente transacional. Ele entende que, para obter benefícios, precisa entregar algo em troca. E garantir estabilidade na Síria é uma prioridade para os países do Golfo, eles não querem outro Iraque”, avalia Mouin Rabbani, analista do International Crisis Group. Essas mesmas nações também são entusiastas de um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos. Ao despedir-se de Trump, o príncipe Faisal bin Farhan al Saud, ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, declarou firme apoio às negociações entre Washington e Teerã.
O próprio Trump define seu “transacionalismo” como uma alternativa tanto ao intervencionismo neoconservador de colegas republicanos quanto ao internacionalismo liberal de seus rivais democratas. Evidentemente, também procura conciliar a agenda pública à privada. Sua visita ao Golfo atende, inclusive, a interesses comerciais próprios: as Organizações Trump mantêm projetos imobiliários de luxo no Catar.
O acordo pode ser uma primeira demonstração de sua sui generis forma de manobrar politicamente, já que Trump firmou os compromissos com os sauditas sem condicioná-los à normalização das relações com o governo israelense. Por ora, ele separa essas frentes na política externa, deixando momentaneamente em segundo plano a aliança com Israel na colonização do território palestino.
De toda forma, o objetivo final ainda é atrair o governo de Bin Salman para os Acordos de Abraão, com vistas ao restabelecimento das relações diplomáticas entre países árabes e Tel-Aviv – atualmente, apenas Bahrein, Marrocos, Emirados Árabes e Sudão são signatários. “Será um dia muito especial para o Oriente Médio quando a Arábia Saudita se juntar a nós”, disse Trump. “Acredito que será algo realmente especial, mas acontecerá no seu tempo.”
A Arábia Saudita pretende injetar 600 bilhões de dólares na economia norte-americana
O principal entrave ao “sonho” trumpiano é o contínuo massacre na Faixa de Gaza, que recolocou a questão palestina no centro das dinâmicas regionais. Enquanto o convescote diplomático se desenrolava nos países do Golfo, a ofensiva israelense seguia provocando um rastro de destruição. Na terça-feira 13, enquanto Trump e Bin Salman trocavam afagos em Riad, e o enviado especial para o Oriente Médio, Steve Witkoff, já estava em Doha (Catar), tentando mediar um acordo de cessar-fogo, Israel realizou um dos ataques mais violentos de 2025. No dia seguinte, autoridades locais de Gaza falavam em ao menos 70 mortos.
O mais recente relatório das Nações Unidas sobre a catástrofe em Gaza, divulgado em 7 de maio, aponta que em outubro de 2023 mais de 52,6 mil palestinos foram mortos desde o início da ofensiva israelense, incluindo 15,6 mil crianças. Cerca de 70% do território está classificado como zona militar israelense ou sob ordens de evacuação. Em muitos casos, ambas as condições coexistem. A escalada da fome é uma das principais preocupações: 91% dos 2,1 milhões de palestinos enfrentam insegurança alimentar moderada e 345 mil – cerca de 16% da população – estão sob perigo extremo. “As crianças de Gaza enfrentam um risco crescente de fome, doenças e morte”, alerta o Unicef, que informou o fechamento de um terço das cozinhas comunitárias apoiadas pela ONU nos últimos dez dias, devido à escassez de alimentos e de combustível.
Embora Trump dê suporte às ações de Israel em Gaza, seu governo ofereceu um grande acontecimento logo antes da decolagem do avião presidencial. No domingo 11, Washington e o Hamas iniciaram negociações por um cessar-fogo. O primeiro gesto do lado palestino foi a libertação de Edan Alexander, um soldado estadunidense-israelense de 21 anos, que estava havia mais de 500 dias sob cativeiro.
O acordo não é relevante apenas pela libertação do refém, mas porque deixou o governo de Netanyahu às cegas. No mesmo dia, o próprio Trump anunciou o avanço e agradeceu “a todos os envolvidos em fazer essa notícia monumental acontecer”. Ele incluiu, nos elogios, Catar e Egito, mediadores das conversas indiretas com o Hamas. “Tenho esperança de que este seja o primeiro dos passos finais necessários para acabar com este conflito brutal.”
O próprio Hamas antecipou o acontecimento. À Reuters, um oficial palestino afirmou que o grupo havia iniciado conversas com os EUA para instituir um cessar-fogo e pôr fim ao bloqueio israelense à entrada de ajuda e suprimentos. A proposta caminhava na contramão do plano revelado por Tel-Aviv na semana anterior, que previa a conquista permanente de território em Gaza e a expulsão de milhões de pessoas para um enclave de concentração no sul – entre a Linha Morag e o Corredor Filadélfia –, e de lá para fora da Palestina.
“As relações entre EUA e Israel estão claramente em um momento de impasse, ainda que agora eu não a chame de crise”, afirma Rabbani a Carta Capital. “Israel, ao contrário dos Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (Bahrein, Arábia Saudita, Kuwait, Omã e Emirados Árabes), não tem nada a oferecer a Washington, não paga pelas armas que recebe e, além de tudo, exige que os EUA avancem em uma guerra contra o Iêmen e o Irã.” •
Publicado na edição n° 1362 de CartaCapital, em 21 de maio de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Negócios à parte’