A política nos Estados Unidos é tradicionalmente violenta. Ao longo da história do país, quatro presidentes foram assassinados. Ao todo, nove mandatários ou ex-mandatários tornaram-se alvos de atiradores. No sábado 13, durante um comício na Pensilvânia, Donald Trump entrou para esse grupo. A bala disparada de um rifle popular nas lojas de armas roçou a orelha do republicano, matou um bombeiro presente no evento com a família e feriu outros dois eleitores. Ainda não está clara a motivação de Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, jovem tímido sem histórico de militância política, apesar de filiado ao partido de Trump e de ter doado 15 dólares a uma causa progressista em 2021. Morto pelos seguranças, Crooks levou seu ímpeto para o túmulo.

Também é incerto o efeito do atentado sobre a dinâmica eleitoral. Pesquisa do instituto Ipsos realizada nos três dias posteriores ao episódio na Pensilvânia aponta um empate técnico entre Trump, 43%, e o atual presidente e candidato à reeleição, Joe Biden, 41%.

A margem de erro é de 3 pontos porcentuais. O resultado está em linha com outros dois levantamentos quase simultâneos. Na enquete da Fox News, a vantagem do ex-presidente é ainda menor: 49% a 48%. Os dados da CBS apontam 50% a 48%. Nada diferente dos últimos meses. De qualquer maneira, o republicano não só ganhou a oportunidade de explorar uma das fotografias mais icônicas de uma campanha norte-americana há décadas – rosto ensanguentado, punho cerrado, como um herói invulnerável –, mas tem a chance de modular o discurso, pregar a união nacional e diminuir a resistência de parte do eleitorado que o considera um perigo à democracia. Veremos se uma imagem vale mais que mil palavras. Mais: saberemos se a concorrência será capaz de enfrentar um mártir.

As primeiras pesquisas pós-ataque não captaram nenhuma alteração significativa na corrida presidencial

Não por menos, em um intervalo de dois dias, Biden fez quatro pronunciamentos oficiais e concedeu uma entrevista a respeito. Na segunda-feira 16, o presidente, ao vivo na rede de televisão NBC News, pediu desculpas por ter dito que era hora de colocar o adversário no “alvo”. “Quis dizer focar nele, focar no que ele está fazendo. Concentrar-se em suas políticas, concentrar-se no número de mentiras que ele contou no debate”, justificou. O democrata lembrou, no entanto, os ataques a políticos do seu partido, entre eles a agressão ao marido da ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi, tratada como chacota por Trump e filhos. “A violência nunca foi a resposta, seja com integrantes do Congresso de ambas as legendas sendo alvos do tiro, ou uma multidão violenta atacando o Capitólio em 6 de janeiro (…) não há lugar na América para esse tipo de violência ou para qualquer violência. Ponto final. Sem exceções. Não podemos permitir que essa violência seja normalizada. Nós debatemos e discordamos. O poder de mudar a América deve sempre estar nas mãos do povo, não nas mãos de um assassino em potencial”, acrescentou.

Horas após o ataque, em relato na rede social Truth Social, Trump disse que uma bala havia perfurado a parte superior de sua orelha direita. “Soube imediatamente que algo estava errado, pois ouvi um som de assobio, tiros e imediatamente senti a bala rasgando a pele. Houve muito sangramento, então eu percebi o que estava acontecendo.” Vinda de quem veio, de um político que faz do discurso do ódio um estilo de vida e um trunfo eleitoral, a surpresa diante da violência convence menos. “É incrível que um ato como esse possa ter lugar no nosso país”, declarou.

Barack Obama foi o primeiro democrata a prestar solidariedade ao ex-presidente, antes mesmo de Biden, que telefonou para Trump ainda no sábado 13. Ao candidato presidencial independente Robert Kennedy Jr., Trump descreveu o telefonema com o adversário. “Ele é interessante, ele foi muito legal, na verdade. Ele me ligou e perguntou: ‘Como você escolheu mover-se para a direita?’.” Na ligação com Kennedy Jr., o ex-presidente confessou ainda ter ficado surpreso por ter sido baleado por um AR-15, rifle de uso militar cuja venda a civis Biden tenta, sem sucesso, restringir.

Em entrevista a caminho de Milwaukee, Trump disse que planejava transmitir uma mensagem de união. “O discurso que eu ia fazer na quinta-feira seria um sucesso, mas, sinceramente, vai ser um discurso totalmente diferente agora. É uma chance de unir o país. Essa chance me foi dada”, afirmou. Ele também lembrou do comportamento do público presente no comício durante o atentado. “A energia vinda das pessoas ali naquele momento, elas simplesmente ficaram ali. É difícil descrever como foi a sensação, mas eu sabia que o mundo estava olhando. Eu sabia que a história julgaria isso.”

Conscientes de que qualquer palavra ou ato fora do tom pode colocar em risco a chance de eleição de Trump, os gerentes da campanha republicana elaboraram um memorando após o atentado. O documento pede prudência a toda equipe em qualquer manifestação pública e solicita distanciamento de “retóricas perigosas e controversas” nas redes sociais. “Condenamos todas as formas de violência e não toleraremos retórica perigosa nas mídias sociais”, diz o texto.

Biden continua a resistir aos apelos para desistir da reeleição

Sobreviver ao atentado não foi a única vitória de Trump na semana. Em decisão surpreendente, a juíza Aileen M. Cannon, nomeada pelo republicano em 2019, rejeitou as acusações contra o ex-presidente no caso dos documentos confidenciais surrupiados dos arquivos presidenciais e escondidos em Mar-a-Lago. O parecer, tornado público na segunda-feira 15, apega-se a um detalhe formal do processo: a nomeação do promotor Jack Smith como conselheiro especial teria sido imprópria por não se basear em um estatuto federal específico e por ele não ter sido nomeado pela Casa Branca ou confirmado pelo Senado. O gabinete da promotoria promete apelar da decisão.

Até lá Trump segue embalado pela superexposição. No primeiro dia da convenção republicana em Milwaukee, o empresário foi confirmado como candidato do partido e anunciou o vice na chapa, o senador J.D. Vance, de 39 anos. Autor do livro de memórias Hillbilly Elegy, Elegia Caipira em tradução literal, mas lançado no Brasil com o cafona título de Era Uma Vez Um Sonho, best seller que supostamente interpreta a América branca, profunda e ressentida, Vance passou de crítico do ex-presidente, a quem chamou no passado de “Hitler”, a um minion ávido por ser moldado à imagem e semelhança do chefe. A escolha, calculam os estrategistas da legenda, aumenta a chance de Trump em três estados decisivos, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Em 2016, quando foi eleito, o republicano venceu nos três estados. Em 2020, perdeu para Biden em todos.

Vance, afirmou o cabeça de chapa, “teve uma carreira empresarial de muito sucesso em tecnologia e finanças, e agora, durante a campanha, estará fortemente focado nas pessoas pelas quais ele lutou tão brilhantemente, os trabalhadores e agricultores americanos na Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Ohio, Minnesota e muito além”. Filho dos Apalaches, o senador é casado e tem três filhos. Cresceu em um bairro pobre da classe operária em Ohio e concorreu ao primeiro cargo eletivo em 2022. Tornou-se uma das vozes antiaborto mais histriônicas no Senado, aonde chegou em 2023. O ex-presidente, não é segredo, odeia os críticos, mas não resiste a histórias de redenção. Quando Trump entrou na cena política, em 2016, Vance o classificou de “opioide das massas”, além de compará-lo a Hitler. Desde então, foram incontáveis os pedidos públicos de desculpas. O senador justifica: foi manipulado pela mídia.

Conversão. Antigo crítico, o senador Vance abraçou a “religião trumpista” e levou a vaga de vice – Imagem: Gage Skidmore

Ao contrário de Marco Rubio, senador pela Flórida e chamariz para eleitores latinos, ou do governador Doug Burgum, de Dakota do Norte, badalado entre empresários, Vance abre a Trump um novo canal de diálogo com a classe trabalhadora. Ao escolhê-lo, o ex-presidente não só unge um “São Paulo trumpista”. Também garante o controle futuro do partido, transformado em uma espécie de extensão do conglomerado empresarial-ideológico do homem do topete.

Com o adversário a ocupar todos os holofotes, Biden teve, ao menos, dias de trégua. A maioria dos eleitores e dos aliados esqueceram por ora o desastroso debate na CNN em 27 de julho. Os apelos pela substituição do atual presidente por outro candidato, cada vez mais intensos entre correligionários, apoiadores e financiadores, ficaram em segundo plano. O democrata faz ouvidos moucos e, assim que a poeira do atentado baixar, espera do partido a confirmação oficial de seu nome. A vice-presidente, Kamala Harris, corre por fora, mas mantém a lealdade ao parceiro.

Após o anúncio da escolha por Vance, o coordenador da campanha de reeleição de Biden, Jen O’Malley Dillon, disse em um comunicado que o senador “fará o que Mike Pence não faria em 6 de janeiro, se dobrará para trás para permitir Trump e sua agenda extrema MAGA, mesmo que isso signifique quebrar a lei e não importa o dano ao povo americano”. É na questão do aborto que os democratas consideram, no entanto, ter maior vantagem, por ser essa uma das maiores vulnerabilidades do oponente, sobretudo ao escolher Vance para compor a chapa. Seja como for, todas as recentes reviravoltas da política norte

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Última Atualização: 18/07/2024