Não vamos falar somente do TikTok. O sistema de monitoramento dos EUA e sua rede social.
Por André Matheus
Uma das justificativas para o banimento do TikTok seria a coleta de dados realizada pela rede social em nome do partido comunista chinês. Mas você conhece a lei de inteligência dos EUA?
Como apontado pelo professor da Universidade do Arizona, Andrew K. Woods, em texto recente sobre a decisão da Suprema Corte dos EUA, a seção 702 da Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA) dos EUA permite que as agências de inteligência americanas, como a NSA e o FBI, coletem informações sobre estrangeiros fora do território dos EUA sem a necessidade de obter uma autorização judicial individualizada. Essa coleta tem como objetivo principal investigar ameaças à segurança nacional, incluindo terrorismo e espionagem.
Redes sociais e a FISA
Empresas de tecnologia e redes sociais, como Google, Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Microsoft e outras, têm obrigações de colaborar com pedidos feitos sob a FISA, incluindo a seção 702. Isso significa que essas plataformas podem ser legalmente obrigadas a fornecer dados de usuários estrangeiros (não cidadãos ou residentes legais dos EUA) quando solicitados pelas agências de inteligência.
Como isso funciona?
Processo de Coleta:
A coleta sob a seção 702 não exige um mandado individual. Em vez disso, as autoridades apresentam um programa de vigilância geral ao Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISC), que aprova as diretrizes para as operações.
Tipos de Dados Coletados:
• Conteúdo das comunicações (e-mails, mensagens privadas, chamadas por voz ou vídeo).
• Metadados (dados como quem se comunicou, quando e de onde).
Empresas Envolvidas:
Sob a seção 702, empresas de tecnologia e provedores de serviços de comunicação são obrigados a fornecer acesso a essas informações ou facilitar sua interceptação.
Implicações para as redes sociais
• Vigilância Global:
Usuários estrangeiros dessas plataformas estão potencialmente sujeitos à vigilância, mesmo sem estarem envolvidos em atividades ilícitas.
• Impactos na Privacidade:
As políticas de privacidade das empresas frequentemente mencionam que dados podem ser compartilhados com governos, mas nem sempre explicam a extensão das obrigações sob a FISA.
• Resistência e Transparência:
Algumas empresas de tecnologia têm tentado resistir ou pelo menos informar ao público sobre essas solicitações por meio de relatórios de transparência. No entanto, são frequentemente limitadas por ordens de sigilo. No entanto, com os recentes apoios dos principais CEOs das redes sociais dos Estados Unidos ao governo Trump, podemos depreender que essa resistência e transparência terá um fim.
Debate jurídico e ético
Organizações de direitos humanos argumentam que a FISA promove vigilância em massa e viola direitos fundamentais, como a privacidade e a liberdade de expressão.
Há questionamentos sobre o impacto desproporcional em jornalistas, ativistas e advogados internacionais que usam essas plataformas.
Por sua vez, em defesa da prática, o governo dos EUA justifica a FISA como essencial para combater ameaças globais e proteger a segurança nacional. A FISA 702 é renovada periodicamente pelo Congresso dos EUA. Diversos movimentos pedem maior transparência e limitações no escopo das operações realizadas sob essa legislação, no entanto, o argumento der segurança nacional prevalece.
Dessa forma, a coleta de dados por redes sociais a serviço de governos se aplicam ao Estados Unidos, onde a ingerência e capilaridade do sistema de inteligência tem alcance global. Novamente, se evidência o uso do direito como arma de guerra para causar impactos econômicos e geopolíticos no adversário, o que os Estados Unidos fazem muito bem.
André Luiz de Carvalho Matheus é vice-presidente da Comissão Especial de Estudos e Combate ao Lawfare da OAB/RJ, doutorando em direito (PUC-RIO), mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), advogado com atuação em liberdade de expressão, litígio estratégico e direito penal.
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