A presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Dilma Rousseff, afirmou nesta terça-feira (20) que o mundo vive uma profunda transformação geopolítica, marcada pelo declínio da hegemonia norte-americana e pela ascensão de uma nova ordem multipolar. Nesse cenário, os BRICS ganham protagonismo como projeto político e econômico de reorganização global.
A declaração foi feita durante o seminário “BRICS no Brasil: perspectivas e desafios”, promovido pela Fundação Perseu Abramo em parceria com a Fundação Friedrich Ebert, em São Paulo, com participação remota de Dilma.
“O mundo não aceita mais uma única liderança. Não se trata de substituir os Estados Unidos por outro império, mas de estabelecer um sistema com mais equilíbrio, mais cooperação e menos imposição. Os BRICS não são apenas um grupo econômico. São um projeto de mundo multipolar, no qual o Sul Global tem voz e capacidade de ação”.
Na avaliação da ex-presidenta, essa transição multipolar não poderá ser contida por sanções, bloqueios ou barreiras comerciais, endurecidos recentemente pelos Estados Unidos. “As transformações são como água fluindo. Não dá para conter”.
Tanto que essa fluidez geopolítica, explica Dilma, se reflete na mudança de postura dos próprios EUA, que passaram a reduzir o apoio a bases no exterior e rever antigas alianças estratégicas.
“A retirada dos Estados Unidos de acordos e instituições multilaterais, como o Acordo de Paris e a Organização Mundial da Saúde, evidencia um desprezo deliberado por algumas das estruturas da ONU que historicamente sustentaram a Ordem Imperial Americana do pós-guerra”, ilistrou a ex-presidenta.
A crise interna dos EUA e a instabilidade do dólar
Ao analisar o sistema monetário internacional, Dilma apontou que o dólar, pilar da ordem econômica do pós-guerra, está hoje sob ameaça — ameaça que também não vem de fora, mas de dentro do próprio país norte-americano.
Desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2017, o dólar passou a ser visto com desconfiança inclusive por agentes de mercado. “Pela primeira vez, um presidente dos Estados Unidos defendeu abertamente a desvalorização do dólar, dizendo que ele estava forte demais e prejudicava a indústria americana”, lembrou Dilma, citando o episódio das tarifas comerciais contra a China.
Naquele período, os mercados reagiram com alta nas taxas dos títulos do Tesouro e queda do dólar — um comportamento típico de economias emergentes. “Parecia que os Estados Unidos estavam sendo tratados como uma economia do Sul Global”, comparou.
Ela também mencionou uma declaração de Stephen Moore, conselheiro econômico de Trump, que chegou a afirmar que “o capitalismo é muito mais importante do que a democracia”. Segundo Dilma, “Isso mostra a contradição: querem ter a moeda hegemônica do mundo, mas sem arcar com os custos de ser um império. Isso não é viável”.
A resposta chinesa: autonomia estratégica e inovação
Dilma também dedicou parte de sua fala à reação chinesa diante das ofensivas dos EUA, que não são novidade. Por isso, desde o primeiro mandato de Trump, a China passou a adotar uma estratégia de independência tecnológica e fortalecimento de sua indústria de ponta.
“A China começou a se organizar para ser resiliente. E, quando um país como a China se organiza, ele consegue. Não é apenas uma questão de vontade política, é de capacidade de execução”.
A ex-presidenta destacou os investimentos chineses em áreas como semicondutores, veículos elétricos, energia fotovoltaica, biotecnologia e inteligência artificial. Como exemplo, citou o lançamento recente do DeepSeek, um modelo de IA chinês de código aberto, que, segundo ela, custa “quase nada” comparado aos sistemas desenvolvidos nos EUA.
“É um movimento forte de substituição de software, porque eles sabem que não vão conseguir ter acesso à produção de certos hardwares devido aos bloqueios americanos”.
Hoje, apenas 15% das exportações chinesas vão para os EUA, enquanto a presença global da China cresce por meio de investimentos em infraestrutura, trens, usinas e carros elétricos. “Eles estão fazendo o que os países do Sul precisam fazer: ter autonomia estratégica para não serem reféns das sanções ou da volatilidade do dólar”, afirmou a presidente do NDB.
O potencial dos BRICS ampliados
Diante desse novo cenário, Dilma defendeu a ampliação do bloco como uma resposta concreta à multipolaridade em curso. “Somos agora Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Indonésia, Irã e os cinco fundadores. Isso representa 45% da população mundial, mais de 40% do PIB global em paridade de poder de compra. E vai crescer”, afirmou.
À frente do NDB desde 2023, Dilma sublinhou que o banco opera com uma lógica distinta das instituições tradicionais, como FMI e Banco Mundial. “Não temos poder de veto. E, mais importante, não impomos condicionalidades. Não queremos interferir na política econômica de nenhum país.”
Um dos pilares do banco, inclusive, é financiar projetos em moedas locais. “É impossível tomar dinheiro em moeda forte e pagar em moeda fraca. Isso torna qualquer projeto inviável. Vários países estão desenvolvendo seus próprios sistemas de pagamento internacional, alguns mais modernos e eficientes que o SWIFT”, disse.
Para Dilma Rousseff, o futuro não está em uma nova hegemonia, mas no equilíbrio entre diferentes polos de poder. “O mundo está mudando. E os BRICS são parte ativa dessa mudança”.
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