Diante da ação do Eixo da Resistência no Oriente Médio, que luta pela libertação de diversos países do sionismo e do imperialismo, a esquerda pequeno-burguesa tem dificuldade de se posicionar. De um lado, a defesa da Palestina é obrigatória para a esquerda, no entanto, isso leva a uma defesa do Irã, do Hesbolá e do Hamas, algo inaceitável para o imperialismo. E a esquerda pequeno-burguesa, então, cria a tese do Irã reacionário, é o caso do texto O Aiatolá Não Libertará a Palestina, mas os Trabalhadores do Oriente Médio Podem, publicado no Left Voice por Samuel Karlin.
O gancho do ataque ao Irã é a morte do presidente Ebraim Raisi. Ele, então, expõe sua tese, de que o Irã estaria defendendo a Palestina por demagogia: “o movimento pela Palestina abalou as bases da política internacional, inspirou jovens em países imperialistas a se levantarem e sempre ocupou um lugar importante no coração das pessoas em todo o Oriente Médio, que veem na Palestina suas próprias lutas contra a dominação imperialista. A ideia defendida por alguns no movimento de que a morte de Raisi é a perda de um suposto campeão anti-imperialista da causa palestina mostra como o regime iraniano está usando o movimento justo contra o genocídio apoiado pelos EUA em Gaza para consolidar sua influência ideológica sobre as pessoas que lutam pela libertação palestina”.
O interessante é que, no Oriente Médio, todos os países dizem defender a Palestina, é bem fácil distinguir os demagogos dos que realmente defendem. O Irã, por exemplo, é o país que é atacado por “Israel” constantemente. O motivo? A defesa da Palestina. O Irã arma todos os grupos que atacam “Israel”, inclusive, ao que tudo indica, o Hamas. O Irã bombardeou “Israel” em abril. O Irã articulou o Eixo da Resistência que tem como foco a destruição de “Israel”. São todas políticas muito concretas e o imperialismo e “Israel” compreendem isso muito bem. A Left Voice, no entanto, finge que isso não é uma realidade.
O artigo ao menos afirma que é preciso defender as nações oprimidas pelo imperialismo, inclusive o Irã. Mas faz uma ressalva: “é um erro acreditar que o Irã e os grupos que compõem seu Eixo da Resistência se envolvem em ações militares por qualquer motivo além de avançar sua própria emergência como um bloco capitalista rival — com o Irã no centro — dentro do próprio sistema de imperialismo que está na raiz da opressão da Palestina”.
Essa tese é absurda. Todo movimento de libertação nacional que não é dirigido por um grupo marxista quer criar um país capitalista, é natural. Desenvolver o país por meio do capitalismo sem a opressão do imperialismo. O antigo Fatá e o Hamas não eram socialistas, ou seja, libertariam a Palestina sob um sistema econômico capitalista. Mas toda luta de libertação nacional deve ser apoiada pela esquerda.
Já a tese do bloco capitalista rival é absurda. Se com a China e com a Rússia, que são países grandes, isso não é um fato, quem dirá com o Irã. O imperialismo é uma força de dominação mundial dos países de capitalismo desenvolvido. O Irã está muito longe de estar próximo dessa realidade. A questão é que o imperialismo está fraco e alguns países oprimidos se fortaleceram, o que colocou a dominação mundial em xeque.
Um ataque a Revolução Iraniana
Para manter sua crítica ao Eixo da Resistência, o artigo tenta argumentar que a Revolução Iraniana, na verdade, foi derrotada pelo aiatolá Khomeini: “a imensa rebelião da classe trabalhadora seria esmagada por uma contrarrevolução implacável. A ala direita da revolução, o movimento xiita liderado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, iria massacrar trabalhadores e tomar o poder. Este movimento era composto pela classe média tradicional e pelos setores da pequena burguesia do país que buscavam manter seus próprios privilégios econômicos que haviam sido atacados pelas políticas econômicas pró-imperialistas do Xá. Khomeini consolidaria seu poder massacrando as forças mais seculares, comunistas e da classe trabalhadora da revolução. Os Estados Unidos, também temendo o poder dos ‘shoras’, ajudaram Khomeini a consolidar o poder alimentando a Guerra Irã-Iraque, armando ambos os lados do conflito. Isso permitiu a Khomeini justificar sua repressão implacável às facções mais revolucionárias sob o pretexto de unidade em tempos de guerra”.
Aqui, fica claro a incompreensão total sobre o processo revolucionário do Irã. A classe operária fez a revolução de fato, mas não havia outra direção que não os clérigos xiitas. Eles, na verdade, se mostraram uma grande força revolucionária, pois nenhum outro setor se mostrou disposto a derrubar o regime pró-imperialista do Xá. Os operários aderiram ao novo regime, pois o aiatolá era de fato uma liderança da luta contra o imperialismo. Ele não era a ala direita da revolução, mas sim a sua ala esquerda, a única que se organizou para derrubar o governo e proclamou a república. Khomeini não atacou revolucionários seculares, reprimiu a contra revolução como qualquer revolucionário faria.
Mas ainda pior é a tese da guerra do Iraque. O imperialismo usou Sadam Hussein para esmagar a revolução iraniana. Foi uma guerra por procuração para acabar com o regime nacionalista. Com base nesse argumento, o imperialismo ajuda todos os países que ele oprime, pois garante o argumento da unidade contra o imperialismo. O país apoiado pelo imperialismo nunca é vítima de uma guerra que as armas são fornecidas pelo próprio imperialismo.
Partindo da tese de que o regime do Irã é reacionário desde o seu surgimento, eles concluem que o Eixo da Resistência também é reacionário: “embora o Eixo da Resistência seja frequentemente retratado como uma aliança anti-imperialista, é essencial entender que ele serve principalmente aos interesses do regime iraniano. O apoio do Irã a esses grupos é uma forma de projetar seu poder e proteger seus próprios interesses estratégicos na região. A retórica anti-imperialista é usada para ganhar apoio popular, mas as ações do Irã são guiadas por seus próprios objetivos de poder e influência”.
Aqui, ele expressa a tese do imperialismo de que o Irã, na verdade, não é aliado na luta contra o imperialismo. Mas fato é que a libertação dos países da região é algo positivo para o Irã. Não importa qual é o interesse final dos iranianos, na prática, eles são aliados na luta contra o imperialismo. E, no fim, eles compreendem muito bem que a sua política contra os EUA deve ser internacional. Além disso, não há uma postura de dominação dos outros países, por exemplo, eles deram a tecnologia de produção de armas para o Iêmen, não é uma política de quem deseja criar um vassalo.
Seu argumento final mostra mais uma vez seu erro: “o Eixo da Resistência, enquanto se apresenta como defensor da causa palestina, é na verdade um instrumento do Irã para avançar seus próprios interesses geopolíticos. A luta contra o imperialismo e pela libertação palestina é uma causa justa e urgente, mas não pode ser confundida com os objetivos do regime iraniano. É crucial que o movimento pela Palestina mantenha sua independência e busque alianças baseadas na solidariedade de classe, e não em alianças com regimes que têm seus próprios interesses hegemônicos”.
O governo do Irã tem como principal inimigo no Oriente Médio o Estado de “Israel”. Ou seja, é um interesse real do Irã o fim de “Israel” e a libertação da Palestina. Sendo assim, a causa palestina, independente de ser por motivos nobres ou “egoístas” é um objetivo real do Irã. Na política, o que importa não é a ideologia e sim as forças políticas que atuam. O Irã atua pela expulsão do imperialismo em toda a região do Oriente Médio, nesse sentido, é um aliado de todos os povos do mundo, não só dos palestinos.