Nos últimos dias, uma nota assinada por organizações e membros da esquerda pequeno-burguesa, intitulada “Chega de chacina! Investigação e punição já!”, dirigida ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Ministro da Justiça Ricardo Lewandowski e à Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, denuncia a continuidade das chacinas no Brasil e busca apontar soluções para o problema.
“O que há em comum entre São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia é a impunidade.
Em São Paulo, o Ministério Público mandou arquivar 23 das 27 investigações sobre as mortes cometidas pela PM na Operação Escudo. O governador Tarcísio de Freitas defendeu a operação e deu a ela todo apoio e suporte. No Rio, inquéritos foram arquivados, sem nenhuma resposta à barbárie.”
Essa caracterização é importante para os argumentos que virão logo a seguir:
“A desmilitarização da polícia e o fim da tutela militar são fundamentais no combate pela vida da população. A polícia funciona como uma máquina de guerra contra o povo. É da sua natureza institucional militarizada estar em guerra em todo o território nacional, principalmente, nas periferias.”
Aqui temos uma incoerência flagrante. O texto acaba de afirmar que as instituições civis são coniventes com as chacinas. Que sentido há em falar em desmilitarização da polícia?
A polícia funciona como uma máquina de guerra contra o povo, e se acabamos de denunciar as instituições civis que deveriam exercer controle sobre ela, em que muda uma suposta desmilitarização da mesma?
Subjacente à discussão, de passagem, afirmam sobre a polícia militar que é da sua “natureza institucional militarizada estar em guerra”, uma falácia. É da natureza da atividade policial ostensiva estar em guerra contra a população.
Nesse sentido, em caso de ocupação de um prédio vazio, é a polícia, a serviço da especulação imobiliária, quem irá retirar as pessoas — com ou sem ordem judicial. Em caso de ocupação de terra improdutiva por camponeses, para trabalhar, é a polícia — em serviço ou fora dele, na pistolagem —, a serviço do latifúndio ou da especulação fundiária, quem irá remover essas pessoas.
A desmilitarização, portanto, é uma fantasia, e temos o exemplo da polícia civil, das guardas municipais, e da polícia federal para demonstrar isso.
Deixar de punir os crimes e excessos praticados pela polícia é uma sinalização dos governos dos estados para continuação da barbárie. Por isso viemos, por meio desta, exigir a federalização da investigação dos crimes da polícia.
E a instância federal se diferenciaria das demais por que motivo? A colocação da nota pressupõe a presença de um poder local a garantir a violência policial, de forma semelhante ao coronelismo, mas não é o caso. A polícia, e as polícias, são uma questão diferente. Atuam como linha principal do aparato repressivo do Estado, da burguesia. Atuam como máquina de guerra contra o povo, com a anuência de todo o aparato institucional, e destacadamente do Judiciário.
Basta observar que para efetivar o golpe de 2016, aprovaram a condenação antes do trânsito em julgado, o que levou a mais de 100 mil prisões do mesmo público: negros, jovens. A nota é uma fantasia, e tem por objetivo iludir os setores que buscam se opor à violência policial. A luta política contra a violência policial, então, deve ser uma luta pelo fim das polícias e pelo armamento da população, para que possa se defender da violência estatal.