O sociólogo e assessor parlamentar Marcelo Zero publicou um artigo no portal Brasil 247 intitulado Ser pequeno é o pior negócio, com uma curiosa análise sobre a política internacional, particularmente as tendências a uma guerra de grandes proporções que se avizinha. Diz o autor:
“Numa demonstração vergonhosa de subalternidade canina, o Secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, afirmou a Trump que: ‘Você está alcançando mais um grande sucesso em Haia esta noite’. ‘A Europa vai pagar em GRANDE escala, como deveria, e a vitória será de você’. ‘Você vai conseguir algo que nenhum presidente americano conseguiu em décadas.’
Foi dessa forma, num, digamos assim, transbordamento de efusiva bajulação, que o minúsculo Rutte comemorou a genuflexão da Europa ante a exigência de Trump de que esse outrora orgulhoso continente passe a investir 5% do seu PIB para manter a obsoleta e inútil Otan e a já perdida guerra da Ucrânia.”
O primeiro erro de Zero é considerar de maneira superficial o conflito aberto na política internacional. No momento em que o imperialismo se prepara para uma grande guerra contra Rússia, Irã e China, o reforço orçamentário a seu braço armado, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), torna totalmente fora da realidade a caracterização do secretário-geral da aliança militar imperialista Mark Rutte, como um bajulador trumpista. Finalmente, dado a sua função, Rutte teria de ser louco se não comemorasse o aumento de despesas militares do imperialismo europeu.
Se não podemos dizer que Rutte é louco, Zero brinda o leitor com uma pérola, ao concluir que a OTAN é “obsoleta e inútil”. Ora, para tratá-la como obsoleta, seria preciso demonstrar que os EUA e a União Europeia desenvolveram um mecanismo mais eficaz de manter os países atrasados sobre controle, como fizeram no Iraque, no Afeganistão, na antiga Iugoslávia e agora na Ucrânia.
Esse pequeno histórico já demonstra também a falência do argumento de que a aliança militar seria “inútil”. Pode ser para os sonhos hippies de Zero, mas certamente não é a para a ditadura mundial, de modo que o autor também se equivoca quando caracteriza o episódio como uma demonstração da submissão europeia aos EUA. Não é a Europa está se “apequinando”, mas a política imperialista que está se engrandecendo.
O imperialismo é uma máfia que não respeita fronteiras e não se limita aos países em si, embora seja um fenômeno com bases principais nos países desenvolvidos, nomeadamente, os Estados Unidos, a Europa e o Japão. Trata-se de um setor da burguesia ultra desenvolvido para os padrões do capitalismo e que atua em todo o globo terrestre, porém se encontra em uma crise de morte.
Seus articuladores perceberam a gravidade do momento e já colocaram em marcha um plano dedicado a reforçar seu terror contra a humanidade, reforçar sua ditadura contra os povos oprimidos, com uma grande guerra contra os países atrasados. É isso que reage Rutte.
O autor lembre que a “Europa passa por crise econômica e energética séria” e que “a outrora poderosa indústria alemã, principalmente a automotiva, enfrenta gargalos de monta”, porém desconsidera que foi o próprio imperialismo que escolheu por jogar na fogueira a economia europeia, inclusive a Alemanha, em nome da ofensiva contra a Rússia, considerada prioritária para os monopólios. Mais importante, como se vê, do que a saúde da economia europeia.
Isso precisa ser considerado porque a crise europeia identificada por Zero não é um fenômeno misterioso, mas resultado de um cálculo. Alheio a tudo isso, o autor atribui, no final, as inclinações belicistas do mundo a uma vitória de Trump:
“‘Papai’ Trump ficou muito envaidecido com a vitória sobre os subalternos e, mais ainda, com a demonstração pública de submissão pessoal e geopolítica. Algo nauseante, provavelmente só emulado quando Bolsonaro prestou continência à bandeira estadunidense.”
Onde ficam as tentativas frustradas de Trump de por um fim aos principais conflitos do momento, na Ucrânia e na Palestina, é um mistério. O fato de um assessor parlamentar petista estar tão desorientado a ponto de perceber, por exemplo, que a política de Trump é a mesma de Lula em relação à Ucrânia e que por trás das fanfarronices que o caracterizam, o mandatário norte-americano também se mostrou um grande opositor da política sionista, até mais do que o próprio Lula se considerarmos a ação de Trump de tentar um cessar-fogo em Gaza, precisar ser forçado a bombardear o Iêmen e fazer um teatro para por fim aos ataques sionistas no Irã.
Tivesse a cabeça no lugar, Zero perceberia que existe uma força mais poderosa do que Trump, que força o presidente norte-americano a adotar políticas contrárias ao seu programa, que entre outras coisas, previa tirar os EUA do que chamou de “guerras eternas”, que só beneficiam o imperialismo, o setor da burguesia que conseguiu manter os governos europeus. E, lembremos, mantém sua marcha belicista que ameaça toda a humanidade.
Saber quem é o inimigo é um passo fundamental para se traçar uma política. O fato de Zero falhar ao identificar o inimigo corretamente é sintomático do quão perdida a esquerda está e consequentemente, da crise que vive o campo, que falha miseravelmente em se posicionar de maneira acertada diante das grandes catástrofes que o mundo já vive, entregando à extrema direita uma parte importante do proletariado que seria sua base natural.