Na Índia, Putin e Modi firmam acordos e exibem alinhamento frente aos EUA

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chegou nesta quinta-feira (4) a Nova Déli para uma visita de dois dias marcada pela assinatura de novos acordos econômicos e militares com a Índia, em meio à pressão do governo Donald Trump para que o país asiático reduza a compra de petróleo russo. É a primeira viagem de Putin ao país desde 2022, quando começou a guerra na Ucrânia.

No comunicado conjunto, os dois governos afirmaram que, “no atual cenário geopolítico complexo, tenso e incerto, os laços russo-indianos permanecem resilientes à pressão externa”, numa referência direta ao esforço de Washington para limitar a relação entre os dois membros do Brics.

Modi tratou a visita como demonstração pública de autonomia estratégica. Em discurso após a cúpula, descreveu a parceria bilateral como “uma estrela-guia” e afirmou que, “com base no respeito mútuo e na profunda confiança, essas relações sempre resistiram ao teste do tempo”. 

Putin devolveu o gesto ao elogiar a política externa indiana. “Sob a liderança do primeiro-ministro Modi, a Índia está perseguindo uma política soberana independente e ela obtém grandes resultados na economia”, disse.

A coreografia reforça uma mensagem que interessa aos dois lados. Para Moscou, trata-se de indicar que, apesar das sanções ocidentais e do indiciamento no Tribunal Penal Internacional, a Rússia não está isolada. 

Para Nova Délhi, que viveu anos de aproximação estratégica com os EUA, o objetivo é equilibrar relações sem se submeter às pressões de Trump.

Segundo análise ouvida pela DW, proferida pelo pesquisador Rajan Kumar, da Universidade Jawaharlal Nehru, “as políticas de Trump geraram uma perda de confiança em relação aos Estados Unidos e aumentaram a importância da Rússia” para a Índia. 

A avaliação converge com episódios recentes: o republicano impôs tarifas de 50% aos produtos indianos como resposta a compras de petróleo russo, movimento que incomodou Nova Délhi e acabou aproximando os dois parceiros históricos.

O encontro produziu uma dúzia de memorandos nos setores de energia, fertilizantes, indústria farmacêutica, infraestrutura, mídia e transporte marítimo. Modi anunciou que ambos definiram “um programa de cooperação econômica para o período até 2030”, que tornaria o comércio “mais diversificado, equilibrado e sustentável”.

A meta é ampliar o intercâmbio para US$100 bilhões até o fim da década e reduzir o desequilíbrio provocado pela alta dependência indiana de petróleo russo — que saltou de 2% antes da guerra para mais de 35% após 2022. 

Putin afirmou que não haverá mudanças no abastecimento à Índia e disse que “a Rússia continuará garantindo fornecimento ininterrupto de combustível”.

O russo também destacou a construção da maior usina nuclear da Índia, em Kudankulam, e anunciou uma fábrica conjunta de medicamentos anticâncer em Kaluga, sinalizando que Moscou busca diversificar a presença econômica indiana em seu território.

No setor militar, a Índia permanece como maior cliente de armas russas, embora venha ampliando a compra de equipamentos ocidentais nos últimos anos. 

A nova diretriz bilateral prevê um esforço para adaptar a cooperação a demandas de autossuficiência em defesa. Segundo o comunicado, haverá produção conjunta de peças, componentes, conjuntos e plataformas avançadas no território indiano, reduzindo dependências e ampliando capacidade tecnológica local.

Em entrevista à India Today, Putin disse que a parceria militar passa a ser orientada por pesquisa e desenvolvimento. 

“Em resposta às aspirações da Índia por autossuficiência, a parceria está agora sendo reorientada para pesquisa conjunta e desenvolvimento, assim como produção de plataformas avançadas de defesa”, disse.

Mesmo com limitações da indústria russa — pressionada pela guerra e por sanções que restringem materiais sensíveis — o Kremlin apresentou novos projetos, retomando a intenção de ampliar coproduções que já renderam resultados, como os caças Su-30 e o míssil BrahMos.

Tarifas de Trump e disputa energética empurram Índia para mais perto da Rússia

O pano de fundo da visita é a escalada tarifária e diplomática norte-americana. As sobretaxas impostas por Trump afetaram diretamente a economia indiana e provocaram reações de irritação no governo Modi. 

A Rússia aproveitou o momento para se apresentar como parceira estável — e, ao mesmo tempo, desafiar Washington.

Ao ser questionado sobre a pressão dos EUA para que Nova Délhi reduza as compras de petróleo, Putin ironizou o argumento norte-americano. 

“Se os EUA têm o direito de comprar nosso [combustível] nuclear, por que a Índia não deveria ter o mesmo privilégio?”, disse. 

A fala expõe o duplo padrão denunciado não só por Moscou, mas também por observa­dores do Sul Global diante do regime de sanções.

Imagem pública, mídia e disputa narrativa no Sul Global

Ao longo da visita, Nova Délhi reforçou a visibilidade do encontro com outdoors exibindo imagens dos dois líderes. Putin também aproveitou a passagem pela capital para lançar o RT India, braço indiano da emissora estatal russa. O presidente afirmou que o novo canal dará “a milhões de cidadãos indianos a oportunidade de saber mais sobre a realidade da Rússia”.

A recepção calorosa e a ampla cobertura local indicam que a Rússia preserva espaço significativo na opinião pública indiana — onde quase metade dos indianos têm visão favorável sobre o país, segundo o Pew Research Center.

Um vídeo satírico que viralizou na imprensa local mostra Modi dirigindo uma moto, com Putin no sidecar, até um posto de gasolina com bombas russas e americanas; no clipe, o indiano enche o tanque com combustível russo enquanto Trump protesta.

A caricatura traduz a leitura predominante em Nova Délhi: a Índia reafirma sua autonomia e não aceita condicionalidades. Como disse o ex-secretário de Exterior Kanwal Sibal, “Os EUA não podem ditar qual deve ser a política externa indiana. Precisamos nos adaptar e resistir.”

Rússia e Índia projetam seus lugares no tabuleiro reconfigurado

A visita de Putin é tanto uma peça de resistência frente às sanções ocidentais quanto um sinal ao Sul Global de que alianças tradicionais seguem vivas. Para Modi, o encontro ajuda a mostrar que sua política de “autonomia estratégica” não é slogan, mas prática: relaciona-se com Washington quando convém e reforça laços com Moscou quando necessário.

Em um ambiente de disputa crescente entre grandes potências, Rússia e Índia buscam margem de manobra. A leitura de Moscou é que o estreitamento com Nova Délhi reduz sua dependência da China. Para a Índia, trata-se de equilibrar pressões de Trump, evitar quarrelas com Pequim e reforçar seu papel de potência asiática de peso — econômica, demográfica e militarmente.

A frase escolhida por Modi resume o recado da visita: “A humanidade passou por muitos desafios, mas os laços entre Rússia e Índia têm sido como a Estrela do Norte.”

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