O Rio de Janeiro se tornou, de quarta (25) a sexta (27), o centro da batalha global contra a desinformação no Centro Cultural da FGV. A cidade sediou a 12ª edição do Global Fact, maior encontro internacional de checadores de fatos, promovido pela International Fact-Checking Network (IFCN), braço do Instituto Poynter.
A conferência reuniu jornalistas, pesquisadores, ativistas, líderes do Judiciário e representantes de plataformas digitais para debater os desafios éticos, tecnológicos e políticos do combate às fake news — termo que, segundo a diretora do IFCN, Angie Drobnic Holan, precisa ser compreendido como instrumento de manipulação e poder, e não apenas como mentira casual.
“Desinformação é um projeto político. E o trabalho de checagem de fatos se tornou essencial para proteger a democracia e os direitos das pessoas a informações confiáveis”, afirmou Angie Holan em entrevista durante o evento.
Comunidade global contra a mentira
Desde a primeira edição, realizada em Londres em 2014, o Global Fact criou uma rede de colaboração internacional, reunindo profissionais comprometidos com a precisão, a transparência e a responsabilidade na informação.
“No Rio, compartilhamos práticas, preocupações e inovações. A energia que levo dessa conferência é de união — de que é possível construir coletivamente um jornalismo mais ético e acessível, mesmo diante das incertezas”, afirmou Holan.
Entre os temas em destaque estiveram o avanço da inteligência artificial, o papel das big techs e os desafios da checagem em tempos de guerra.
Inteligência artificial: ameaça e ferramenta
Para a diretora da IFCN, o uso crescente da inteligência artificial (IA) em contextos de desinformação representa um dos maiores perigos à integridade informacional no mundo atual.
“A IA pode ser usada para produzir mentiras em escala industrial, com aparência de veracidade. Mas ela também pode nos ajudar a identificar conteúdos manipulados. O desafio é como regular seu uso sem censurar e como criar marcadores de autenticidade para que o público saiba em quem confiar”, alertou.
A conferência discutiu estratégias para o uso ético da IA por agências de checagem e a necessidade de ampliar a alfabetização midiática entre cidadãos, sobretudo entre os mais jovens.
Big techs no centro da crise
A atuação — ou omissão — das grandes plataformas digitais foi outro foco dos debates. Holan lembrou que, nos últimos meses, empresas como a Meta encerraram ou reduziram parcerias com agências de checagem, criando insegurança sobre o futuro da cooperação contra as fake news.
Embora o IFCN evite se posicionar sobre legislações específicas, a diretora foi clara ao afirmar:
“Nenhuma empresa está acima da lei. E as big techs têm, sim, a responsabilidade ética e social de promover informações corretas.”
No Brasil, o tema voltou à tona com a tramitação de projetos de lei sobre regulação das plataformas. A participação de ministros do STF, como Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, reforçou o direito das sociedades a criarem mecanismos legais para garantir um ambiente informacional saudável.
Checagem em zonas de guerra: missão de risco
Angie Holan também destacou as dificuldades enfrentadas por jornalistas e checadores de fatos que atuam em contextos de conflito armado, como na Ucrânia, na Faixa de Gaza e em outras regiões.
“Na guerra, a primeira vítima é a verdade. É um ambiente caótico, em que muitos dados não podem ser confirmados de imediato. Mas isso não significa abandonar o trabalho. Pelo contrário: precisamos redobrar os esforços de verificação.”
Ela ressaltou que a checagem nesses casos depende de investigação contínua, cruzamento de múltiplas fontes e monitoramento do uso de IA para gerar imagens e vídeos falsos.
Jornalismo e redes: relação desigual
Questionada sobre a perda de influência do jornalismo tradicional para as redes sociais, Holan reconheceu que houve um deslocamento do poder de distribuição de conteúdo para as big techs, que muitas vezes não se comprometem com os mesmos padrões éticos.
“Mas o jornalismo ainda tem um valor central. Suas práticas profissionais e a transparência com as fontes seguem sendo referência. Estamos vendo até novos criadores de conteúdo discutirem ética da informação. Isso é um sinal de que o jornalismo pode se renovar.”
O Brasil e a resistência
A escolha do Brasil como sede do Global Fact 2024 não foi por acaso. Segundo Angie Holan, o país abriga quatro organizações de checagem de referência mundial — Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere — que têm atuado sob forte pressão, especialmente durante a pandemia e os ataques à democracia.
“Peço aos brasileiros: visitem os sites dessas organizações, vejam como elas trabalham. A checagem de fatos é uma forma de resistência cidadã. E a verdade, afinal, é um valor humano universal.”
Seja nas redações, nas salas de aula ou nas decisões legislativas, o combate à desinformação exige compromisso coletivo.
A 12ª edição do Global Fact no Rio de Janeiro deixou como principal legado o reforço dessa ideia:
em tempos de mentiras virais, dizer a verdade é um ato de coragem — e de esperança.
Da Agência Brasil