Guilherme Boulos chegou ao Congresso Nacional na quarta-feira 21, por volta das 9h30, e participou de um café da manhã da Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades. A criação do grupo foi proposta pelo deputado em agosto de 2023, no embalo de um “pacto nacional” contra as abissais disparidades sociais existentes no Brasil, em torno do qual se reúnem certos empresários, como Oded Grajew, e entidades da sociedade civil, como a Oxfam. O psolista conversou com Grajew enquanto comia algumas fatias de pão e em seguida foi discursar. Comentou que, no Parlamento, a balança de forças é desfavorável às causas populares e apontou os dois projetos mais importantes de 2025: a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais e a redução da jornada de trabalho. Não falou em público ali, mas disse certa vez ao pé do ouvido de um interlocutor o que acha fundamental em 2026: “A minha prioridade é reeleger o Lula”.

De olho na reeleição, Lula quer Boulos no time de ministros do Palácio do Planalto. Mais especificamente, na Secretaria-Geral da Presidência, área responsável pela relação do governo com os movimentos sociais e as “ruas”. O líder petista alimenta a ideia desde a virada de 2024 para 2025. O deputado topa. Disse isso ao presidente, em abril, no Palácio da Alvorada.

No mês anterior, o PSOL, sigla do parlamentar, tinha vivido seus piores dias de agitação interna, provocada justamente pelo tipo de relação que pretende ter com o governo. Apoio incondicional? Ou postura independente, para criticar quando achar necessário e defender quando merecido? A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, é filiada à legenda, mas tida como uma escolha pessoal de Lula. No tête-à-tête de abril, o presidente sondou Boulos sobre a disposição dele de ficar no governo até o fim, o que significaria abrir mão de concorrer a deputado de novo. O psolista concordou.

Em 15 de maio, Boulos, de 42 anos, foi com Lula ao Uruguai para os funerais de Pepe Mujica. Márcio Macêdo, o secretário-geral, estava na comitiva. A situação foi encarada em Brasília como a senha de que a troca de Macêdo por Boulos é certa. Um ministro aposta que a nomeação virá, só falta saber quando. No café da manhã da frente contra as desigualdades, ­Boulos fez um discurso de despedida. Passou o comando do grupo ao deputado Henrique Vieira, colega de PSOL. “Se o Boulos for convidado para ser ministro, e em um espaço estratégico, perto do presidente, vai poder levar as causas populares para a pauta do governo, fazer articulação com os movimentos sociais e enfrentar de maneira mais corajosa a extrema-direita”, afirma Vieira. “Para vencer a extrema-direita, não bastam indicadores econômicos, é preciso aquecer o debate e a população.”

Nos bastidores, a nomeação do deputado para a Secretaria-Geral da Presidência é dada como certa

Um dia após passar o bastão da “frente”, Boulos faria outro movimento com cara de despedida do Congresso. Com a assinatura de deputados de dez partidos, apresentaria uma lei de remuneração mínima a quem trabalha como entregador de aplicativo. É um exemplo do tipo de retorno político esperado por Lula, caso nomeie Boulos ministro. O PT é mais atrelado a sindicatos e trabalhadores tradicionais. O psolista dialoga melhor com trabalhadores que se sentem “empreendedores”. Apoiou o “breque dos apps”, paralisação dos motofretistas ocorrida em março e abril. Uma das reivindicações da categoria era justamente a remuneração mínima. Por iniciativa de Boulos, a Câmara promoveu dias depois uma audiência pública sobre “A realidade dos trabalhadores de aplicativo no Brasil”. Um dos presentes era Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência no governo de ­Dilma Rousseff, hoje secretário nacional de Economia Popular e Solidária, que ajudou a preparar a lei defendida por Boulos.

Um colaborador petista no Congresso comenta: terceirizar a relação com os movimentos sociais para alguém de fora do PT seria impensável nos governos anteriores de Lula e Dilma. Sinal de que o mundo do trabalho mudou e de que o partido tem estado cada vez mais distante das ruas.

Boulos tem, de quebra, peso nas redes sociais, um território dominado politicamente pela extrema-direita. Conta com 2,2 milhões de seguidores no X (antigo Twitter) e 2,5 milhões no Instagram. Comparação: Gleisi Hoffmann, presidente licenciada do PT e atual chefe da articulação política do governo, tem 1,2 milhão e 900 mil, respectivamente. No YouTube, o psolista leva ao ar, desde 2019, um programa semanal chamado “Café com ­Boulos”, onde discute assuntos do momento. O último episódio, de 18 de maio, foi sobre a epidemia de bets. De acordo com o senador Humberto Costa, sucessor interino de Gleisi no PT, Boulos ministro “significaria que o presidente quer se aproximar de alguns movimentos sociais”.

Na visão de um parlamentar petista, desses que de vez em quando conversam com Lula, o desejo presidencial de ter Boulos no Palácio do Planalto mostra que a tentativa de reeleição exige do governo mais do que tem sido feito até agora. “Vai precisar de enfrentamento com a extrema-direita, e o Boulos significa isso. A eleição vai ser quente, precisamos esquentar o nosso campo também”, afirma o congressista, que acrescenta: “O Boulos mimetiza o Lula, e o Lula gosta dele, se vê um pouco nele”.

Articulação. Gleisi Hoffmann tem a missão de fazer os projetos em favor dos trabalhadores avançarem no Congresso – Imagem: Redes Sociais Romerito Pontes e Gil Ferreira/SRI

O psolista foi o único candidato a prefeito em 2024 em cuja campanha o mandatário mergulhou. Lula conseguiu que o PT desistisse de ter um competidor na cidade de São Paulo pela primeira vez desde a fundação do partido, em 1980. O apoio levou em conta o fato de que o presidente vencera Jair Bolsonaro na capital em 2022 e que Fernando Haddad tivera vitória igual contra Tarcísio de Freitas na ­disputa estadual. No primeiro turno do pleito municipal de 2024, o empenho de Lula parece ter ajudado Boulos. Este alcançou 1,7 milhão de votos, 70% a mais do que obtivera para prefeito quatro anos antes e para deputado em 2022. O psolista, registre-se, tinha sido o deputado mais votado do estado e o segundo do País. No turno final contra o emedebista Ricardo Nunes, reeleito prefeito, bateu no teto de 2020: 40%.

Diante dos resultados das eleições municipais e da queda de popularidade nas pesquisas, Lula terminou 2024 convencido da necessidade de mexer no time palaciano que o acompanhava desde a posse. Primeiro, trocou o deputado Paulo Pimenta, do PT gaúcho, pelo publicitário baiano Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação Social. Foi em janeiro, um mês após o presidente ter reclamado publicamente do desempenho dessa área em um evento do PT. Em março, mudou a chefia da articulação política: saiu o deputado petista Alexandre Padilha, deslocado para a Saúde, e entrou a também deputada Gleisi Hoffmann, do Paraná. Foi em 10 de março. Lula precisou de um tempo para consumar a troca, por causa da eleição interna no PT. Faltava definir quem substituiria Gleisi e conduziria o pleito interno. E se o caminho estaria livre para a eleição de Edinho Silva, o favorito de Lula.

Um dia após a posse de Gleisi como ministra, aquele deputado do PT que fala com o presidente de vez em quando recebeu CartaCapital em seu gabinete. Contou que Lula já queria ter Boulos como ministro, mas que as condições políticas daquele momento não permitiam. O PSOL estava rachado sobre apoiar o governo ou adotar postura independente. Boulos era da ala governista. O outro “pepino” era o PT. O petismo não queria um estranho no ninho palaciano, tão próximo de Lula. Ainda mais cuidando da relação com os movimentos sociais, base de apoio histórica do partido. Além disso, na condição de ministro, e dentro do Planalto, Boulos estaria naturalmente na lista de herdeiros políticos de Lula. Seria um nome no páreo para sucedê-lo em 2030, caso o presidente renove o mandato em 2026.

Nos governos anteriores de Lula e ­Dilma, a Secretaria-Geral sempre havia ficado sob a batuta de um petista. O maestro de agora já foi alvo de críticas públicas de Lula ao menos duas vezes. No Natal dos catadores de lixo de 2023 e no 1º de Maio de 2024. Macêdo deu uma entrevista nos últimos dias em que negou que o presidente tenha falado sobre sua saída do governo. Mesmo script de Paulo Pimenta.

De acordo com a Nexus Pesquisa de março, 65% dos brasileiros apoiam jornadas menores

Não é só com Boulos que Lula quer seguir a “batida das ruas”. Ele decidiu também abraçar a causa da redução da jornada de trabalho. Para o psolista, deputado que ficar contra a ideia será punido nas urnas em 2026. Um levantamento de março da Nexus Pesquisa apontou 65% de respaldo popular à redução – entre os jovens, deu 76%. Segundo o Dieese, 6 milhões de empregos podem ser criados por uma jornada menor. “Está na hora de o Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras”, disse Lula em cadeia de rádio e tevê no 1º de Maio. ­Gleisi vai procurar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Paulo Azi, do União Brasil da Bahia, para falar do projeto. A CCJ será a primeira comissão a examiná-lo.

A diminuição da jornada semanal para quatro dias e 36 horas foi proposta em fevereiro pela deputada Erika Hilton, do PSOL de São Paulo. Ela tinha o texto pronto desde 1º de maio de 2024. Desengavetou-o após o triunfo de um candidato a vereador pelo PSOL na cidade do Rio de Janeiro em 2024. Rick Azevedo elegeu-se colado na ideia e no movimento “Vida Além do Trabalho”. Erika foi a segunda deputada mais votada do PSOL paulista em 2022, atrás apenas de Boulos. Ela teve 256 mil votos. Compensar a ausência de Boulos nas urnas em 2026 será um desafio para o PSOL na próxima eleição. O líder do MTST ajudou a eleger uma bancada de cinco deputados psolistas em São Paulo. Uma sondagem recente do Ideia Big Data mostrou Boulos em segundo lugar para o Senado, com 13%. Cinco pontos a menos que Eduardo Bolsonaro, do PL, e um à frente de Haddad, do PT.

A bandeira da redução da jornada pode ajudar Erika a ser uma puxadora de votos em 2026. Para que o projeto dela avance, depende ainda do presidente da Casa, Hugo Motta, do Republicanos. Cabe a ele despachar o texto à CCJ. Em um evento de banqueiros em abril, ­Motta disse ser preciso “ver também o impacto negativo que isso traz”. É um clássico das conhecidas resistências patronais. A criação do 13º salário no governo João Goulart, em 1962, foi noticiada como “desastrosa para o País” em manchete do jornal O Globo. A “batida das ­ruas” é essencial contra tais resistências. •

Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Na batida das ruas’

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Last Update: 22/05/2025