“Enquanto a Nação do Islã estava praticamente sozinha em seu repúdio à ação direta, muitos líderes negros, incluindo Malcolm, eram seduzidos pelos ideais e êxitos de revolucionários do Terceiro Mundo” – Manning Marable

A opção entre luta partidária, eleitoral, e a ação direta perpassou toda a esquerda latino-americana e mundial, no período da descolonização, após a Segunda Guerra Mundial.

Na América Latina e no Caribe, os progressistas optaram pela luta parlamentar, mas o preço dessa escolha nem sempre é de fácil assimilação.

Vejamos o caso da Venezuela, que tem um dos sistemas eleitorais mais aperfeiçoados do mundo: lá, como aqui, a oposição entrou na disputa eleitoral afirmando que só aceitaria o resultado que lhe consagrasse vitoriosa.

Essa mera pretensão já deveria ser penalizada, por ser frontalmente contrária ao pleito eleitoral. Lá, como aqui, porém, não foram penalizados.

A grande dificuldade em analisar as eleições na Venezuela é entender que nós, latino-americanos e caribenhos, estamos em uma espécie de zona especial.

Aqui, tudo é política, externa, em primeiro lugar: as eleições só são legítimas quando ganha o candidato da Casa Branca; os direitos humanos só devem ser respeitados se não confrontarem os interesses… da Casa Branca; o respeito à soberania dos Estados só vale se não contrariar… a Casa Branca.

Por isso, somos vistos pelo resto do mundo como repúblicas bananeiras, regimes de opereta.

As eleições na Venezuela deixaram isso muito claro: o que vale para o mundo dito civilizado não cabe para nós.

O secretário de estado dos EUA se permitiu dizer que a paciência do império estava-se esgotando.

Com que outro país ele se permitiria fazer uma afirmação tão ofensiva e humilhante, se não com um país da nossa região?

Com efeito, nunca se ouvira um tal disparate, de um diplomata que negocia com o próprio Hamas, com os chineses, os russos etc.

A prática de dois pesos e duas medidas fica mais evidente quando verificamos o absurdo apoio dos EUA a Israel, cujo desgoverno de extrema-direita continua massacrando a população civil de Gaza; bombardeando o vizinho Líbano, assassinando lideranças do Hezbollah, assim como a também vizinha Síria; além de matar o principal negociador da paz em Gaza, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, morto em Teerã.

Fica patente que uma guerra de grandes proporções está no limiar, no Oriente Médio, pelo simples desejo do PM Benjamin Netanyahu de não ser preso, o que deverá ocorrer tão logo a guerra cesse.

Mas frente a todas essas barbaridades os EUA se calam, não emitem juízos de valor, apenas platitudes diplomáticas, absolutamente inócuas.

Nesse quadro, de que serve a nossa opção pela democracia, pela paz, se os violentos se impõem?

A mesma pergunta se colocam os palestinos. De que serve serem pacíficos quando a extrema-direita israelense bombardeia, em uma semana, população inocente, mata em cinco países e assassina até o chefe da delegação com quem negociava?

Com efeito, nós e Israel estamos em zonas diametralmente opostas: para o Estado hebreu, todas as garantias internacionais até a impunidade de poder violar quantas soberanias queira e deter armas atômicas sem que se lhe oponha qualquer constrangimento.

Para a América Latina e o Caribe, todo o contrário, a totalidade dos sinais positivos se torna negativa: a Venezuela enfrenta mais de 930 sanções impostas pelo império só por ter decidido que as maiores reservas de petróleo do planeta devem trazer desenvolvimento ao povo ao qual, de fato, pertencem.

Com quem fala grosso, porém, o império fala fino: na semana passada, ocorreu a maior troca de espiões entre Ocidente e Oriente desde a Guerra Fria.

Foram 16 liberados pela Rússia e 10, pelo Ocidente.

Todos foram recebidos nas respectivas capitais, pelos próprios chefes de Estado.

Provavelmente, esse duplo padrão dos governos de centro-direita dos países do Norte esteja impregnado de racismo: como aos olhos deles somos seres inferiores, convém que assim sejamos tratados.

Em Malcolm X – uma vida de reinvenções, de Manning Marable, Companhia das Letras, o autor recorda: “Malcolm discorria com frequência sobre nacionalismo negro no Jimmy’s Chicken Shack. ‘Ele costumava contar… como o pai era torturado e espancado por vender o jornal de Marcus Garvey, e falava muito dos conceitos garveyistas, no sentido de como poderiam nos beneficiar, como povo’”.

Vale notar que Marcus Garvey foi o jamaicano que restituiu aos negros e às negras o sentimento de honra, ética e beleza.

Com ele, passaram a se vestir, dentro de suas posses, ainda melhor do que os brancos, o que perdura até hoje em partes dos EUA e das ilhas caribenhas.

Dessa forma, passaram a encarar em pé de igualdade os brancos, os quais responderam com ainda maior extremismo, por meio de organizações de supremacia racial como a Ku Klux Klan, a pior das máquinas de assassinar e intimidar pretos e pretas.

Manning complementa: “Apesar da morte do movimento garveyista, a militância do Harlem tornara-se mais intensa, especialmente durante os anos 1930 da era da Depressão, e em grande parte como resposta a desigualdades sociais que a comunidade negra não estava mais disposta a tolerar”.

Talvez tenha chegado a hora de latino-americanos, caribenhos e demais povos oprimidos reivindicarmos tratamento paritário ou – no limite – rompermos com um sistema hipócrita de valores ditados mais pela cor da pele do que pela ética, a justiça e o direito internacional.

Categorizado em:

Governo Lula,

Última Atualização: 05/08/2024