O retorno de um manto tupinambá, feito com penas vermelhas de ave guará, para o Brasil, após mais de três séculos guardado na Dinamarca, foi motivo de celebração para o povo indígena, que vive no sul da Bahia. O artefato foi doado pelo Museu Nacional dinamarquês para o Museu Nacional do Rio de Janeiro.
No entanto, outros dez mantos semelhantes, também confeccionados com penas de guará, continuam expatriados em museus europeus, segundo levantamento feito pela pesquisadora norte-americana Amy Buono, da Universidade de Chapman. Apenas no Museu Nacional da Dinamarca, existem outros quatro além do que foi devolvido ao Brasil.
No Museu de História Natural da Universidade de Florença, existem outros dois. Há também mantos tupinambás guardados no Museu das Culturas, em Basileia; no Museu Real de Arte e História, em Bruxelas; Museu du Quai Branly, em Paris; e na Biblioteca Ambrosiana de Milão.
Segundo o Museu Nacional do Rio de Janeiro, não há negociações em andamento para trazer esses outros mantos de volta ao país.
Líder dos tupinambás de Olivença, na Bahia, a cacique Jamopoty, considera importante reaver esses mantos que estão fora do país. “Acho que eles precisam devolver o que não é deles. Eles precisam devolver o que nos pertence. O pertencimento é o que faz a gente ser mais forte”, afirma a liderança indígena.
A devolução do manto indígena que retornou recentemente ao Brasil é uma luta antiga do povo de Jamopoty, iniciada em 2000, quando a liderança tupinambá Amotara viu a peça em uma exibição especial, em São Paulo, sobre os 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil.
“Ela fez um documento, junto com o Conselho [Tupinambá], pedindo que o manto ficasse no Brasil, porque ele precisava vir para o seu povo. Amotara queria que o manto viesse para Olivença”, conta Jamopoty.
Apesar do apelo de Amotara, o manto retornou à Dinamarca depois do fim da exposição. Seriam precisos mais 24 anos para que finalmente a vestimenta retornasse ao Brasil, desta vez para ficar.
De acordo com a pesquisa feita por Amy Buono, os mantos tupinambás, chamados de assojaba ou guara-abucu, na antiga língua tupi, foram todos confeccionados entre os séculos XVI e XVII. As vestimentes eram usadas em rituais religiosos nas comunidades indígenas, mas também em assentamentos missionários, nos dois primeiros séculos de colonização.
Artefatos plumários, inclusive panos feitos com penas coloridas já eram usados pelos tupis antes mesmo da chegada dos portugueses, tendo sido inclusive descritos por Pero Vaz de Caminha, em sua famosa carta ao Rei Dom Manuel de Portugal.
Desde a primeira viagem portuguesa ao Brasil, artefatos tupis já foram levados à Europa e continuaram sendo ao longo das décadas seguintes, como evidências da “descoberta” do novo território e como itens valiosos para coleções europeias.
O governo brasileiro tem feito esforços para repatriar artefatos indígenas. Na última quarta-feira (10), 585 peças que estavam no Museu de História Natural de Lille, na França, retornaram ao Brasil. O conjunto de objetos provém de mais de 40 povos diferentes, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).