Uma escultura de 1,90 metro, esculpida em mármore de Carrara por Jean-Louis de Gobineau (1816-1882), está no centro de uma controvérsia no Museu Imperial, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Coberta desde a última semana, a obra, intitulada “Mima”, simboliza a amizade entre o diplomata francês e d. Pedro II, mas sua exposição reacendeu o debate sobre a presença de símbolos ligados ao racismo na história brasileira.
Gobineau, considerado um dos pais do “racismo científico”, escreveu em 1855 o livro “Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, que fundamenta ideias racialistas e influenciou movimentos eugenistas e até o nazismo.
Ele chegou ao Brasil em 1869 como embaixador francês e desenvolveu uma relação próxima com o imperador brasileiro. Embora criticasse a diversidade racial do país, o diplomata produziu a escultura “Mima” como um presente para d. Pedro II, que a integrou à decoração do Palácio de São Cristóvão.
Desde a inauguração do Museu Imperial, em 1943, a peça integrava a exposição permanente sem questionamentos significativos sobre seu contexto histórico. Porém, uma nota técnica recente, assinada pela socióloga e historiadora Alessandra Fraguas, propôs sua remoção ou a inclusão de explicações que problematizem seu simbolismo.
“Não é mais tolerável que uma obra de arte de autoria do ‘pai do racismo’ continue exposta sem qualquer indagação a respeito”, destaca o documento. A peça foi coberta como medida provisória, enquanto a direção do museu discute a melhor abordagem para contextualizar a obra.
Segundo Maurício Vicente Ferreira Júnior, diretor do Museu Imperial, o ato de cobrir a escultura marca o início de um debate sobre a melhor forma de expor um objeto tão controverso. Para ele, é necessário conciliar o papel da peça como registro histórico e a responsabilidade de problematizar as ideias racistas associadas a seu autor.
Apesar de suas ideias extremistas, Gobineau cultivou uma amizade duradoura com d. Pedro II. O imperador trocou cartas frequentes com o diplomata, debatendo questões políticas, culturais e científicas. “Eles discordavam em muitos pontos, especialmente nas ideias racialistas do francês”, explicou Paulo Rezzutti, biógrafo do último monarca brasileiro, em entrevista à BBC.
Rezzutti argumenta que o imperador, embora inserido em um contexto de elite e pensamento racialista comum à época, não compartilhava das visões extremas de Gobineau. “D. Pedro II sabia que o Brasil era miscigenado e jamais corroboraria teorias que negassem a pluralidade de seu povo.”
A polêmica em torno de “Mima” reflete um momento de revisão crítica de símbolos históricos e narrativas culturais. Como lembra o historiador Paulo Henrique Martinez, da Unesp, o pensamento racialista permeava a elite brasileira do século XIX. “O incentivo à imigração europeia, especialmente após a abolição da escravidão, foi uma tentativa de embranquecer a população”, destacou, também à BBC.
No entanto, Martinez pondera que não se deve atribuir anacronismos à figura de d. Pedro II. “Ele era um abolicionista que via nas ciências e no diálogo intelectual ferramentas de civilização. Sua relação com Gobineau foi mais uma das várias trocas culturais e científicas que ele buscava promover”.
Conheça as redes sociais do DCM:
⚪️Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo
🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line