Medievais, muros e cercas para proteger as cidades dos “invasores” continuam em voga no mundo em pleno século XXI, não só na fronteira dos Estados Unidos com o México. Klaus Dodds, professor de Geopolítica na Royal Holloway, Universidade de Londres, e autor do livro Border Wars: The Conflicts of Tomorrow, ressalta que são muitas as ferramentas para propagar a retórica da divisão. Da propaganda aberta e demonização implacável do que são “os outros” à construção de muros. “Erguer fronteiras é um ato físico de renovação, mas também um ato psicológico de resposta à paranoia. Sabemos, historicamente, que o fascismo prospera na incerteza, no cultivo do medo e no que é denominado a Grande Mentira.”
O escritor canadense Marcello Di Cintio, autor de Walls: Travels Along the Barricades, destaca que eventos como os ataques de 11 de setembro e a eleição de Donald Trump em 2016 trouxeram uma nova atenção ao tema, mas a realidade é que “os muros nunca conseguem manter os indivíduos fora ou dentro”, apenas servem a uma “performance política”. “Muros comunicam duas mensagens principais: primeira, que aqueles do outro lado são perigosos. Segunda, que o governo age para proteger sua população. Essa dualidade cria uma ilusão de força e controle, alimentada por retóricas populistas que exploram o medo e a insegurança.”
A seguir, alguns exemplos de muros que ainda resistem ou estão em construção.
EUA–México
Extensão: Aproximadamente, 1,3 mil quilômetros, de um total de 3.145 quilômetros de fronteira.
Quando: A construção do muro começou na década de 1990, mas a parte principal foi acelerada durante o primeiro mandato de Donald Trump, entre 2017 e 2021.
Motivo: A justificativa foi a necessidade de conter a imigração ilegal, o tráfico de drogas e o aumento da violência associada ao crime organizado. O muro tornou-se um símbolo das políticas anti-imigração dos Estados Unidos.
Situação atual: Embora muitas seções do muro tenham sido concluídas ou atualizadas, continua o debate sobre a eficácia da barreira. A discussão foca nos custos econômicos e ambientais da construção, além dos direitos humanos.
Índia–Bangladesh
Extensão: Aproximadamente, 4 mil quilômetros.
Quando: A construção começou na década de 1980 e expandiu-se no início deste século.
Motivo: A cerca foi erguida para conter a imigração ilegal de Bangladesh para a Índia, com o governo indiano preocupado com a segurança e a pressão demográfica. O contrabando e o terrorismo foram outras alegações.
Situação atual: A barreira é composta principalmente de cercas de arame farpado, e o governo indiano continua a expandir e a reforçá-la em locais estratégicos, com forte patrulhamento ao longo da fronteira.
As cercas só servem à “performance política” dos extremistas
Polônia–Bielorrússia
Extensão: 300 quilômetros.
Quando: A construção foi acelerada em 2021 e 2022.
Motivo: A Bielorrússia, acusaram os poloneses, enviava migrantes para a União Europeia. A Polônia argumenta que o muro é necessário para impedir as travessias ilegais e proteger a segurança do continente.
Situação atual: Composta de cercas de metal e equipamentos de vigilância, a barreira tornou-se alvo de debates sobre as políticas de migração da UE, direitos humanos e segurança nas fronteiras.
Hungria–Sérvia
Extensão: Aproximadamente, 175 quilômetros.
Quando: Concluída em 2015.
Motivo: A crise migratória que afetou a Europa durante a década de 2010 levou a Hungria a construir uma cerca para conter o fluxo de migrantes que atravessavam os Bálcãs em direção à Europa Ocidental.
Situação atual: A cerca continua de pé e tem sido reforçada ao longo dos anos, com a Hungria mantendo uma postura rigorosa em relação às políticas de imigração.
Ceuta–Melilla
Extensão: Cerca de 20 quilômetros entre Ceuta, Melilla e Marrocos.
Quando: Construída na década de 1990 e reforçada ao longo dos anos, especialmente com cercas mais altas e sistemas de vigilância mais modernos.
Motivo: As cidades de Ceuta e Melilla são as únicas conexões terrestres entre a África e a Europa, e as cercas foram projetadas para impedir a imigração ilegal e o tráfico da África para a Espanha. Elas surgiram como uma resposta ao aumento de migrantes da África Subsaariana que tentavam alcançar a União Europeia.
Situação atual: Patrulhas e equipamentos de vigilância mais modernos reforçam a barreira.
Israel–Cisjordânia
Extensão: Aproximadamente, 700 quilômetros.
Quando: A construção começou em 2002, durante a Segunda Intifada, e continua em várias fases até hoje.
Motivo: O governo de Israel construiu a barreira sob o pretexto de proteger seus cidadãos de ataques terroristas. Mas o muro viola os direitos dos palestinos e serve ao propósito de expansão territorial dos judeus.
Situação atual: A barreira combina cercas, muros e vigilância eletrônica. Apesar da justificativa de segurança, continua a ser altamente controversa, com discussões sobre sua legalidade e seu impacto no dia a dia dos palestinos.
Arábia Saudita–Iraque
Extensão: 850 quilômetros.
Quando: A construção foi iniciada em 2014 e concluída no fim da década de 2010.
Motivo: A cerca foi erguida como resposta à ameaça do Estado Islâmico e outros grupos terroristas. A Arábia Saudita buscava proteger suas fronteiras e impedir a infiltração de extremistas.
Situação atual: A cerca permanece em funcionamento, parte de uma estratégia de segurança mais ampla que inclui operações militares e cooperação regional de inteligência.
Turquia–Síria
Extensão: 820 quilômetros.
Quando: A construção começou em 2015, em meio à guerra civil síria e à ascensão do Estado Islâmico.
Motivo: A Turquia construiu a barreira para controlar o fluxo de refugiados sírios e impedir a infiltração de combatentes e militantes. Além disso, o controle das travessias ilegais foi uma prioridade durante o auge da guerra civil.
Situação atual: A fronteira da Turquia com a Síria é fortemente protegida, e o muro faz parte de ações mais amplas para administrar a crise dos refugiados e evitar o contrabando de armas e combatentes. •
Publicado na edição n° 1352 de CartaCapital, em 12 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Muros que nos separam’