Mulheres que riem muito são um incômodo para quem tenta entendê-las como afronta ao poder dos homens sisudos. É assim desde tempos bíblicos. Tem sido assim agora, com o Donald Trump assombrado com a presença de Kamala Harris no seu caminho.
Num discurso de campanha em Michigan, logo depois do tiro na orelha, ele afirmou:
“Eu digo quem é Kamala Harris. Já viram a gargalhada? Ela é louca. Você pode dizer muito a partir de uma gargalhada. Ela é doida”.
Depois, disse que ela é mentirosa. Trump é misógino, racista, homófobo e xenófobo. Agora, com um truque pretensamente freudiano e raso. Mulheres doidas foram queimadas na Inquisição. As que riem muito sempre foram vistas com desconfiança.
Kamala sabe que não é um demônio porque ri. É um transtorno pelo que representa como negra, filha de imigrantes e ex-promotora diante de um criminoso que aspira voltar ao poder.
Por afrontar o fascismo e por incomodar até parte da esquerda, que a vê como mais uma representante do que chamam de armadilhas identitárias.
Para ir à forra, as mulheres deveriam, em todo mundo, fazer o Dia Mundial da Gargalhada contra os machos que temem risadas, não riem ou que fingem rir. Quanto mais elas rirem, mais eles se incomodarão.
A gargalhada de Fafá de Belém incomodava o reacionarismo na campanha das Diretas, nos anos 80. Incomodaram-se com a eleição de Claudia Sheinbaum no México. Mesmo que ela seja considerada pelos mexicanos como a mulher que não ri. Porque eles sabem que ela está rindo da extrema direita.
Maria do Rosário, a mulher escolhida como alvo preferencial de Bolsonaro, mostra sua vitalidade rindo. Dilma, com aquela cara séria, tem imagens hilariantes às gargalhadas ao lado de Lula. E agora ri deles na China.
As mulheres de direita não riem, ou forçam sorrisos pela metade, ou simulam falsas gargalhadas à la Coringa. Os machos do fascismo são fechados. Não são sérios, são homens ensimesmados.
Olhem as caras de Musk, Bolsonaro, Milei. O riso deles é tão verdadeiro quanto um discurso de qualquer um deles pela democracia e pelas liberdades. São criaturas que tentam se livrar das suas inseguranças perseguindo mulheres alegres.
Como os moradores do século 22 falarão dessas aberrações do século 21? Vão compará-los às figuras do fascismo, do nazismo e das ditaduras do século 20, que também não riam?
Vão tentar entender como as democracias produziram tais criaturas? Conseguirão fazer comparações entre as aberrações humanas geradas por ambientes totalitários com monstruosidades surgidas em meio às liberdades?
Quem se dedicará ao estudo, com uma visão distanciada, do fenômeno provocado por democracias que fortaleciam quem queria destruí-las e odiava mulheres que riam?
Publicado originalmente no Jornal Extra Classe