
Por Setor de Comunicação e Cultura do MST no PR
Da Página do MST
A luta em defesa do território uniu mulheres Sem Terra e indígenas nesta quinta-feira, 20 de março, em Guaíra, oeste do Paraná. Camponesas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) doaram cerca de 5 mil quilos de alimentos ao povo indígena Ava Guarani da região. Os alimentos são produzidos nos acampamentos e assentamentos do Movimento das regiões norte e noroeste do estado.
“As mulheres, em uma semana de trabalho já vem fazendo a colheita, preparando essas cestas com muito carinho, com muito amor, trazendo o que nós temos de melhor para compartilhar. Isso é muito satisfatório, e fortalecer essa aliança tem um significado muito importante: o MST também defende a luta pela terra, também defende as causas indígenas. E isso para nós é uma relação de parceria, companheirismo”, diz Sandra Ferrer, assentada na comunidade Eli Vive e da direção estadual do MST.
As cestas serão distribuídas também para outras comunidades indígenas da região, com uma variedade de alimentos que inclui arroz, feijão, banana, batata-doce, abóbora, óleo e sal. Foto: Diangela Menegazzi.
Para Sandra, a ação tem como objetivos principais viabilizar a luta do povo Ava Guarani, diante das violências intensas que esse povo tem sofrido do latifúndio, e chamar a atenção das autoridades às violações dos direitos humanos na região.
“A gente entende que o MST é um movimento de luta, que também luta pela terra, que também luta pela preservação da vida. Pela continuidade da vida. Por isso recebemos vocês aqui hoje com muito respeito e muita honra, serão sempre bem-vindos. A gente conta muito com a ajuda de vocês”, afirma Ilson Okaju, representante da aldeia Tekoha Yvy Okaju.
Doação é um marco da aliança entre povo o Ava Guarani e MST. Foto: Ednubia Ghisi
A partilha de alimentos ocorre sob um contexto de ataque e violência extrema. A comunidade Yvy Okaju, em que foi realizada a partilha de alimentos, é uma das sete ocupações em retomadas pelo povo Ava Guarani Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, em julho de 2024. Desde então, a população indígena sofre constante violência física e psicológica por parte de grupos armados ligados a fazendeiros locais.
O ataque mais violento ocorreu entre o final de 2024 e o início de 2025, quando pistoleiros atiraram em quatro pessoas indígenas, sendo uma criança, um adolescente e dois adultos, além de atear fogo em casas da comunidade. Cinco pessoas indígenas seguem com balas alojadas no corpo desde então, sem conseguir atendimento digno de saúde.
De acordo com Paulina Kunha Takua Rocay Ponhy Martines, liderança da tekoa Yvy Okaju, o direito ao território não se negocia. Há uma tentativa de reparação histórica, por parte do Estado, mas isso não significa que o direito esteja sendo negociado: “A partir do momento que uma criança está dentro da barriga de uma mãe, ela já tem o direito de lutar e de ter um território garantido pelo governante do Brasil”.
Paulina também denuncia a campanha de mentiras empreendida por parte da mídia local, sobretudo por veículos de rádio. “Falam que somos paraguaios, que não somos daqui, que teríamos que voltar de onde viemos. Mas eu pergunto, o que ele [radialista] acha? Para ele, de onde viemos? Nós viemos desta terra. Nós não viemos do outro lado do mar. Nunca fomos, ou pertencemos, do outro mundo, do outro lado do mar. Nós somos daqui. Nós somos um povo originário, da etnia Ava Guarani, e sempre estivemos aqui. À nossa história não se pode colocar um marco temporal”, afirma.
Casas queimadas durante ataque de pistoleiros, no início de janeiro de 2025. Foto: Comunidade Ava Guarani
A pintura coletiva de um grande muralismo, em conjunto entre as mulheres do Coletivo de Juventude do MST e mulheres indígenas, também faz parte da ação. Segundo Ana Clara Garcia Lazzarin, do Coletivo de Juventude, marcar o espaço com cultura faz parte da identidade da Juventude Sem Terra: “Estamos aqui construindo, junto com o povo Ava Guarani, as mulheres Sem Terra e indígena, essa mensagem visual e escrita – tem uma força muito grande nessa atividade, principalmente pela retomada da juventude estar presente em todas as frentes.”
Mulher indígena da comunidade participa da construção de muralismo. Foto: Diangela Menegazzi.
Ação está integrada a lutas coletivas
A ação de solidariedade faz parte da Jornada de Luta das Mulheres Sem Terra que ocorre todos os anos, no mês de março, como parte das mobilizações em torno do Dia Internacional das Mulheres. Neste ano, a Jornada apresentou como lema “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o capital”.
No Paraná, a ação tem a intenção de ajudar a denunciar e cobrar as autoridades a respeito da violência que o povo Ava Guarani tem sofrido. “Além de levar acolhimento pra essas famílias indígenas, também queremos chamar atenção das autoridades para o que acontece, de tanta violência que maltrata o povo indígena”, explica Sandra.
A ação envolve comunidades de acampamentos e assentamentos do MST e cooperativas da Reforma Agrária das regiões norte e noroeste. Ao todo serão 450 cestas, com uma diversidade de alimentos como arroz, feijão, banana, batata-doce, abóbora, óleo e sal.


Segundo Sandra, a ação de solidariedade ao povo Ava Guarani é uma forma de enfrentar a lógica violenta e predatória do agronegócio. “Essa é uma comunidade que vem sofrendo desde janeiro a violência dos fazendeiros da região, uma violência que nós conhecemos bem, e contra a qual nos solidarizamos”, avalia.
A partilha de alimentos aconteceu na comunidade Yvy Okaju. Foto: Diangela Menegazzi.
Histórico de violência e expulsão do território
A violência e a expulsão dos povos Ava Guarani na região oeste do Paraná atravessa décadas. A invasão de não indígenas no território vem desde a década de 1930, com grande agravamento a partir da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu no rio Paraná, na década de 1980, durante a ditadura empresarial-militar. A barragem fez submergir 135 mil hectares de terra, grande parte desta área era território do Ava Guarani.
Como parte da luta pela retomada do território tradicional, os indígenas iniciaram sete ocupações na TI Guasu Guavirá, no dia 5 de julho de 2024. O território da TI já foi identificado e delimitado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018, no entanto, está sobreposta por 165 fazendas.
O processo de demarcação segue travado por uma ação proposta pelas prefeituras de Guaíra e Terra Roxa, acatada pela Justiça Federal em primeira instância. A demarcação também depende do posicionamento de instâncias superiores da Justiça, mas está também suspensa até uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei do Marco Temporal. Este impasse coloca a população indígena sob constante ameaça.
Cerca de 90% dos Ava Guarani de Guaíra vivêm em insegurança alimentar
O conflito permanente na região faz com que a população indígena conviva com a fome. Um estudo realizado pelo Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial da Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR), divulgado parcialmente no início de março, mostrou que 90% dos indígenas Ava Guarani de Guaíra contam apenas com uma refeição por dia, o que se caracteriza insegurança alimentar. A pesquisa ouviu 67 famílias na aldeia Yvy Okaju.
A visita técnica realizada por assistentes sociais, assessores jurídicos e defensores públicos da Defensoria também identificaram demandas urgentes nas áreas da educação, saúde, moradia e renda.
A maioria da população local também sofre com problemas psicológicos como consequência dos ataques dos pistoleiros, e também pelo preconceito e pela discriminação da população não-indígena. A comunidade indígena Yvy Okaju, está localizada a 5 km do centro da cidade e da sede da Polícia Federal (PF).
Jornada das Mulheres Sem Terra
Além desta ação em Guaíra, a Jornada das Mulheres Sem Terra no Paraná realizou um Encontro Estadual em Reserva do Iguaçu, entre os dias 6 e 7 de março, quando militantes de todo o estado se uniram com as famílias da comunidade Resistência Camponesa e marcharam para se manifestar contra o despejo.
O Coletivo Marmitas da Terra também mobilizou mutirões de doação de sangue, rodas de conversa e uma ação de solidariedade na retomada indígena Cristo Purunã, localizada no Morro do Cristo, em São Luiz do Purunã. Em assentamentos e acampamentos do MST também ocorreram formações para homens e mulheres, com o tema da urgência na superação do machismo.
O Coletivo Marmitas da Terra também mobilizou mutirões de doação de sangue, rodas de conversa e uma ação de solidariedade na retomada indígena Cristo Purunã, localizada no Morro do Cristo, em São Luiz do Purunã. Em assentamentos e acampamentos do MST também ocorreram formações para homens e mulheres, com o tema da urgência na superação do machismo.
*Edição: Solange Engelmann