Por Marcos Aurélio Ruy

Vânia Marques Pinto concede esta entrevista pouco antes de sua posse como a primeira presidenta eleita da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), em chapa única com mais de 96% dos votos.

A cerimônia acontece nesta quinta-feira (24), mas a posse efetiva no dia 28 porque a gestão atual encerra o seu mandato no domingo (27).

Com sua postura serena de sempre, Vânia segue trilhando seu caminho com a candura que a leva em frente sem hesitações. Incessantemente firme na defesa dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores do campo, essencialmente das agricultoras e dos agricultores familiares, os principais responsáveis pela produção de alimentos no país.

Em especial sobre o que se convencionou chamar de “comida de verdade”; totalmente consciente de sua responsabilidade por ser a primeira mulher a presidir a maior confederação camponesa da América Latina, com mais de 60 anos de existência, que há pouco tempo resolveu definir a paridade entre mulheres e homens como lógica em sua direção.

Vânia sente-se fortalecida como mulher negra, nordestina, comunista e candomblecista, por conter “as coisas nas quais acredito e que me fazem ser quem eu sou” e “nesse lugar florescem meus princípios, minhas crenças e meus valores, e me fazem mais forte. Porque vou imprimindo no mundo a minha marca, o meu jeito de ver e entender o mundo e isso me traz força para lutar pelo que acredito”.

Segundo ela, “o fato de ser a primeira mulher carrega um simbolismo muito forte” porque “representa a força da mulher agricultora. O sentimento que me domina neste momento é de extrema alegria, me sinto honrada por representar a conquista e a realização do sonho de várias mulheres que é ter uma mulher ocupando esse lugar, o nosso lugar”.

Além do mais, ela destaca que as mulheres já superam os homens na militância sindical e no trabalho do campo. “Nós mulheres somos a maioria entre as pessoas que trabalham no campo, assim como na agricultura familiar e também na atuação sindical. Por isso, chegamos a uma mulher no principal cargo da Contag depois de 61 anos de existência. E não vamos parar mais”, garante.

Vânia acentua também acreditar e lutar por um “mundo livre das desigualdades, um mundo onde as pessoas possam viver livres, amarem e serem amadas e sobretudo que a classe trabalhadora tenha vida digna e possa usufruir do que produz”.

Leia a íntegra da entrevista:

É muita responsabilidade ser a primeira mulher a presidir a Contag?

Sem sombra de dúvidas é uma grande responsabilidade. Estamos falando da maior confederação da agricultura familiar da América Latina. Então estar na presidência da Contag é uma grande responsabilidade e o fato de ser a primeira mulher nesse cargo carrega um simbolismo muito forte, representa a força da mulher agricultora.

O sentimento que me domina neste momento é de extrema alegria, me sinto honrada por representar a conquista e a realização do sonho de várias mulheres que é ter uma mulher ocupando esse lugar, o nosso lugar.

A Contag segue avançando e rompendo barreiras. Conseguimos eleger a primeira presidenta da entidade. E não vamos parar por aí.

Acredita na força das mulheres que abriram caminhos para que uma mulher pudesse chegar à presidência da Contag?

Sei bem que represento hoje as várias mulheres que vieram antes de mim e construíram esse caminho, para que hoje fosse possível ter uma mulher na presidência da Contag. Tenho a plena convicção de que serei a primeira de muitas outras que virão.

Para não ser injusta e esquecer diversas mulheres sindicalistas rurais importantes, cito a Margarida Maria Alves, barbaramente assassinada a mando de latifundiários no dia 12 de agosto de 1983, aos 50 anos. Em homenagem a ela foi criada a Marcha das Margaridas, importante manifestação que destaca a luta das mulheres no campo brasileiro.

Nós mulheres somos a maioria entre as pessoas que trabalham no campo, assim como na agricultura familiar e também na atuação sindical. Por isso, chegamos a uma mulher no principal cargo da Contag depois de 61 anos de existência. E não vamos parar mais.

O campo te ensinou muitas coisas?

O campo me ensinou e continua ensinando muita coisa. Mas destaco que o principal ensinamento foi eu entender que faço parte da natureza, que carrego em mim essa energia, me ensinou que o respeito à terra é fundamental, que dela eu me nutro e consequentemente o trabalho na terra nutre e dá condições da vida.

Ser mulher negra, comunista, agricultora familiar, nordestina, e do candomblé te dá ainda mais força?

Quando a gente reconhece a essência e nossa identidade, isso automaticamente nos traz força. Quando me reconheço mulher, negra, candomblecista, nordestina, agricultora e comunista, me encontro nas coisas nas quais acredito e que me fazem ser quem eu sou.

Nesse lugar florescem meus princípios, minhas crenças e meus valores e me fazem mais forte. Porque vou imprimindo no mundo a minha marca, o meu jeito de ver e entender o mundo e isso me traz força para lutar pelo que acredito.

E acredito num mundo livre das desigualdades, um mundo onde as pessoas possam viver livres, amarem e serem amadas e sobretudo que a classe trabalhadora tenha vida digna e possam usufruir do produzem.

Como você chegou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e qual a importância do partido em sua trajetória?

Conheci o PCdoB em 2004-2005. Coincidindo com o período quando comecei o curso de Pedagogia da Terra pelo Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária). No curso, havia vários colegas de turma de vários partidos políticos e sem partido como eu. Mas foi com o PCdoB que me identifiquei.

Depois ao ter contato com a Fetag-BA (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Bahia), que tinha deputado eleito e vários militantes do partido, não tive dúvidas de que me filiaria ao PCdoB, pois foi um dos primeiros partidos a organizar a luta pela terra e organizar a classe trabalhadora no campo.

Mais mulheres em cargos de direção nos sindicatos, federações e confederações podem empoderar o movimento sindical?

Tem um ditado que diz: quando uma sobe, puxa outra. Então mulheres conscientes do seu papel, mulheres na luta antimachista sem sombra de dúvidas podem empoderar outras mulheres e consequentemente o movimento sindical.

Dá para somar a luta por reforma agrária e valorização da agricultura familiar com a defesa da igualdade de gênero?

Eu acredito muito, mas muito mesmo, nisso. Como dizem as companheiras de luta, “sem mulher a luta vai pela metade”.

Hoje nós mulheres somos maioria em número de sindicalizadas, estamos no campo, na floresta e nas águas e na luta pela terra, nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária. Então essa soma não é só possível, como também é muito necessária.

É possível ter candura e firmeza ao mesmo tempo?

Esse é um ensinamento que carrego para a vida. E se fortaleceu ainda mais quando entendi minha essência, que é a fluidez das águas. Na mitologia, Iorubá Osùn venceu uma guerra sem levantar uma espada. E tenho buscado internalizar cada dia mais os ensinamentos daquela que nutri meu Orí.

Candura e firmeza, embora pareçam opostas, na minha visão não são. Eu posso dizer o que eu quero, fazer a luta necessária e ao mesmo tempo imprimir generosidade, amorosidade e candura, principalmente para aquelas e aqueles que estão ao meu lado nessa trincheira.

Como mulher negra enfrentou muitos preconceitos, consegue citar algum?

Eu sou uma mulher negra de pele clara e alguns traços indígenas (minhas avós tinham uma descendência indígena muito forte). E sei que aqui no Brasil quanto mais escura for a cor da sua pele, mais racismo se sofre. Então eu nunca vivi situações de racismo explícito. Mas daquele racismo velado sim.

E o fato de ser mulher isso se mistura muito facilmente com machismo. Já percebi olhares tortos ao entrar em uma loja, por exemplo, e ter que entoar um tom de voz mais firme para ser ouvida. São coisas que na maioria das vezes passam despercebidas.

Lembro-me bem que já passei por racismo religioso. Não é todo mundo que olha com ar de naturalidade as pessoas de religião de matriz afro-indígena. Os olhares dizem mito da maneira preconceituosa com que nos veem.

Você se aproximou da comunicação, como você vê a comunicação sindical atualmente?

Ao longo da minha jornada formativa, tive o privilégio de ter ensino superior, coisa que poucos na minha família tiveram. Hoje temos um número maior na família, mas fui a primeira a fazer faculdade e ter um mestrado. Tive também a oportunidade de, além da universidade, poder me tornar educadora popular da Escola Nacional de Formação da Contag (Enfoc).

A comunicação veio um pouco mais tarde, quando assumi a secretaria geral da Fetag-BA. E nessa experiência percebi que a comunicação sindical é fundamental, mas ainda temos um bom caminho a percorrer, principalmente na atualidade onde a forma de se comunicar mudou muito. Aqueles jornais dos anos 2000 já não são tão atrativos como os vídeos de tik tok (embora por gosto pessoal eu prefira ler do que ver vídeos).

Fora que hoje tudo é muito mais rápido. Depois da velocidade 2.0, é muito difícil prender a atenção de uma pessoa por muito tempo. Então eu vejo que se adaptar a essa realidade é um grande desafio.

Então acredita na necessidade de se investir mais em comunicação nos sindicatos?

Acredito que a comunicação sindical pode ser um instrumento importante para combater as falsas informações, mas para isso tem que chegar nas pessoas, em suas redes sociais, em suas casas, nos próprios sindicatos. Essa é a forma que acredito ser necessária para se contrapor aos valores e ideias da burguesia.

Precisamos de uma comunicação atualizada, com todos os mecanismos das novas tecnologias, mas sem perder de vista a nossa essência. Por isso, devemos insistir na regulação da internet e das redes sociais, exigindo responsabilidade das big techs, assim como de todos os meios de comunicação. E combater as fake News como uma obrigação tenaz em defesa da ciência, da cultura, dos direitos humanos, da agroecologia, da natureza e da vida.

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Last Update: 22/04/2025