“Agora começou o jogo”, anunciou Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo, no sábado 20, durante a convenção que oficializou sua candidatura. A presença de Lula, da primeira-dama Janja e de seis ministros, além de diversos parlamentares petistas, demonstra de forma cabal o caráter prioritário da eleição paulistana para o PT, ainda que o partido não ocupe a cabeça da chapa – indicou Marta Suplicy para o posto de vice. “Você pode ter certeza de que conta com o meu apoio em qualquer momento. Não se deixe levar pelas mentiras, não aceite provocações”, aconselhou o presidente, dirigindo-se a Boulos. “Não podemos esquecer ninguém, principalmente os mais necessitados, aqueles que estão na sarjeta. É possível construir uma São Paulo mais humana.”
As palavras do padrinho político emocionaram um grupo de senhoras que carregavam “Lulinhas” de pelúcia. O boneco de Malvina Joana de Lima passou 580 dias acampado com ela em frente à sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o presidente esteve preso no curso da Operação Lava Jato. Filiada ao PT há 40 anos, ela diz não se preocupar com a falta de experiência administrativa de Boulos, pois entende que ele estará em boa companhia. “O PSOL ainda é um partido novo, mas com a Marta ao lado não vai ter erro, ela tem experiência de sobra”, assegura. Já o militante Charles Brown, que organiza a luta por moradia na Zona Leste, avalia ser preciso gastar muita sola de sapato na campanha, pois não será fácil derrotar o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, no comando da máquina pública e com o apoio declarado de Jair Bolsonaro. “O mais importante é voltar a fazer trabalho de base, de formiguinha.”
Antes de subir no palanque montado no Expo Center Norte, os políticos trocaram a “pulseira da amizade”, acessório popular entre os fãs da cantora americana Taylor Swift, e entre o público jovem não faltou quem também exibisse o amuleto ao “fazer o coração” com as mãos para se comunicar com os pré-candidatos. Sempre sorridente, e por vezes emocionado, Boulos fez questão de levar toda a família. Estava acompanhado dos pais Marcos e Maria Ivete Boulos, ambos médicos infectologistas e professores da Faculdade de Medicina da USP, das filhas Laura e Sofia, e da esposa Natalia Szermeta, advogada e militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, a escola política do candidato.
O presidente, a primeira-dama e seis ministros marcaram presença no lançamento da candidatura
“Política de verdade é aquela focada na realização de sonhos, em lutar com as pessoas por mais direitos, esse é o aprendizado que tive morando na periferia já há quase 20 anos”, diz o deputado federal, que ainda adolescente decidiu abandonar um tradicional colégio particular para concluir os estudos em uma escola pública e, logo após iniciar o curso de Filosofia na USP, mudou-se para um acampamento dos sem-teto. Não por necessidade. “Foi uma escolha de vida.”
Deputado federal mais votado de São Paulo em 2022, com mais de 1 milhão de votos, Boulos orgulha-se de ter exercitado a capacidade de diálogo com diferentes campos políticos em sua breve experiência parlamentar. “Em um ano, aprovei projetos com votos de colegas do MDB, do União Brasil, do Republicanos, de partidos que pensam diferente de mim. São Paulo é uma cidade diversa. Quando você ocupa a cadeira de prefeito, não representa só o seu partido, a sua convicção, precisa contemplar o conjunto da sociedade”, disse a CartaCapital. “Quero levar para a prefeitura não apenas essa experiência no Congresso, mas, principalmente, a sensibilidade humana que adquiri convivendo com pessoas humildes do movimento social.”
Ao estilo de seu padrinho político, Boulos promete “fazer o maior programa de regularização fundiária da história deste País”. Não basta erguer prédios, é preciso encontrar soluções sustentáveis para uma cidade que já está saturada, avalia. “Estudamos muito para trazer uma visão urbanística inovadora. O tema da redução de distâncias entre o local de moradia e de trabalho é central. O legado que eu quero deixar é o de uma cidade mais humana, capaz de combater as desigualdades.”
Ao convocar seus eleitores a “fazer o coração” e declarar “amor por São Paulo”, Boulos parece querer reeditar o “Lulinha Paz e Amor”, exitosa estratégia do marqueteiro Duda Mendonça em 2002, quando Lula venceu sua primeira disputa presidencial, após três tentativas infrutíferas. À época, o oponente tucano José Serra chegou a escalar a atriz Regina Duarte para dizer que tinha medo do líder petista, pintado como um extremista que colocaria em risco o controle inflacionário propiciado pelo Plano Real. Agora, é Ricardo Nunes quem semeia o terror no eleitorado, acusando Boulos de ser um radical. “Quero agradecer a cada um dos senhores pelo voto de confiança para que a gente possa dar continuidade ao nosso trabalho e vencer esse invasor, vagabundo e sem-vergonha”, discursou na segunda-feira 22, durante a convenção do PL que confirmou o coronel Mello Araújo, ex-comandante da Rota, a violenta tropa de elite da polícia paulista, como seu vice.
Nas eleições de 2020, com Erundina como vice, Boulos chegou ao segundo turno contra Bruno Covas e Nunes. O tom da campanha era outro, mais jovial e descontraído. Agora, aos 42 anos, o psolista deixou de lado a camisa polo e a calça jeans surrada, só é visto de terno ou com camisa social. Os sapatos lustrados ganham folga apenas em atividades informais, quando entra em cena um sóbrio tênis Puma preto. No início da pré-campanha, Boulos ainda desfilava pela cidade com seu Celtinha, que chegou a figurar em um dos jingles lançados há quatro anos, mas precisou abandonar o automóvel da família, quando começou a receber ameaças de morte. Desde então, o candidato anda de carro blindado, acompanhado de dois seguranças, tudo pago com recursos do PSOL.
“Pela atividade parlamentar, é natural que ele comece a usar trajes mais formais, mas isso também passa pela construção de uma imagem pública que atenue esse discurso de ódio do outro lado”, avalia o cientista político Claudio Couto, professor da FGV de São Paulo. “Boulos vem da classe média, Marta é da classe alta, mas ambos têm um compromisso muito claro com a periferia e, justamente por isso, precisam atingir desde o eleitorado mais pobre até o mais rico. Tanto a construção da imagem quanto a comunicação de campanha estão indo por esse caminho.”
As divergências internas foram apaziguadas e a direção do PT garante recursos na campanha
Marta é vista como uma peça-chave na estratégia eleitoral. Primeiro, por abrir portas a Boulos em territórios periféricos que ele não conseguia acessar. Um dia antes da convenção partidária, na sexta-feira 19, a ex-prefeita participou de um encontro com mulheres na Zona Sul. “Percebemos que, após as agendas deles nas periferias, o aumento de intenções de voto é imediato”, comenta o deputado federal Rui Falcão, do PT, que se licenciou da atividade parlamentar para assumir a coordenação da campanha. Mas ela também tem promovido jantares com empresários e representantes da elite paulistana, com os quais também dialoga com naturalidade. “Ela tem essa capacidade de conversar com todos, da classe baixa à alta, além de ser uma excelente articuladora política.”
Naquele mesmo dia, Marta também fez uma visita à família Tatto, que integra uma ala importante do PT, até pouco tempo refratária à candidatura de Boulos, por entender que o partido deveria lançar chapa própria. A divergência gerou ruído sobre como seria a destinação do fundo partidário para o financiamento de campanha, mas os ânimos foram apaziguados, garante o presidente do diretório municipal do PT, Laércio Ribeiro. Segundo ele, uma regra estabelece que o partido não pode financiar candidaturas de outras siglas, mas, no caso de São Paulo, os recursos serão destinados para a candidatura de Marta a vice e, naturalmente, também vão beneficiar Boulos. O PT também assegura que Lula abrirá espaço na sua agenda para participar ativamente da campanha. “Ele vai gravar peças para os programas de tevê e, certamente, estará presente no ato de encerramento, como esteve na abertura.”
De acordo com a mais recente rodada do Datafolha, divulgada no início do mês, Boulos e Nunes estão tecnicamente empatados. O prefeito aparece com 24% das intenções de voto, enquanto o deputado figura com 23%. Os líderes estão seguidos pelo apresentador de tevê José Luiz Datena, do PSDB, com 11%; pelo influenciador Pablo Marçal, do PRTB, com 10%; e pela deputada federal Tabata Amaral, do PSB, com 7%. O cenário ainda está aberto, avalia Falcão. Dividida em várias candidaturas, a direita não necessariamente estará unida no segundo turno, aposta o deputado petista. “Pelo tratamento respeitoso que o Datena vem dando ao Boulos, pode ser que ele seja um eventual aliado na etapa decisiva, independentemente da posição do PSDB”, pondera. Além disso, Marçal está crescendo nas pesquisas, apoiado em um eleitorado bolsonarista que não parece muito seguro sobre a lealdade de Nunes ao ex-presidente. “Surpresas acontecem. Vamos pensar que o segundo turno seja entre Boulos e Marçal. Muita gente vai anular o voto, mas estamos buscando uma aproximação com esse eleitor que é conservador, mas não bolsonarista.”
A deputada Tabata Amaral, por sua vez, tem uma agenda mais social e pertence ao mesmo partido do vice-presidente, Geral