Nascido em 1864 no bairro Bab al-Silsila, nas cercanias da Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, Muhammad Ruhi al-Khalidi destacou-se como uma das figuras mais lúcidas e combativas do povo palestino no final do século XIX e início do século XX. Oriundo de uma família tradicional e respeitada — os al-Khalidi — Ruhi foi, desde a juventude, moldado pelas disputas políticas do Império Otomano, pelo desenvolvimento intelectual e, principalmente, pela luta em defesa da Palestina contra a penetração do sionismo.
Formação e primeiros passos
Ruhi iniciou sua educação nas escolas tradicionais da região, passando por Jerusalém, Nablus e Trípoli. Ainda jovem, teve contato com mestres do saber islâmico na mesquita de al-Aqsa, onde estudou língua árabe, teologia, Hadith, gramática e lógica. Paralelamente, buscou aperfeiçoar sua fluência no francês, frequentando escolas administradas por ordens católicas. Essa formação eclética refletia não apenas o espírito cosmopolita do final do século XIX, mas também as necessidades práticas de uma Palestina sob administração otomana, já pressionada por interesses estrangeiros.
Filho único de Yasin al-Khalidi, jurista e político do Partido da Reforma Otomana, Ruhi acompanhou o pai em sucessivas transferências — de Jerusalém a Trípoli, passando por Nablus e Beirute. Esse trânsito precoce entre diferentes centros administrativos do Império proporcionou-lhe uma visão política aguçada desde jovem. Aos 16 anos, foi levado por um tio a Istambul e ali indicado, por um dos principais clérigos do Império, a um cargo de professor em Bursa.
Paris, Istambul e a construção do intelectual árabe moderno
Insatisfeito com a vida burocrática em Jerusalém, Ruhi buscou aprofundar seus estudos em Istambul, onde obteve diploma superior no Colégio Sultânico. Ainda assim, sentia-se limitado dentro da estrutura do Estado otomano e, por conta própria, viajou a Paris — sem conhecer ninguém — para se matricular na École libre des sciences politiques.
Estudou com alguns dos maiores intelectuais da época, como Alfred Rambaud, Albert Sorel e Hartwig Derenbourg. Posteriormente, ingressou na Sorbonne, onde se especializou em filosofia das ciências islâmicas, literatura oriental e história política. A França do período foi o palco da formação de um novo tipo de intelectual árabe: secularizado, mas profundamente enraizado em sua cultura.
Nesse período, Ruhi aproximou-se de Jamal al-Din al-Afghani e de Muhammad Abduh, dois importantes reformadores islâmicos. Também começou a escrever artigos para jornais do mundo árabe — Al-Hilal, Al-Manar, Al-Mu’ayyad, entre outros — assinando com pseudônimos como “o jerosolimitano”, por medo da repressão otomana. Os temas abordados variavam de questões filosóficas à crítica literária, passando pela história islâmica e pela política internacional.
Diplomata, professor e voz do mundo árabe
Em 1898, foi nomeado cônsul-geral do Império Otomano em Bordeaux, na França. Sua atuação na cidade lhe rendeu destaque: foi eleito decano do corpo consular local, composto por 46 representantes estrangeiros, e chegou a receber o presidente da República francesa em cerimônias oficiais.
A prefeitura de Bordeaux e o governo francês reconheceram seu prestígio com condecorações como a Légion d’honneur e a Ordem das Palmas Acadêmicas. Durante esse período, Ruhi manteve intensa atividade intelectual, escrevendo artigos densos, eruditos e críticos, sempre com pseudônimos.
Retorno a Jerusalém e a luta política
Com a restauração da Constituição otomana, em 1908, Ruhi voltou a Jerusalém e foi eleito deputado ao parlamento do Império. Ali, emergiu como uma das vozes mais atuantes da causa árabe. Ao lado de outros notáveis da região, fundou o Partido Liberal Moderado, uma agremiação política que buscava ampliar a participação árabe nos assuntos do Império, denunciando a centralização do Comitê de União e Progresso.
Foi reeleito em 1912 e ocupou o cargo de vice-presidente da Câmara. Em suas intervenções, fez reiteradas denúncias à crescente presença do movimento sionista na Palestina. Alertou que a imigração financiada por capitais internacionais e o uso de associações de fachada estavam permitindo a compra de terras e a expulsão de camponeses árabes. Em resposta aos sionistas que buscavam reivindicar um “direito histórico” à terra, escreveu, diretamente em um jornal hebraico, Ha-Zvi: “nada lhes devemos. Tomamos esta terra dos bizantinos, e não de vocês.”
Pioneiro na denúncia contra o sionismo
Ainda durante seu período como cônsul, Ruhi iniciara um estudo profundo do sionismo, intitulado O Sionismo ou a Questão Sionista. Para elaborá-lo, percorreu colônias judaicas na Palestina, analisou documentos internos de organizações sionistas, avaliou os aspectos religiosos do projeto e sistematizou suas conclusões com rigor estatístico. Sua denúncia baseava-se não em argumentos de ordem religiosa, mas em fatos concretos: o sionismo se configurava como um movimento colonial, que buscava a expulsão do povo árabe de sua terra natal com o apoio de potências estrangeiras.
Ao contrário da caricatura reacionária que alguns setores fazem dos defensores da Palestina, Ruhi al-Khalidi era um homem profundamente letrado, reformista, defensor da liberdade e dos direitos políticos dentro do Império Otomano. Sua oposição ao sionismo era inseparável de sua luta pela emancipação dos povos árabes.
Morte e legado
Ruhi faleceu prematuramente, em 6 de agosto de 1913, aos 49 anos, após contrair febre tifoide. Sua morte interrompeu uma trajetória ímpar, marcada pela erudição, pela atividade diplomática, pelo engajamento parlamentar e, sobretudo, pela denúncia precoce dos perigos do sionismo na Palestina.