Até pouco tempo, Zohran Mamdani era uma figura periférica na esquerda nova-iorquina. Deputado estadual desde 2021, com apenas três leis aprovadas, era visto como um ativista combativo, mas institucionalmente irrelevante. Mas as primárias democratas realizadas na terça-feira 24, que definem o nome do partido para disputar a prefeitura em novembro, mostraram exatamente o contrário.

Mamdani superou nomes de peso, como o ex-governador Andrew Cuomo e o controlador da cidade, Brad Lander. Cuomo desistiu ainda na terça, com 43% dos votos para Mamdani e 36% para si. “Esta noite é a dele. Ele mereceu. Ele venceu”, disse ao sair da disputa, sem descartar uma candidatura independente — bem como Eric Adams, atual prefeito, que rompeu com o Partido Democrata após uma gestão marcada por escândalos e desaprovação recorde. Embora o resultado oficial só deva sair em 1º de julho, a vitória é dada como certa.

Na quarta-feira 25, Brad Lander também deixou a corrida, mas em apoio declarado a Mamdani. “A linha divisória no Partido Democrata não é entre progressistas e moderados, mas entre lutadores e oportunistas”, escreveu no X. “Mamdani é um lutador.” O apoio de líderes da esquerda como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez reforçou o simbolismo da vitória. “Bilionários e lobistas investiram milhões contra você. E você venceu”, afirmou AOC.

Se eleito em novembro, a vitória será histórica. Aos 33 anos, Zohran Mamdani seria o primeiro prefeito muçulmano da história de Nova York, o mais jovem desde 1917 e o primeiro socialista declarado no cargo em mais de meio século. Nascido em Uganda, criado no Queens desde os 7 anos, é filho da cineasta indiana Mira Nair e do intelectual Mahmood Mamdani. Estudou em escolas públicas no Bronx e formou-se em Estudos Africanos. Trabalhou como motorista de aplicativo e conselheiro de prevenção a despejos — experiência que moldou sua plataforma voltada à classe trabalhadora.

Diferentemente de outros jovens da esquerda norte-americana, Mamdani não tenta parecer moderado ou conciliador. Propõe políticas públicas ousadas, que bebem na mesma fonte do movimento liderado por Sanders e Ocasio-Cortez: congelamento de aluguéis, supermercados públicos, creche universal e aumento de impostos para os mais ricos. Defende também a gratuidade dos ônibus da cidade, estimada em 630 milhões de dólares por ano — custo que, segundo ele, seria compensado por até 1,5 bilhão de dólares em benefícios econômicos ao reduzir atrasos, congestionamentos e aumentar a mobilidade de trabalhadores.

A radicalidade do programa, no entanto, vem embalada por um discurso acessível, direto e nada acadêmico. Conversando com eleitores em bairros como o Bronx e o Queens, o que mais se ouve é “ele fala como a gente”. E talvez seja esse o segredo de Mamdani. Percorreu bairros esquecidos por outros candidatos e formou uma coalizão diversa: jovens, imigrantes, inquilinos, trabalhadores precarizados, muçulmanos e latinos. Arrecadou fundos quase exclusivamente por meio de pequenas doações.

Sua campanha foi feita também sob medida para redes sociais, com vídeos curtos, bem humorados e cinemáticos. Mamdani pula de terno no mar gélido mar de Coney Island, no Brooklyn, para anunciar que pretende ‘congelar os aluguéis’. Em novembro, quando Donald Trump venceu Kamala Harris em bairros da periferia de Nova York, saiu às ruas perguntando: “Por que tantos nova-iorquinos da classe trabalhadora votaram em Trump — e tantos outros nem votaram?” O resultado? Alcance massivo nas redes.
Mas nem tudo é consenso. Mamdani se destaca também por posições polêmicas em política internacional, especialmente sobre o conflito Israel-Palestina. Com o slogan “Globalize a Intifada”, ele defende o fim da isenção fiscal para instituições que financiam assentamentos ilegais e afirma que prenderia o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, caso ele visitasse Nova York. Garante, no entanto, que sua crítica é ao sionismo, e não ao povo judeu, e promete ampliar o combate a crimes de ódio.

Difícil cravar que Nova York, símbolo do capitalismo global, está pronta para um prefeito tão utopista quanto visual e radicalmente transparente. Mas sua ascensão revela algo maior: há um cansaço profundo com as velhas fórmulas da esquerda, os velhos políticos e a ultrapassada forma de fazer campanha. Para um Partido Democrata acuado por Donald Trump e o nacionalismo conservador, Mamdani surge como possibilidade real de renovação. Mesmo que não vença em novembro, ele já redefiniu o que está em jogo — e mostrou que, mais do que resistir, a esquerda nova-iorquina quer vencer.

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Last Update: 26/06/2025