Imagem da marcha realizada no dia 7 de março, em Reserva do Iguaçu. Foto: Ana Clara Garcia Lazzarin

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, por tempo indeterminado, a reintegração de posse das mais de 100 famílias da comunidade Resistência Camponesa, localizada em Reserva do Iguaçu, centro-sul do Paraná. O despejo estava marcado para esta segunda-feira, 10 de março. 

A decisão foi emitida pelo Ministro Alexandre de Moraes, na madrugada de sábado para domingo, durante o plantão judiciário deste final de semana. O ministro atendeu uma medida cautelar proposta pelo defensor público João Victor Rozatti Longhi, da Defensoria Pública do Paraná, contra a ordem de despejo emitida pela Vara Cível da Comarca de Pinhão. 

“Hoje é um dia de muita alegria e muita emoção”, resume Bruna Zimpel, da direção nacional do MST pelo Paraná, que também está na comunidade. “Essa conquista de hoje significa a vitória da luta popular, com a suspensão da reintegração de posse, mas principalmente, sinaliza a partir dos órgãos competentes, INCRA e MDA, a possibilidade do assentamento definitivo das famílias que ocupam esse território”, garante a militante, que é acampada em Clevelândia. 

A vitória chega depois de vários dias de mobilização e articulação. Na última sexta-feira (7), as mulheres do MST, junto com as famílias sem Terra de toda da região, se mobilizaram em marcha em Reserva do Iguaçu para dialogar com a sociedade local e com autoridades para reivindicar a permanência das famílias no local. 

A mobilização integrou o Encontro Estadual das Mulheres Sem Terra do Paraná, iniciado no dia anterior, com companheiras Sem Terra de diversas regiões do estado. A atividade integra a Jornada Nacional das Mulheres Sem Terra, que acontece em todo o país até o dia 14 de março. O lema deste ano é: “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o capital.”

Fotos: Ana Clara Garcia Lazzarin
Marcha reuniu camponesas/es de diversas regiões do Paraná. Foto: Thiarles França
Autoridades reafirmaram a importância da suspensão do despejo das famílias da comunidade Resistência Camponesa. Estavam presentes na marcha o prefeito de Reserva do Iguaçu, Vitorio Antunes de Paula, superintendente do Incra-PR, Nilton Guedes, a ouvidora agrária Josiane Grossklaus, e os deputados estaduais Professor Lemos e Luciana Rafagnin (PT). Foto: Ana Clara Garcia Lazzarin

Cerca de 500 trabalhadoras e trabalhadores rurais marcharam até a Prefeitura Municipal. Lá, o ato político foi acompanhado de um café da manhã farto e diversificado da produção camponesa, com frutas e panificados. No período da tarde, a mobilização foi em frente ao Fórum da Comarca de Pinhão, onde se reuniram com a juíza titular Natália Calegari Evangelista. O objetivo do dia de mobilização foi sensibilizar autoridades e a população para a gravidade da situação. 

A área ocupada pelas famílias é uma das mais de 80 comunidades da Reforma Agrária que ainda lutam pelo assentamento no Paraná. Ao todo, são cerca de 7 mil famílias em áreas de ocupação organizadas pelo MST. 

Comunidade Resistência Camponesa

A história do Acampamento Resistência Camponesa demonstra que a organização comunitária e a produção de alimentos podem garantir vida digna para as famílias do campo.

Antes abandonada, a área se transformou com a chegada das famílias posseiras, há cerca de 20 anos. Hoje, elas possuem moradias estruturadas e lavouras produtivas, com grãos, grande variedade de frutas e hortaliças, animais, com produção de panificados e derivados do leite. A maioria das famílias já contribui significativamente para o comércio local e para a economia do município, com participação na feira semanal do município. 

Entre as autoridades locais que estão ao lado das famílias camponesas está o prefeito de Reserva do Iguaçu, Vitorio Antunes de Paula. Ele recebeu uma comissão de autoridades e de lideranças locais e estaduais do MST em seu gabinete e tomou café com as famílias em frente à prefeitura. 

“Nós que somos moradores natos aqui de Reserva do Iguaçu, a gente sabe a importância de um assentamento. Temos três assentamentos aqui em Reserva do Iguaçu, muito produtivos, e nós lutamos para que essas famílias continuem exatamente no espaço onde estão. É um sonho não somente dos moradores, mas para todos nós reservenses, porque a gente sabe bem da importância da geração de emprego e renda”, garantiu.  


Uma luta pela sobrevivência

Para as camponesas, a ameaça de despejo representa um risco direto à sua subsistência. Uma das moradoras do acampamento, que vive na área há 12 anos, relatou sua realidade.

Isa e seu esposo, Silverio, têm a casa rodeada com cerca de 50 tipos de árvores frutíferas. Dali colhem para o consumo próprio, para distribuir aos vizinhos e fazer doações. Fotos: Ednubia Ghisi  

“A gente paga ITR, CCIR [impostos do governo sobre áreas rurais], trabalha na lavoura, cria animais e preserva a mata. E eu dou conta de tudo sozinha. Esse ano colhi 60 sacas de milho, dez sacas de feijão e produzo queijo todo dia para vender. A gente só tem o nosso cantinho, a nossa casa pra viver. E a gente não se vê perdendo tudo isso e ir pra cidade tendo que viver de aluguel”, Isa Pavan Dalló, 55 anos. 

>> Confira o depoimento aqui:  https://www.youtube.com/shorts/rJYU9VSFQi4 

Violência e ameaças

Desde o ano passado, as famílias relatam sofrer constantes ataques e intimidações pela parte que diz ser dona da área, às margens da PR-459, no município de Reserva do Iguaçu. Em agosto de 2023, homens armados invadiram a comunidade durante a madrugada, ateando fogo em casas. Meses antes, um casal de idosos já havia perdido sua residência em um incêndio criminoso.

“Tiraram nosso direito de plantar, tiraram nosso direito de viver, porque nós estávamos na nossa vida tranquila, na nossa vida em paz, criando nossos filhos, vivendo normal e hoje nós estamos aqui embaixo de um barraco de lona. Nosso sítio tá lá, todo cheio de mato, porque nós não podemos mais plantar, então eu quero justiça, eu tô clamando aqui não só por mim, eu tô implorando, pedindo por justiça, não só por mim, mas para todas as 110 famílias que acampadas hoje aqui no Acampamento Resistência Camponesa. Que a justiça que ouça o nosso grito de dor, nosso grito de guerra que nós precisamos de ajuda”, implora a agricultora familiar Loreni de Fátima dos Santos.

A atuação de milícias privadas tem ocorrido com a conivência do poder público e da polícia, que chegou a realizar operações acompanhada do suposto proprietário da terra, mesmo ele não sendo o autor oficial da ação de reintegração de posse. A legalidade da posse das terras é questionável, já que o suposto dono não possui registro da propriedade em seu nome.

Incra se compromete em assentar as famílias

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Paraná (Incra-PR) demonstrou interesse em adquirir a área para o assentamento das famílias. O processo de desapropriação por interesse social, baseado na Lei 4.132/62, encontra-se suspenso por decisão judicial, mas ainda cabe recurso.

Nilton Bezerra Guedes, superintendente do Incra-PR, esteve nas reuniões na prefeitura de Reserva do Iguaçu e no Fórum da comarca de Pinhão neste dia 7, e reafirmou a proposta do órgão para solucionar o conflito: “A gente tem como solução a obtenção da área e a criação de um projeto de assentamento. Ou, no mínimo, que tenha um prazo suficiente para que o Incra abra chamada pública e obtenha uma área no próprio município pra poder estar resolvendo. Nós sabemos que um despejo é a última alternativa”.  

O MST segue mobilizado para garantir o avanço no assentamento das famílias da comunidade Resistência Camponesa, assim como das mais de 80 comunidades rurais já constituídas que ainda aguardam a formalização de assentamento. 

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Last Update: 09/03/2025