Feira fortalece a agricultura familiar e reforça luta pela Reforma Agrária Popular. Foto: Priscila Ramos

Por Fabiana Reinholz, Clara Aguiar e Marcela Brandes
Do Brasil de Fato

A 22ª edição da Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, realizada nesta quinta-feira (20) no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), trouxe de volta um dos maiores símbolos de resistência da agricultura familiar no estado. Após o impacto devastador das enchentes que atingiram a região no ano passado, a festa, que é um marco da luta pela reforma agrária e pela soberania alimentar, foi celebrada com grande entusiasmo e esperança por mais de cinco mil pessoas.

A colheita estimada é de 14 mil toneladas do grão. Foto: Jorge Leão

Em meio a um ano repleto de desafios, como a devastação das colheitas e a perda de terras para as enchentes, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e as famílias agricultoras puderam finalmente celebrar o que foi descrito como a maior colheita da história da agricultura agroecológica. Com a produção de 14 mil toneladas de arroz agroecológico, a festa simboliza não apenas a vitória sobre as dificuldades, mas também a renovação do compromisso com um futuro mais sustentável.

Foram semeados 2.850 hectares de arroz agroecológico. Foto: Jorge Leão

Hilário Welter, 65 anos, agricultor do assentamento, que se define como “agricultor desde que nasceu”, considera a festa um momento muito especial. “Estamos vendo o resultado do nosso trabalho. E é um trabalho que é meio solidário. Nós fizemos um trabalho solidário e conseguimos produzir alimentos sem veneno. Com a enchente, perdemos bastante, perdemos alguma produção sim, mas não que afetasse o nosso ânimo de continuar. É uma nova esperança, porque a luta continua. Estamos conseguindo, através dos bioinsumos ou biofábricas que nós temos aqui mesmo. Tiramos da natureza e devolvemos de novo”. 

Hilário Welter, 65 anos, agricultor do assentamento. Foto: Jorge Leão

Celebração e Resistência

A festa também foi marcada pela celebração comunitária, com diversas atividades culturais, apresentações musicais e danças tradicionais, que trouxeram ainda mais vida ao evento. O público, formado por agricultores, representantes políticos e cidadãos engajados com a causa, pôde apreciar os produtos da agroecologia local e discutir as questões que impactam as famílias camponesas.

“A 22ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico simboliza para nós, do movimento, a nossa união e capacidade de reconstrução. Mesmo com todas as dificuldades, quando nós assumimos o projeto de alimentar o Brasil, de produzir de forma agroecológica, nós nos comprometemos com o povo brasileiro. Então, pra nós hoje é uma celebração, é uma festa que nos surpreende com a quantidade de pessoas que vieram aqui nos abraçar e prestigiar esse momento tão bonito e emocionante para nossas famílias”, disse Lara Rodrigues, da direção nacional do MST no Rio Grande do Sul. 

Rodrigues também lembrou a importância da festa como um espaço para fortalecer a luta pela reforma agrária popular. “E hoje, nesse nosso ato político também, ficou claro que nós temos muitas articulações políticas e precisamos também do apoio do governo federal, dos deputados e deputadas para seguir com esse projeto de reforma agrária, que é em benefício do alimento saudável, em benefício das famílias, do campo e da cidade”.

A Feira da Reforma Agrária tem sido um espaço essencial para a valorização da agricultura familiar. Foto: Priscila Ramos

Apoio dos governos

O evento contou com a presença de diversas autoridades, como Edegar Pretto, presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que falou sobre o papel da agricultura familiar na construção de um futuro mais justo e sustentável. “Hoje é um dia de festa, um dia de comemorar a reforma agrária popular. Onde há territórios de reforma agrária, há produção de alimentos saudáveis, preservação do meio ambiente e dignidade para as famílias. A colheita do arroz agroecológico é a maior prova de que há um caminho para acabar com a fome neste país: a reforma agrária popular. Precisamos substituir latifúndios improdutivos por assentamentos que levem fartura à mesa do povo trabalhador.”

O deputado destacou a importância das políticas públicas para a agroecologia: “Na Assembleia Legislativa, temos projetos de lei para proibir a pulverização aérea e fomentar a agricultura sustentável. Já temos exemplos positivos, como Nova Santa Rita, onde a pulverização aérea foi proibida por lei municipal. Queremos expandir isso para todo o estado.”

O evento contou com a presença de diversas autoridades. Foto: Priscila Ramos

Marco Antônio, vereador de Viamão (PDT), também destacou a relevância da celebração. “É uma honra, como vereador da nossa cidade, como filho de agricultor familiar e presidente da comissão de agricultura do nosso município, estar aqui nessa 22ª colheita do arroz orgânico da nossa cidade. Viamão é o município do Brasil com o maior número de produtores orgânicos. Para nós, é um privilégio ter aqui também a maior área de produção de arroz em área contínua da América Latina.”

O vereador enfatizou a importância da produção de alimentos saudáveis: “Precisamos mudar a linha do consumo, optar por uma alimentação mais natural e saudável. O protagonismo dos assentados na produção de alimentos livres de veneno é essencial, garantindo comida de qualidade para a população e para a merenda escolar.”

A deputada federal Daiana Santos (PCdoB) enfatizou o significado desse momento para o movimento e o impacto do investimento público:

“A gente tem que valorizar muito esse espaço, que depois dessa enchente, esse é um marco. Novamente, a gente tem que falar do investimento do governo federal, através do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mas principalmente valorizando aqui quem planta, o povo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É a maior produção orgânica da América Latina. A gente está falando de 14 mil toneladas. Isso é impressionante.”

A vereadora Atena Roveda (Psol) destacou a importância da luta do MST para além da produção agrícola:

“Quando a gente pensa no MST, pensamos em um povo conectado com a terra, mas também em um projeto político de sociedade. Estamos aqui para combater o preconceito e defender as famílias camponesas contra a criminalização injusta do movimento. O MST tem um papel fundamental na produção de alimentos saudáveis e na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.”

Atividades e encontros

A festividade também teve um forte componente educativo, com palestras e rodas de conversa sobre a importância da agroecologia e da soberania alimentar. A feira de produtos agroecológicos, que trouxe diversos produtos dos assentamentos da região, foi um sucesso, mostrando que é possível cultivar alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos, e fortalecer a economia local.

Mais de cinco mil pessoas participaram do evento. Foto: Priscila Ramos

Fernanda Silveira Pereira, integrante da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), destacou a importância da visibilidade que a feira proporciona aos produtores da agricultura familiar:

“Tá sendo muito boa, a gente trouxe produtos bem variados e a venda está acontecendo, acredito que não só na nossa banca, mas também nas demais bancas. Quando a gente vai passando pela feira, a gente vê que está bem movimentada, está tendo bastante visibilidade, o pessoal está acolhendo a agricultura familiar. Então, a feira ser grande como ela está sendo é muito importante para ter mais visibilidade, para a gente mostrar para a cidade que temos esse poder aqui dentro do movimento.”

Com 50 bancas e a participação de 9 cooperativas do estado, a feira contou com grupos de produção e agroindústrias de diversos assentamentos. Foto: Priscila Ramos

O assentado Ângelo Antônio Junqueira da Silva, de Charqueadas, destacou a relevância da colheita para a identidade do MST:

“Hoje somos o maior produtor de arroz agroecológico da América Latina. A importância para nós, após termos passado pelas enchentes que tivemos no final de 2023 e início do ano de 2024, é imensa. É um símbolo de luta. Temos nossos coletivos da comunidade LGBT dentro do movimento, onde nos organizamos e lutamos contra a violência e a homofobia. A agroecologia é essencial para garantir um futuro mais saudável para as próximas gerações.”

Camila Borges, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) destacou a motivação que um evento dessa magnitude reflete nos jovens:

“Estamos aqui com um grupo grande, com gente de Rondônia, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Paraná, contribuindo na organização do evento. Durante a mística, abordamos inicialmente o desastre ambiental que atingiu o Rio Grande do Sul no ano passado. Depois, discutimos como os movimentos sociais se mobilizaram para ajudar as famílias afetadas. Por fim, falamos sobre as crianças, que simbolizam esperança para o futuro. Diante das perdas que tivemos, incluindo muitas plantações de arroz, essa festa é um momento revolucionário, pois representa a resistência e a esperança de dias melhores.”

Foram realizadas diversas atividades durante o evento. Foto: Priscila Ramos

Com um olhar para o futuro, a Festa da Colheita do Arroz Agroecológico reafirma o compromisso do MST com a produção sustentável e a justiça social, celebrando a resistência e a esperança de um modelo agrícola mais justo para todos.

Cozinhas Solidárias e a Reforma Agrária Popular

No evento que celebra a colheita e reforça a importância da reforma agrária popular, representantes das Cozinhas Solidárias destacaram o impacto da parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na luta contra a fome.

O impacto da parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na luta contra a fome. Foto: Priscila Ramos

Ângela Comunal, da Cozinha Solidária, ressaltou a relevância desse vínculo, que se fortaleceu em momentos críticos, como durante a pandemia e as enchentes:

“O que vocês plantam, nós cozinhamos. Essa relação entre o campo e a cidade é fundamental. Imaginem vocês que estão aqui plantando, e nós, nas cozinhas, transformando essa colheita em refeições para quem mais precisa. É emocionante ver pessoas que chegam com um pote na mão, esperando um prato de comida. Atendemos diretamente essas comunidades e fazemos o máximo, mas ainda há muito a avançar. Faltam recursos para gás, para temperos, e essa é uma necessidade urgente das cozinhas solidárias. No entanto, mesmo antes das políticas públicas, esse movimento já nos apoiava, trazendo arroz e feijão para que pudéssemos continuar cozinhando. Hoje, mais de 30 cozinhas estão aqui, prestigiando essa colheita, assim como em outros momentos importantes.”

A solidariedade e a união na luta pela reforma agrária. Foto: Jorge Leão

Já Tia Bete, também da Cozinha Solidária, destacou a persistência dessa luta e como as recentes crises tornaram ainda mais evidente a necessidade de fortalecer a solidariedade:

“Desde a enchente, seguimos de mãos dadas para atender o povo, e desde então, não paramos mais. E eu não pretendo parar nunca. Quero continuar ajudando e agradeço do fundo do coração toda a ajuda que recebemos. Essa tragédia nos abriu os olhos para ver quantas pessoas realmente precisam de nós.”

O evento reforçou não apenas a importância da reforma agrária popular, mas também a necessidade de políticas públicas que garantam estrutura e recursos para a continuidade das Cozinhas Solidárias, um projeto essencial no combate à fome e na construção de uma sociedade mais justa.

Edição: Katia Marko e Vivian Virissimo

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Last Update: 21/03/2025