MPF pede suspensão imediata e ameaça perfuração da Petrobras na Margem Equatorial

O Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal para suspender, de forma imediata, a licença ambiental concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que autoriza a Petrobras a perfurar poços de petróleo no bloco 59 da Margem Equatorial brasileira. A informação foi divulgada pelo jornal O Globo.

Na ação judicial, o MPF sustenta que o processo de licenciamento apresenta falhas consideradas graves e estruturais, sobretudo no que diz respeito à proteção de pescadores artesanais e comunidades extrativistas potencialmente afetadas pelas atividades de exploração. Segundo os procuradores, o empreendimento foi autorizado sem a exigência do Plano de Compensação da Atividade Pesqueira (PCAP) ainda na fase exploratória, o que deixaria milhares de famílias sem garantias de reparação em caso de impactos negativos.

Falta de compensação a pescadores é ponto central da ação

De acordo com o MPF, a ausência do PCAP representa uma omissão relevante no licenciamento ambiental, já que a perfuração de poços e a logística associada à atividade petrolífera — como o intenso tráfego de embarcações de apoio — podem interferir diretamente na pesca artesanal, principal fonte de renda de comunidades costeiras do Amapá e de áreas próximas.

Os procuradores argumentam que o próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela Petrobras reconhece que haverá perturbação na atividade pesqueira. O documento aponta riscos como a alteração das rotas de pesca, a possibilidade de danos a redes, armadilhas e outros artefatos utilizados pelos trabalhadores do mar, além de impactos indiretos causados por ruídos, iluminação noturna e movimentação de navios.

Apesar desse reconhecimento, o MPF afirma que o Ibama não exigiu instrumentos eficazes de mitigação e compensação para os pescadores na fase exploratória. A justificativa utilizada pelo órgão ambiental, baseada em um Termo de Referência de 2014, é considerada insuficiente e defasada, por não refletir a realidade atual da região nem a complexidade do empreendimento.

MPF questiona licenciamento e pede suspensão imediata

Na avaliação do MPF, a concessão da licença sem a definição prévia de mecanismos de compensação viola princípios do direito ambiental, como o da precaução e o da prevenção. Os procuradores destacam que o risco socioambiental não se limita à fase de produção, mas começa já na exploração, quando ocorrem intervenções físicas no ambiente marinho.

A ação pede a suspensão imediata da licença até que sejam sanadas as lacunas identificadas, incluindo a elaboração e aprovação de um plano específico de compensação para as comunidades pesqueiras potencialmente impactadas. O MPF sustenta que permitir o avanço das atividades sem essas garantias pode causar danos irreversíveis ao modo de vida de populações tradicionais.

Ibama defende regularidade e rigor técnico do processo

Procurado pelo O Globo, o Ibama afirmou, por meio de nota, que apresentará esclarecimentos à Justiça Federal e declarou estar convicto de que o processo de licenciamento foi conduzido de forma rigorosa e em conformidade com a legislação ambiental vigente.

Segundo o órgão, todos os parâmetros técnicos e legais aplicáveis foram observados, e a licença foi concedida com base nos mais elevados padrões de segurança ambiental. O Ibama acrescentou que o cuidado com as populações potencialmente impactadas também foi considerado ao longo da análise.

“A licença é sólida e está em conformidade com os parâmetros técnicos e legais exigidos”, afirmou o órgão ambiental, reiterando que o licenciamento seguiu os procedimentos previstos para a tipologia do empreendimento.

Até o fechamento da reportagem, a Petrobras não havia se manifestado oficialmente sobre a ação do MPF.

Licença foi concedida em meio a pressão política

A autorização para a perfuração no bloco 59 foi concedida pelo Ibama no dia 20 de outubro, em um contexto de forte pressão política. À época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou publicamente a demora do órgão ambiental na análise do processo, chegando a classificar o andamento como “lenga-lenga”.

Nos bastidores do governo, a liberação da licença era vista como um compromisso político com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de uma estratégia para estimular a geração de empregos e investimentos no Amapá, estado que enfrenta desafios históricos de desenvolvimento econômico.

A decisão também ocorreu às vésperas da COP30, conferência climática da ONU que será realizada no Brasil, o que ampliou o debate sobre a coerência da política ambiental brasileira diante da expansão da exploração de petróleo em áreas sensíveis.

Margem Equatorial ganha destaque estratégico

A disputa em torno da Margem Equatorial tem se intensificado nos últimos anos, impulsionada por grandes descobertas de petróleo no litoral da Guiana. O país vizinho atraiu multinacionais como a ExxonMobil e registrou reservas estimadas entre 12 bilhões e 15 bilhões de barris, o que transformou a região em um novo polo energético global.

Estudos internacionais indicam que a produção da Guiana pode crescer até cinco vezes na próxima década, aumentando a pressão sobre países vizinhos para explorar áreas geologicamente semelhantes.

No Brasil, o interesse pela Margem Equatorial se reflete nos leilões promovidos pelo governo federal. Em junho, foram arrematados 19 dos 47 blocos ofertados na região, com participação de empresas como Petrobras, ExxonMobil e Chevron. O movimento ampliou a disputa por uma das áreas consideradas mais promissoras para a exploração de petróleo no país.

Com a ação do MPF, o futuro imediato do bloco 59 passa agora a depender da decisão da Justiça Federal, em meio a um embate que envolve interesses econômicos, ambientais, sociais e políticos de grande escala.

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