Em 27 de dezembro, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), nomeou o ex-prefeito de São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana, como o novo secretário de Segurança Urbana da capital.
Menos de um mês depois, o secretário se viu envolvido na primeira polêmica durante a nova gestão, quando, na formatura de 500 novos guardas-civis, aconselhou os formandos a não ficarem acima da lei, mas que não se intimidassem ou ficassem abaixo dela. “Tenham a clareza que, se num confronto com um criminoso, que chore a mãe do criminoso e nenhum parente de vocês”, disse o secretário.
O que talvez Morando não saiba, apesar de já ter liderado um Executivo municipal por oito anos (2017-2023), é que compete à guarda municipal a proteção do patrimônio público. O combate ao crime é de competência estadual.
Mas a lista de polêmicas do ex-prefeito de São Bernardo deve chegar a 100 denúncias, de acordo com representantes do movimento negro do ABC, que além de denunciar as ações de Morando ao Ministério Público, também as levaram ao Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes da Organização das Nações Unidas (ONU), tornando-o o único prefeito da América Latina denunciado por práticas sistemática de racismo institucional.
“Os fatos ocorridos em São Bernardo do Campo são elementos para questionar a nomeação dele enquanto secretário de segurança da maior cidade do estado de São Paulo, maior cidade do Brasil, maior e mais importante cidade da América”, defende Carlos Wellington, educador popular e membro do Fórum Antirracista de SBC.
Carta aberta
Em 9 de janeiro, representantes de movimentos sociais divulgaram uma carta aberta ao Legislativo municipal e estadual, na esperança de que as ações do ex-prefeito durante o mandato em São Bernardo sirvam de questionamento para decidir se Morando é, realmente, qualificado para ocupar um cargo tão delicado quanto o da Segurança Urbana.
Entre as ações de maior destaque estão a promoção de festas que celebram a cultura de povos imigrantes justamente no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro de 2021. No ano seguinte, o evento oficial da prefeitura homenageou a comunidade japonesa.
Os militantes ressaltam ainda a perseguição aos jovens pretos e periféricos que participavam de batalhas de rima e a conivência da gestão municipal em relação a um inspetor da Guarda Civil, denunciado por publicações neonazistas e de apologia à supremacia branca nas redes sociais. Em vez de afastado, punido ou investigado, o inspetor passou a integrar o serviço de inteligência da GCM.
A Casa do Hip Hop, que reunia o maior acervo do país sobre o movimento, foi despejada para sediar a Casa da GCM. Todo o acervo municipal foi encaminhado para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Um templo religioso de matriz africana e o Projeto Meninos e Meninas de Rua, ONG que atende crianças em situação de vulnerabilidade social e que são, majoritariamente negras, também entraram na mira do ex-prefeito. O templo foi despejado, mas a ONG conseguiu resistir às tentativas de deixar a sede no centro são-bernardense.
Calúnia?
Em resposta às denúncias apresentadas no Fórum da ONU, Orlando Morando ajuizou uma queixa-crime contra dois ativistas que acusaram sua gestão de praticar o “racismo institucional”.
No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a ação, tendo em vista que as críticas à gestão do ex-tucano não tinham a intenção de atingir a honra do então prefeito, mas sim aprsentar um contraponto à atuação política no Paço Municipal de São Bernardo do Campo.
“Assim, as críticas realizadas pelos recorridos, considerando o contexto e a atuação deles como representantes da população preta daquele município, faz parte de amplo exercício do direito de expressão, não se verificando exagero na crítica ou na narrativa, a ponto de caracterizar o crime imputado,” apontou o desembargador Aguinaldo de Freitas Filho.
Leia na íntegra:
Desmonte da cultura
Ao longo de dois mandatos, Morando, que não conseguiu eleger a sobrinha Flávia Morando (União brasil) na última disputa eleitoral, também pôs fim a diversos eventos e centros de cultura.
Entre eles está o Desfile das Escolas de Samba, que era o segundo maior do Estado, atrás apenas da capital paulista. Bibliotecas, gibiteca e teatros dos Ceus também não resistiram ao mandato de Morando.
“O mais urgente é a exoneração do cargo, pois entendemos que essa figura não tem condições técnicas, éticas, morais, intelectuais de exercer um cargo de segurança pública da maior cidade da América do Sul”, continua Carlos Wellington.
Confira algumas das práticas do ex-prefeito denunciadas pelos movimentos sociais de São Bernardo, cuja próxima revisão deve chegar a 100 denúncias:
1 – O ponto de partida é o chamado da campanha eleitoral de 2016: ” DEVOLVER SÃO BERNARDO PROS SÃO BERNARDENSES! ”
2 – Despejo da CASA DO HIP HOP. No seu lugar deixou uma CASA DA GCM.
3- Fechamento da autarquia municipal de excelência, FUNDAÇÃO CRIANÇA. Criada na cidade nos anos 1970.
4- Despejo de 1 TEMPLO RELIGIOSO DE MATRIZ AFRICANA.
5- Em 2017 a única das 7 cidades do ABC a não respeitar o feriado do 20 de novembro foi a cidade de São Bernardo do Campo. Nos outros 6 municípios foi feriado. Como também na Capital, Osasco, Guarulhos.
6- Fim do tradicional Carnaval da cidade de São Bernardo do Campo. A atual gestão acabou com o tradicional Carnaval da cidade.
7 – Perseguição do BLOCO EURECA de Carnaval. A atual gestão passou de 2017 até 2020 perseguindo o BLOCO de Carnaval do Projeto Meninos e Meninas de Rua. O Bloco EURECA. Tentando inviabilizar o seu desfile anual de tarde de sexta feira de Carnaval.
8- Assinatura do decreto de despejo do PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA no dia 13 de julho de 2020. Exato dia em que o ECA completava 30 anos. E durante a primeira onda da pandemia.
9- Nova intentona do prefeito pra despejar o PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA ( criado na cidade em 1983. Pioneiro no país. ) Dessa vez a assinatura do despejo ficou pra SEMANA DA CRIANÇA. ( Semana do 12 de outubro de 2021! ).
10- EVENTO DA CULTURA ALEMÃ NO PAÇO MUNICIPAL NO DIA DO FERIADO DE 20 DE NOVEMBRO DE 2021! COMO ÚNICO EVENTO OFICIAL DO GOVERNO NO DIA.
11- HOMENAGEM A COMUNIDADE NIPÔNICA ( JAPONESA ) DA CIDADE NA DATA DO FERIADO MUNICIPAL DE 20 DE NOVEMBRO DE 2022. COMO ÚNICO EVENTO OFICIAL DO GOVERNO NO DIA.
12- O prefeito de SBC levou do dia 01 de janeiro de 2017 ( quando assumiu a prefeitura ) até meados de 2022 pra nomear alguém pro DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL E COMBATE AO RACISMO. Finalmente nomeou uma pessoa em meados de 2022. Um homem branco.
13- Um inspetor da Guarda Civil Municipal foi denunciado em vários veículos de comunicação ( UOL, MÍDIA NINJA, A VERDADE etc…. ) por postagens neonazistas e de supremacia branca, foi retirado das ruas pelo prefeito. Hoje sabemos que esse inspetor trabalha hoje no SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA DA GCM.
14- Despejo de ALCÓOLICOS ANÔNIMOS de um espaço em que estavam a mais de 3 décadas.
15- Despejo da GIBITECA MUNICIPAL de seu prédio. Uma das poucas cidades no Brasil a ter uma GIBITECA. E foi despejada de seu prédio. Pudemos testemunhar visitas de adolescentes da FUNDAÇÃO CASA e da FUNDAÇÃO CRIANÇA na GIBITECA. Como também de crianças de EMEIs e EMEBs.
16- Demolição de 1 TEATRO de um CEU na periferia da cidade. O TEATRO DO CEU CELSO DANIEL. Localizado no bairro TRÊS MARIAS. Crime realizado em fevereiro de 2022.
17- Demolição ( quebra ) das estruturas pra construção do futuro TEATRO do CEU do bairro periférico Jardim Silvina. Crime realizado em fevereiro de 2022.
18- O TEATRO do CEU do bairro VILA SÃO PEDRO é propositalmente sub-utilizado por essa administração que, em campanha eleitoral de 2016, prometeu ” DEVOLVER SÃO BERNARDO PROS SÃO BERNARDENSES ! ”
19- FECHAMENTO DA ESCOLA LIVRE DE ARTES CÊNICAS E DANÇA
20- DEMOLIÇÃO DE CASAS DE FAMÍLIAS NA PERIFERIA. MESMO DURANTE A PANDEMIA, QUANDO ESSA GESTÃO QUE PROMETEU EM CAMPANHA, ” DEVOLVER SÃO BERNARDO PROS SÃO BERNARDENSES ” USOU DO PRETEXTO ” ÀREA DE RISCO ” PRA PODER REALIZAR DESPEJOS DE FAMÍLIAS DE SUAS CASAS NA PERIFERIA.
21 – Perseguição e tentativa de criminalização dos jovens pretos, pobres e periféricos que, nas noites de terças feiras, ocupam uma das praças do centro da cidade. Pra realizar o evento de rima de MCs nacionalmente conhecido como BATALHA DA MATRIX. A prefeitura aplicou R$ 50 mil de multas em cima de um dos organizadores. Um jovem preto-pobre.
22- Despejo da BIBLIOTECA INFANTIL MUNICIPAL. No interior da Biblioteca Municipal Guimaraes Rosa, havia um espaço de 100 metros onde funcionava uma Biblioteca Infantil. Com visitas de crianças das EMEIs e EMEBs. O prefeito despejou esse espaço pra ceder pro Cartório Eleitoral.
23- São Bernardo do Campo tem hoje a segunda população de rua do estado.
24 – Despejo de duas BIBLIOTECAS PÚBLICAS inauguradas na cidade nos anos 1970. A do Rudge Ramos ( inaugurada em 1976 ) e a do bairro Baeta Neves ( Inaugurada em 1979 ).
25- Esvaziamento de um programa de tratamento humanizado via parceria CAPIS/ PINACOTECA MUNICIPAL. Onde fora constituído na gestão passada um programa de atendimento em saúde mental que foi considerado como referência nacional. Com um ateliê do CAPIS na PINACOTECA MUNICIPAL. Mas a atual gestão esvaziou esse programa de tratamento humanizado do CAPIS em parceria com a PINACOTECA ( Secretária de Cultura ).
26- No episódio do massacre na favela de Paraisópolis, no final de 2019, o prefeito de São Bernardo de Campo, dessa atual gestão, fez um video relativizando a gravidade do fato e criminalizando o funk.
27- Retirada da gratuidade de linha de ônibus do fundão da periferia da cidade Região do Alvarenga. Que além de ter agora cobrança da passagem de ônibus tiveram o itinerário do mesmo reduzido. Linha que quando era gratuita ia até a Unidade médica de Pronto Atendimento ( UPA ) do Alvarenga, agora mesmo com cobrança não vai mais.
28- A BIBLIOTECA DO CENTRO de SBC, entre abril e junho de 2022, ficou 60 dias fechada. Motivo: furto de 1 cabo de energia.
Uma biblioteca pública que, até o início da pandemia, tinha uma média de 800 visitações diárias. E que foi o objeto da população da região do centro no Orçamento Participativo da gestão passada. ( Petista ) Demanda: Reforma, ampliação de horário de funcionamento e fumcionamento aos domingos.
29- Todas as 6 salas multi-uso do Teatro Elis Regina e Biblioteca Guimaraes Rosa foram inviabilizadas por essa gestão. Doadas pro Cartório Eleitoral etc… Duas na Biblioteca Guimaraes Rosa e 4 no Teatro Elis Regina.
30- Salas multi-uso de cursos e oficinas da PINACOTECA MUNICIPAL ocupadas pra cumprirem função de departamento ou secretaria de CULTURA.
31- Despejo da Secretária de Cultura de seu prédio.
32- Sala multi-uso da BIBLIOTECA DE ARTE MUNICIPAL virou sala do prefeito. Na outra gestão lá funcionou um cine-clube nas noites de quintas feiras.
33- Escândalo de racismo na câmara de vereadores envolvendo base aliada do prefeito. Uma Guarda Civil Municipal foi discriminada enquanto uma Guarda Civil Branca foi apreciada. Tudo isso documentado em vídeo.
34- Recentemente a prefeitura esboçou pretensão de usar 900 mil do recurso da lei Paulo Gustavo pra reformar o TEATRO do paço municipal, do centro da cidade. A mesma gestão que DEMOLIU 1 teatro na periferia.
35- A atual gestão aplica um projeto nas escolas municipais que, cujo objetivo é ver a língua italiana sendo a segunda língua falada na cidade.
36 – O prefeito de São Bernardo deixou de pagar a sua parte no pagamento do aluguel e despesas da CASA ABRIGO DO ABC PRA MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA .
37- Não abertura de editais de capoeira e percussão nas escolas do município. Estímulo apenas pra balé, coral, fanfarra, língua italiana.
38- Total Desprezo governamental pela lei 10.639. Que estabelece que os municípios tem que trabalhar com a cultura e história dos povos de origem africana que vieram pro Brasil.
39- Engenheiros e arquitetos constataram que atual gestão notificou famílias pra remoção de suas casas que, não estavam com suas casas em situação de risco.
40- O prefeito tem vídeos em que ele diz ter ” orgulho de ser italiano. ” O mesmo que em campanha disse que iria : ” DEVOLVER SÃO BERNARDO PROS SÃO BERNARDENSES!”
Confira a denúncia protocolada pelos movimentos negros no Ministério Público de São Paulo:
Resposta
A reportagem do GGN entrou em contato com a Secretaria de Segurança Urbana de São Paulo, a fim de obter um posicionamento. Em nota, a pasta informou que “mantém ações voltadas à promoção da igualdade racial em conformidade com a Política Municipal de Prevenção e Combate ao Racismo Institucional (Decreto nº 59.749/20)”.
“Além disso, é importante frisar que São Bernardo avançou no combate ao racismo durante a gestão do prefeito Orlando Morando (2017-2024). Foi a primeira cidade da Região Metropolitana a aderir ao Projeto Cidades Antirracistas junto ao Ministério Público, passou a contar com o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial e com cartilha com reflexões sobre educação antirracista – entregue a todos profissionais da educação, estudantes e famílias –, com a Lei Municipal que reserva 25% das vagas oferecidas nos concursos públicos da cidade aos negros, além de legislação que pune atos de discriminação ou preconceito por conta da raça, cor e etnia dentro dos equipamentos esportivos com multa de R$ 5 mil até R$ 15 mil”, informou a assessoria de imprensa.
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