Pela primeira vez, o Brics, bloco formado por países em desenvolvimento que inclui Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia, abre espaço oficial para a voz da sociedade civil.

A reunião do Conselho Popular do Brics, também chamado de Conselho Civil, acontece nos dias 4 e 5 de julho no Teatro Carlos Gomes, no centro do Rio de Janeiro, e conta com a presença de representantes de movimentos sociais de todos os países do bloco e seus parceiros.

O evento antecede a Cúpula de Líderes do Brics, marcada para os dias 6 e 7. Ao final dos debates populares, será entregue um documento com propostas concretas aos chefes de Estado.

“Não foi dada. Foi conquistada”

Para Maíra do MST, vereadora do PT do Rio de Janeiro, o espaço aberto para os movimentos sociais é resultado de anos de articulação. “Olha, essa é uma iniciativa muito importante que não foi dada aos movimentos sociais. Na verdade, ela é fruto de muitos debates, de muitos diálogos, de uma pré-disposição também da presidência do BRICS de entender esse lugar de importância dos movimentos sociais, das mulheres, dos povos organizados que estão reunidos aqui hoje no Teatro Carlos Gomes.”

Maíra destaca que a iniciativa tem dimensão internacional: “Nós pretendemos apresentar uma agenda de questões que tangenciam não só a vida do povo brasileiro, mas também a vida dos pobres. Por isso é preciso que a gente reconheça também a importância de termos delegados de outras partes do mundo, né?”.

Fome e reforma agrária como bandeiras centrais

Segundo Maíra, os movimentos sociais do Brasil vão defender especialmente duas prioridades: “A primeira, é a questão do combate à fome. O G20, no ano passado, também apresentou a Aliança Global contra a fome e a pobreza e acho que isso é um caminho muito importante para que os nossos países, para que o Brasil consiga abraçar, de fato, é, uma agenda política de combate à fome, né? Com políticas públicas nos estados e nos municípios e aí eu estou falando aqui desde o Rio de Janeiro que convive com uma parcela de 2 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.”

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Ela também reforça a pauta da reforma agrária: “A reforma agrária como uma bandeira histórica do movimento sem terra que tem condição tanto de ampliar, a vida do povo camponês no campo com dignidade, com acesso a trabalho digno, ao cultivo da terra, mas também na produção dos alimentos, com terra para a produção de dos alimentos e não só para a exportação de commodity.”

Brics precisa integrar os povos, não só governos, defende Márcio Macêdo

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, participou da abertura do encontro e fez um discurso contundente sobre o papel do Brics diante dos conflitos globais. “O que tá acontecendo em Gaza, aquilo não tem outro nome, gente, é genocídio. É um estado armado, bem armado, matando mulheres, crianças, homens desarmados. Isso demonstra a necessidade de uma reorganização de governança global. Por isso a importância do Brics.”

Para ele, o Brics deve ir além dos acordos entre governos: “Os Brics, na minha modesta opinião, precisa dar um passo a mais, além de discutir a questão política, econômica, geopolítica, é fazer, além da integração entre os nossos governos, é fazer integração entre os nossos povos.”

Márcio defendeu o papel ativo da sociedade civil: “Eu não acredito em nada que é feito sozinho pelo brilhantismo só da administração. Quando se faz conjuntamente com a participação do povo, a possibilidade de acertar é maior do que errado.”

Segundo ele, esse protagonismo da participação popular também deve ser levado adiante em outros fóruns multilaterais. “No G20, construímos o G20 Social, e agora estamos aqui no Brics com o mesmo espírito. E vamos levar esse modelo para a COP 30. Os movimentos têm de estar no centro do debate, não na periferia.”

O ministro também afirmou que o que está sendo feito no Brasil com o Conselho Popular é um marco histórico: “Às vezes, a gente está fazendo coisas no presente e não consegue enxergar a grandiosidade do que nós estamos fazendo. Mas quando a história se distancia no seu espaço temporal e bota os dois, a gente percebe que nós estamos escrevendo um capítulo importante da história.”

Juventude quer continuidade e diálogo permanente

O secretário nacional de Juventude, Ronald Sorriso, ressaltou que o Conselho já está conectado com os canais formais do Brics: “Nós já tivemos uma iniciativa absolutamente inovadora por parte da presidência brasileira, que foi a reunião dos sherpas, (realizada, nos dias 25 e 26 de fevereiro, no Itamaraty) recebendo representantes dos diversos grupos temáticos e inclusive o Conselho Popular…”

Ronald defendeu a permanência do diálogo: “A garantia agora é a continuidade desse Conselho, e que a próxima presidência, possa dar continuidade junto aos movimentos sociais locais.”

Antônio de Freitas: construir unidade na diversidade

O subsecretário de Finanças Internacionais do Ministério da Fazenda, Antônio de Freitas, falou sobre as dificuldades de construir consensos em um bloco tão diverso: “Os desafios principais são primeiro a integração dos novos países nos Brics. Você tinha cinco países originais. Ano passado entraram mais cinco e esse ano nós tivemos a Indonésia entrando também. Então é um desafio para que eles tomem pé dos assuntos e consigam se integrar de maneira mais homogênea.”

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Ele explicou que a heterogeneidade entre os países aumentou: “Tinha antes a China, que é muito maior do que os outros países economicamente e agora você tem uma diversidade de países com Emirados Árabes Unidos, com a Etiópia, com o Egito, com o Irã, que ao mesmo tempo que fortalece o bloco, dá mais peso, dá mais envergadura, aumentam as diferentes perspectivas, aumentam as diferentes características dos países, de estrutura econômica e de alinhamentos geopolíticos, inclusive.”

Mesmo assim, a presidência brasileira avançou em temas estratégicos: “A gente conseguiu já um comunicado conjunto bem substantivo, interessante. A gente conseguiu uma declaração de cooperação tributária internacional, em que menciona explicitamente a tributação dos ultra-ricos, a tributação dos bilionários, melhor traduzido.”

Marina do MST defende justiça climática e saúde pública global

A deputada Marina do MST (PT-RJ) reforçou o papel do GT de Ecologia: “Queria destacar a importância do grupo temático de ecologia que tem trazido todo o tema da crise ambiental, da justiça climática, mas sobretudo das alternativas para o desenvolvimento sustentável popular do Sul Global.”

Ela também destacou a proposta de um regime de saúde pública mundial: “A importância também da construção desse GT… e da construção de um regime de saúde pública global, ou seja, dos movimentos sociais pautar nos Brics a necessidade e a importância de construir, de fato, um regime de saúde pública a nível mundial para todos os povos.”

Marina defendeu o fim do genocídio contra o povo palestino e a soberania da Palestina: “É preciso que os BRICS se posicionem pelo fim do genocídio e pela garantia da reconstrução e da soberania Palestina.”

E completou com a pauta da justiça fiscal: “Os movimentos sociais estão realizando um plebiscito popular pela taxação dos super-ricos e pelo fim da escala 6 por 1. Então, que isso também pode ser uma contribuição muito importante para que os BRICS possam debater… como é, quais os elementos, quais as ações concretas que vão fazer no mundo para taxar os super-ricos…”

Um novo caminho global com o povo no centro

O Conselho Popular do Brics mostra que os povos organizados podem atuar como protagonistas das grandes decisões internacionais. As propostas debatidas no Rio de

Janeiro trazem urgência e profundidade: combate à fome, taxação dos bilionários, justiça ambiental, soberania dos povos e integração entre governos e sociedades civis.

Como disse Márcio Macêdo, “nós estamos escrevendo um capítulo importante da história de fortalecimento do multilateralismo… feitos com a participação também da sociedade civil organizada desses países”.

Da Redação

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Last Update: 04/07/2025