O jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura militar em 1975, foi finalmente reconhecido com anistiado político post mortem pela Comissão de Anistia do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). A decisão foi publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (18).

Com a decisão — que procura estabelecer algum nível de justiça para as vítimas dos arbítrios praticados por agentes do Estado brasileiro — a viúva do jornalista, Clarice Herzog, receberá pensão mensal vitalícia no valor de R$ 34 mil.

A reparação econômica, de caráter indenizatório, ocorre em cumprimento à decisão judicial proferida pela 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, em fevereiro.

No julgamento, o juiz Anderson Santos da Silva apontou que “diante das fartas evidências a respeito da detenção arbitrária, da tortura e da execução extrajudicial de Vladimir Herzog, o pedido autoral de reconhecimento da sua condição de anistiado político, com as suas consequências legais, apresenta plausibilidade jurídica”.

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O Instituto Vladimir Herzog e a família do jornalista se manifestaram, por meio de nota, sobre o reconhecimento da condição de anistiado, dizendo celebrar “mais esta decisão, especialmente no contexto dos 50 anos do assassinato de Vlado”.

Em comunicado conjunto, o MDHC e a Comissão da Anistia afirmaram que continuam desenvolvendo esforços para garantir o direito à memória das vítimas e de seus familiares: “Reforçarmos o compromisso do MDHC para garantir os direitos humanos, o respeito à vida, a democracia e o estado de direito”.

Suicídio forjado

Cena de suposto suicídio montada por agentes da ditadura. Foto: Instituto Vladimir Herzog/acervo

O assassinato de Vlado, como era conhecido, foi um dos mais rumorosos da ditadura tanto pela crueldade envolvida quanto por ter ficado explícita a tentativa de os agentes da ditadura forjarem uma cena de suicídio que não ocorreu.

Diretor de jornalismo da TV Cultura e membro do PCB, Herzog foi procurado por militares na emissora e, um dia depois, 25 de outubro, compareceu espontaneamente à sede do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. No local, ele acabou sendo barbaramente torturado e morto.

Apesar de todo o contexto indicar para seu assassinato, laudos sobre o crime apontavam que Herzog teria “cometido suicídio ao enforcar-se com a cinta do uniforme de prisão, amarrada a uma janela tão baixa que seu corpo teria ficado com os joelhos flexionados e os pés apoiados no chão – posição que ressalta a impossibilidade de enforcamento”, conforme assinalou o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

O caso logo repercutiu na sociedade civil organizada e entre militantes e entidades que lutavam contra os crimes da ditadura. “Por três dias, houve greve de estudantes e professores na Universidade de São Paulo (USP). O Sindicato dos Jornalistas declarou-se em sessão permanente para exigir a abertura de inquérito e a OAB protestou no mesmo sentido. O cardeal de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, conduziu um serviço fúnebre ecumênico com grande participação popular”, lembra a CNV. Estima-se que ao menos 8 mil pessoas tenham comparecido no ato, realizado em 31 de outubro.

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Outro protesto emblemático ocorreu no dia de seu sepultamento. Vlado era judeu e, conforme essa crença, suicidas deveriam ser enterrados às margens do cemitério israelita. Mas, como forma de se contrapor à versão dos militares, deixando clara a incredulidade em relação ao suposto suicídio de Vlado, no dia de seu enterro, 27 de outubro, o rabino Henry Sobel decidiu que ele deveria ser sepultado no centro do cemitério, localizado no Butantã.

Pouco tempo depois, em janeiro de 1976, ocorreu a morte do operário Manuel Fiel Filho, em circunstâncias semelhantes — neste caso, a ditadura afirmou que ele teria se enforcado com as próprias meias. Os assassinatos aumentaram o clamor público contra a repressão.

Justiça, memória e verdade

Em 1978, ainda durante a ditadura, a Justiça condenou a União pela prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog. O atestado de óbito, porém, só foi retificado e entregue à família em março de 2013. No documento, ao invés de constar que Vlado morreu devido a uma asfixia mecânica (enforcamento), passou a ter a descrição de morte decorrente de “lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do II Exército – SP (DOI-Codi)”.

Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo assassinato de Vladimir Herzog. Apenas em 2023, já sob o governo Lula, a sentença foi publicada pelo MDHC.

Em nota divulgada à época, o MDHC disse estar empenhado na retomada dos casos de condenações internacionais, “o que vem sendo feito desde o início do ano para cumprir as sentenças pendentes”.

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Last Update: 19/03/2025