A Faixa de Gaza voltou a viver um dos dias mais sangrentos da guerra neste sábado (13), com 139 palestinos mortos e 425 feridos em ataques israelenses, segundo o Ministério da Saúde local. A aeronáutica de Israel realizou 150 bombardeios em 24 horas, além de operações terrestres com tanques em Beit Hanoun (norte) e Khan Younis (sul).
A escalada acontece em meio ao colapso das negociações por um cessar-fogo de 60 dias. Enquanto delegações palestinas e israelenses permanecem em Doha, mediadas pelo Catar e pelos Estados Unidos, o Exército de Israel amplia sua presença no território e avança sobre regiões densamente povoadas, agravando a catástrofe humanitária que já deixou mais de 57.880 mortos e 138 mil feridos desde outubro de 2023.
A situação mais grave foi registrada em Rafah, onde 17 pessoas foram assassinadas em um novo episódio de disparos contra civis em fila por comida. Testemunhas relataram à Reuters que os tiros foram direcionados à cabeça e ao peito.
“Estávamos sentados e, de repente, começaram a atirar. Por cinco minutos ficamos sob fogo. Um homem ao meu lado foi atingido direto no coração”, disse Mahmoud Makram, sobrevivente do ataque.
O tiroteio em Rafah é parte de uma série de episódios semelhantes ocorridos nas últimas seis semanas, que já deixaram pelo menos 800 mortos.
Desde o fim de maio, Israel implementou um novo modelo de distribuição de alimentos sob vigilância armada, em parceria com a Gaza Humanitarian Foundation (GHF), organização apoiada pelos Estados Unidos.
A ONU rejeita o sistema, alegando que ele viola os princípios de neutralidade e coloca a população em risco direto.
De acordo com o Middle East Eye, soldados israelenses e contratados militares privados (mercenários) estariam atirando contra civis nos pontos de distribuição. Duas fontes da empresa UG Solutions, que atua junto à GHF, confirmaram à Associated Press que houve ordens de abrir fogo.
O jornal Haaretz também publicou depoimentos de soldados israelenses relatando que foram instruídos a atirar em pessoas desarmadas que buscavam comida.
Negociadores palestinos ouvidos pelo portal afirmam que aceitar a presença da GHF nos termos propostos equivaleria a legitimar os assassinatos em curso.
“Esse mecanismo não tem legitimidade. Para aceitar isso, teríamos que aceitar as mortes nas filas de comida”, disse uma das fontes envolvidas nas conversas.
Israel propõe manter ocupação em Rafah e construir “cidade humanitária”
O impasse nas negociações se aprofunda diante da proposta israelense de manter cerca de 40% da Faixa de Gaza sob controle militar durante a trégua — incluindo toda a região sul de Rafah, além de zonas no norte e leste do território.
O plano, segundo as fontes palestinas, inviabiliza o retorno de milhares de famílias deslocadas.
A permanência das tropas permitiria, ainda, a execução do plano anunciado pelo ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, de construir uma “cidade humanitária” sobre as ruínas de Rafah.
O projeto prevê a transferência de até 600 mil pessoas para campos de tendas, com possível expulsão posterior para fora de Gaza. Negociadores palestinos classificam o plano como um campo de concentração moderno disfarçado de ajuda.
“O objetivo é empurrar a população para fora de Gaza, criando zonas controladas militarmente onde as pessoas perdem o direito de voltar”, afirma uma fonte próxima às tratativas em Doha.
Exigências contraditórias bloqueiam acordo: “Não é paz, é rendição”
O colapso da negociação também reflete exigências irreconciliáveis entre as partes. Israel insiste que o fim da guerra só ocorrerá após a libertação de todos os reféns e o desmantelamento total do Hamas — tanto militar quanto politicamente. Já os negociadores palestinos defendem que o cessar-fogo de 60 dias seja o ponto de partida para uma trégua definitiva.
Segundo eles, aceitar a proposta israelense atual equivaleria a autorizar uma limpeza étnica completa. “Se aceitarmos a desmilitarização, permitiremos que Israel expulse toda a população de Gaza”, disse uma das fontes.
A delegação palestina afirma ter entrado nas negociações com disposição para libertar 10 reféns vivos, mas considera que o governo Netanyahu atua deliberadamente para sabotar o acordo.
Para especialistas ouvidos pela imprensa internacional, o bloqueio diplomático reflete uma estratégia israelense de usar o sofrimento da população como instrumento de pressão. Em vez de trégua, os civis palestinos seguem morrendo em massa, seja sob bombas, seja ao buscar comida.